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Evgeny Kissin
Evgeny Kissin

Oito obras-primas para piano e cordas do século XIX

Evgeny Kissin e o Kopelman Quartet trazem à Gulbenkian duas magníficas obras para piano e cordas da autoria de Fauré e Dvorák. Mas o século XIX produziu várias outras de genialidade comparável

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Evgeny Kissin & Kopelman Quartet

O pianista russo, que já nos visitou a solo no passado dia 31 de Outubro, regressa na companhia dos seus compatriotas do Kopelman Quartet, liderado por Mikhail Kopelman, que foi primeiro violino do Borodin Quartet durante duas décadas). Mikhail Kopelman e Boris Kuschnir (violinos), Igor Sulyga (viola) e Mikhail Milman (violoncelo) Dar-nos-ão a ouvir quartetos com piano de Fauré (n.º1 op.15) e Mozart (n.º1 K478) e um quinteto com piano de Dvorák (n.º2 op.81).

Fundação Gulbenkian, sexta-feira 16 de Fevereiro, 21.00, 30-70€.

Oito obras-primas para piano e cordas do século XIX

Trio com piano n.º 7 op.97 Arquiduque, de Beethoven

Ano: 1811

Foi o derradeiro trio com piano composto por Ludwig van Beethoven (1770-1827) e foi estreado em 1814 em Viena, com o próprio compositor como intérprete, naquela que seria a sua última aparição pública como pianista, em resultado da surdez crescente. Embora Beethoven tenha dedicado 14 obras ao Arquiduque Rudolfo – seu aluno de piano, amigo e mecenas – o Trio n.º 7 foi o único que ficou identificado com nome do dedicatário. O III andamento é uma série de cinco variações sobre um tema que um crítico (André Boucourechliev) descreveu como “o mais elevado ideal da santidade e da divindade”. Não estava a exagerar.

[III andamento (Andante cantabile ma però con motto), por Lev Oborin (piano), David Oistrakh (violino) e Sviatoslav Knushevitzky (violoncelo), Londres, 1958 (EMI/Warner)]

Quinteto com piano D.667 A Truta, de Schubert

Ano: 1819

Quem diria que esta peça sublime foi concebida para a recriação de um grupo de músicos amadores em férias? Franz Schubert (1797-1828) tinha 22 anos e estava de férias com uns amigos quando lhe foi encomendado este quinteto, cuja invulgar instrumentação nas cordas (violino + viola + violoncelo + contrabaixo, em vez do usual 2 violinos + viola + violoncelo) se explica por serem esses os instrumentistas disponíveis, uma vez que se tinham juntado para tocar um quinteto de Johann Nepomuk Hummel que tinha esses requisitos em termos de instrumentos. A presença do contrabaixo libertava o violoncelo para um papel mais proeminente, o que agradou certamente a Sylvester Paumgartner, o violoncelista amador que encomendou a obra.

O quinteto ficou conhecido como A Truta (Die Forelle) por o seu IV andamento ser uma série de variações sobre a melodia do Lieder homónimo (o D.550, composto em 1817). A obra terá, eventualmente, sido executada em privado, em 1819, por Paumgartner e os seus amigos, e só foi publicada dois anos após a morte de Schubert.

[IV andamento (Andantino – Allegretto), por Daniel Barenboim (piano), Itzhak Perlman (violino), Pinchas Zukermann (viola), Jacqueline Dupré (violoncelo) e Zubin Mehta (contrabaixo), 1969]

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Quarteto com piano n.º 3 op.60, de Brahms

Ano: 1875

Como tantas outras obras de Johannes Brahms (1833-1897), este quarteto teve uma génese demorada, que a perfeição do resultado final não deixa adivinhar: os primeiros esboços datam de 1856 e foi parcialmente desenvolvido em 1861, ao mesmo tempo que os Quartetos com piano n.º 1 e 2, mas só foi terminado no Verão de 1875 – estreou no ano seguinte, com o próprio compositor ao piano. O III andamento é um remanso de serenidade numa obra tensa e agitada.

