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Michel Corboz
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Sete missas do século XIX que precisa de ouvir

Uma missa de Rossini com direcção de Michele Corboz na Igreja de São Roque serve para recordar outras obras sacras que marcaram o século XIX.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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No período clássico, o relevo dado à música sacra pelas instituições e, concomitantemente, pelos compositores que para elas trabalhavam, decaiu vertiginosamente, quando comparado com o período Barroco. Se, no início do Classicismo, Haydn ainda compôs 14 missas (12 delas antes de 1800), o Classicismo tardio e o Romantismo viram o caudal de música sacra – e, em particular, de missas, reduzir-se a um fio, sobretudo entre os compositores de primeiro plano, para quem a sinfonia, a ópera e, nalguns casos, a música de câmara, assumiram papel central. A diminuição da quantidade não impediu, todavia, que no século XIX continuassem a ser produzidas obras de qualidade.

Petite Messe Solennelle em São Roque

Ig. S. Roque. sex 11 de Outubro 21.00.

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Música sacra: sete missas do século XIX que precisa de ouvir

Haydn: Missa n.º 14 Harmoniemesse

Ano de composição: 1802

A copiosa produção de sinfonias e quartetos de cordas de Josef Haydn (1732-1809) faz esquecer, por vezes, que ele também foi um prolífico compositor de música sacra. A Harmoniemesse foi a última da série de seis magistrais missas que compôs entre 1796 e 1802 para celebrar o aniversário onomástico da princesa Maria Hermenegild, esposa do príncipe Nikolaus II, da poderosa família Esterházy, que o compositor serviu durante boa parte de vida. A Missa n.º 14, estreada a 8 de Setembro de 1802, ganhou, 60 anos após a estreia, o título de Harmoniemesse, por dar proeminência aos sopros (designados em alemão por “Harmonie”). Foi a última obra terminada por Haydn, já que o declínio da sua saúde o impediu de compor nos sete anos de vida que lhe restavam.

[Gloria, por Eva Mei (soprano), Elisabeth von Magnus (contralto), Herbert Lippert (tenor), Oliver Widmer (baixo), Coro Arnold Schoenberg e Concentus Musicus Wien, em instrumentos de época, com direcção de Nikolaus Harnoncourt (Teldec/Warner)]

Cherubini: Missa em fá maior “de Chimay”

Ano de composição: 1809

A centena de obras sacras de Luigi Cherubini (1760-1842), um italiano que fez carreira em França, eram, no seu tempo, tidas em alta conta, mas estão hoje esquecidas. Entre essa produção conta-se uma dezena de missas de maturidade, compostas a partir de 1808 (perderam-se cinco missas “de juventude”), duas das quais se destinaram às cerimónias de coroação de dois reis de França, Luís XVIII e Carlos X.

Em 1808, Cherubini, desiludido perante o sucesso dos seus rivais no domínio da ópera, pensara em abandonar a composição e consagrar-se à pintura e à botânica, e foi com este intuito que aceitou um convite do conde Joseph de Caraman para passar uma temporada nos seus domínios, em Chimay (hoje na Bélgica). Porém, a solicitação de um agrupamento local para a composição de uma missa levou Cherubini a regressar à actividade – o Kyrie e o Gloria foram apresentados em Chimay, mas o resto da obra só foi concluída apenas após o regresso do compositor a Paris. Esta Missa em fá maior, dita “de Chimay”, foi a primeira das suas grandes missas.

[Gloria, pelo Coro e Orquestra Sinfónica da Rádio da Baviera (Bayerischen Rundfunk), com direcção de Riccardo Muti, numa gravação de 2003 (EMI/Warner)]

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Beethoven: Missa Solemnis op. 123

Ano de composição: 1823

A Missa Solemnis de Ludwig van Beethoven (1770-1827) não levou dois ou três séculos a erguer, como muitas catedrais, mas teve uma génese conturbada. Tudo começou quando o Arquiduque Rodolfo, o mais pontual do grupo de aristocratas que assegurava a Beethoven um confortável estipêndio, foi nomeado cardeal e, pouco depois, arcebispo de Olmütz. O Arquiduque vira já a sua munificência recompensada com a dedicatória de duas sonatas para piano, os concertos para piano n.º 4 e n.º 5, uma sonata para violino e o trio com piano conhecido como Arquiduque, mas, em Junho de 1819, Beethoven tomou a iniciativa de lhe prometer também uma missa para a cerimónia de elevação a arcebispo.

Chegou Março de 1820 e a dita cerimónia teve de ser abrilhantada com música de Haydn e Hummel, pois Beethoven esboçava ainda o Sanctus e dividia a sua atenção pelas Variações Diabelli. Ao mesmo tempo, como era seu hábito, tentava vender a missa por acabar a vários editores diferentes – num total de oito – aliciando-os com a garantia de que acabara de completar não uma mas duas missas. Pelo meio iria ser atormentado pela icterícia e compor as sonatas para piano op.109, 110 e 111, as Bagatelles op.119 e o quarteto de cordas op.127. E proporia a várias cortes o privilégio exclusivo de receberem uma cópia manuscrita por 50 ducados, com a garantia de que a obra não seria publicada – omitindo, está claro, que continuava a negociar com os editores.

Em Março de 1823 remeteu finalmente a partitura completa da missa ao seu paciente mecenas. A obra foi estreada em São Petersburgo no ano seguinte, por iniciativa de outro grande mecenas de Beethoven, o príncipe Galitzin.

[Kyrie, por Marlis Petersen (soprano), Elisabeth Kulman (mezzo-soprano), Werner Güra (tenor), Gerald Finley (baixo), Coro da Rádio Holandesa e Orquestra do Royal Concertgebouw, com direcção de Nikolaus Harnoncourt, ao vivo no Concertgebouw, Amesterdão, 2012]

Schubert: Missa n.º 6 D.950

Ano de composição: 1828

A obra sacra de Franz Schubert (1797-1828) teve pouca visibilidade no seu tempo e acaba hoje por ser ofuscada pela sua vasta produção noutros domínios. A Missa n.º 6 foi a derradeira – e talvez a mais perfeita – das suas missas e resultou de uma encomenda para a celebração jubilar da consagração da Igreja da Santíssima Trindade (ou Alserkirche), em Viena – o templo em que, em 1827, tivera lugar o funeral de Beethoven, que Schubert muito estimava e cuja obra sacra exerceu influência sobre a Missa n.º 6.

Foi estreada na Igreja da Santíssima Trindade a 4 de Outubro de 1829, sob a direcção de Ferdinand Schubert, irmão do compositor, que falecera em Novembro do ano anterior.

[Et Incarnatus Est, por Rachel Harnisch (soprano), Javier Camarena (tenor), Paolo Fanale (tenor), Coro Arnold Schoenberg e Orchestra Mozart, com direcção de Claudio Abbado, ao vivo no Festival de Salzburg, 2012]

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Rossini: Petite Messe Solennelle

Ano de composição: 1863

“O último pecado mortal da minha velhice” assim chamou Gioacchino Rossini (1792-1868) a esta curiosa missa, de título contraditório – a um tempo “pequena” (embora dure hora e meia!) e “solene” – que fez estrear em 1864, mais de 30 anos depois de se ter retirado do show-biz no auge da sua celebridade.

Ao que consta, Rossini terá empregue parte do tempo livre da “reforma antecipada” a estudar contraponto, que está em evidência na obra. Os quatro solistas e o coro (num total de 12 cantores, na versão original) têm o acompanhamento de apenas dois pianos e um harmónio. Os efectivos reduzidos foram ditados pela natureza da encomenda e pelas condições de execução – a missa foi um presente do conde Alexis Pillet-Will à sua esposa e estreou na capela privada da residência do casal, em Paris. Mais tarde, Rossini preparou uma versão em que os dois pianos e o harmónio são substituídos por uma orquestra, e também surgiu uma versão destinada apenas a um piano, de que resulta que a obra raras vezes é apresentada e gravada nos moldes em que Rossini a concebeu.

[Credo, na versão original, pelo Ensemble Vocal de Lausanne, Jean François Antonioli & Luciano Sgrizzi (pianos), Philippe Corboz (harmónio) e direcção de Michel Corboz (Erato reed. Warner Classics)]

Bruckner: Missa n.º 3 WAB.28

Ano de composição: 1867

Anton Bruckner (1824-1896), que recebera instrução musical como menino de coro no mosteiro de Sankt Florian, aí desempenhou funções de organista e professor de música entre 1845 e 1855 e foi toda a vida de uma devoção religiosa a raiar a beatice, está entre os compositores românticos de primeiro plano que maior atenção devotou à música sacra.

A estreia, em 1867, da sua Missa n.º 1 (numeração que apenas diz respeito às obras de maturidade e descarta três missas breves de juventude, compostas em 1842-44, e a Missa Solemnis de 1854), foi bem recebida, o que motivou a encomenda de uma missa para a Augustinerkirche, a capela imperial de Viena. Porém, os ensaios revelaram-se problemáticos (o maestro até declarou que a obra era demasiado longa e impossível de ser cantada), de forma que a obra só estreou em 1872, sob a direcção do próprio compositor.

[Kyrie, por Maria Stader (soprano), Kim Borg (baixo), Coro e Orquestra Sinfónica da Rádio da Baviera (Bayerischen Rundfunk), com direcção de Eugen Jochum (Deutsche Grammophon)]

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Dvorák: Missa em ré maior op.86

Ano de composição: 1887

No domínio sacro, o checo Antonín Dvorák (1841-1904) é conhecido sobretudo pelo Stabat Mater (1877) e pelo Requiem (1890), mas também compôs uma escorreita missa para coro e órgão, destinada à consagração da capela do castelo de Luzany (hoje na República Checa), propriedade do arquitecto e filantropo Josef Hlávka. A pedido do editor londrino Novello, Dvorák preparou em 1892 uma versão para coro e orquestra, que é hoje a mais executada.

[Gloria, na versão original de 1887, pelo Coro da Christ Church Cathedral, de Oxford, e Nicholas Cleobury (órgão), com direcção de Simon Preston (Argo)]

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