[III andamento (Andante), por Jeremy Menuhin (piano), Valeriy Sokolov (violino), Gérard Caussé (viola) e Gary Hoffman (violoncelo); Jeremy Menuhin é filho do violinista Yehudi Menuhin, mas Valeriy Sokolov não tem relação de parentesco com o pianista Grigory Sokolov]

Quarteto com piano n.º1 op.15, de Fauré

Ano: 1879

Em que medida é que as obras reflectem o estado de espírito do seu criador? Gabriel Fauré (1845-1924) cortejou Marianne Viardot (filha da famosa soprano Pauline Viardot) durante cinco anos, mas esta só acedeu ser sua noiva em Julho de 1877; em Novembro, Marianne rompeu o noivado por razões que não se conhecem. O Quarteto com piano n.º 1, iniciado no Verão de 1876 e terminado em 1879, apanhou as várias fases de turbulência emocional de Fauré, da paixão não-correspondida, à perspectiva de uma vida a dois e à amarga desilusão – mas será possível estabelecer correspondências entre a sucessão de emoções do compositor e a música? Um crítico – Stephen Johnson – entende que o Adagio espelhará a tristeza de Fauré após a ruptura de Novembro de 1877, mas talvez seja preferível desfrutar da obra sem dar excessiva importância a este tipo de especulações. O quarteto foi estreado em 1880 e revisto (sobretudo o último andamento) em 1883.

[I andamento (Allegro molto), por Michel Dalberto (piano), Renaud Capuçon (violino), Gérard Caussé (viola) e Gautier Capuçon (violoncelo), ao vivo no Wigmore Hall, Londres, 30 de Abril de 2013]

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Quinteto com piano FWV 7, de Franck

Ano: 1879

Entre os quatro Trios concertantes com piano compostos no final da adolescência e o Quinteto com piano, César Franck (1822-1890) esteve 35 anos sem compor música de câmara. Mas valeu a pena a espera, pois o Quinteto com piano é uma das mais belas obras de câmara. A obra foi estreada em 1880 com o dedicatário, Camille Saint-Saëns, como pianista – porém, este revelou ingratidão e falta de discernimento, ao erguer-se do piano mal a peça terminou e saiu do palco deixando a partitura sobre o instrumento, para mostrar o seu pouco apreço pela peça. A verdade é que não há na extensa e variada obra de Saint-Saëns nenhuma peça com a intensidade e inspiração desta. Roger Scruton, um pensador brilhante capaz de tiradas asininas, reprovou ao quinteto o seu “narcisismo untuoso” (uma qualificação capaz de se voltar contra quem a proferiu). Quem não aprecie dramatismo e paixão fará melhor em procurar outra coisa para ouvir.

[I andamento (Molto moderato quasi lento), por Jorge Bollet e o Juilliard Quartet, 1978]

Trio com piano op.50, de Tchaikovsky

Ano: 1882

Piotr Illyich Tchaikovsky (1840-1893) teve uma relação muito próxima com os irmãos Nikolay e Anton Rubinstein, dois reputados pianistas, maestros, compositores e pedagogos. A amizade com Nikolay conheceu uma crise séria quando Tchaikovsky lhe mostrou o seu Concerto para piano n.º 1 e Nikolay fez comentários muito desagradáveis e irreflectidos sobre a obra. Mas os danos acabariam por ser reparados e ao saber da morte de Nikolay a 2 de Março de 1881, em Paris, Tchaikovsky ficou profundamente tocado. Estava então em Nice e dirigiu-se a Paris para velar o cadáver do amigo e no final do ano, em Roma, deu início à composição de um trio para piano, violino e violoncelo, embora no ano anterior tivesse declarado numa carta à sua mecenas, Nadezhda von Meck, que “os meus órgãos auditivos estão talhados de forma que não suportam absolutamente nenhuma combinação de piano com violino ou com violoncelo. Para mim, os timbres destes instrumentos guerreiam-se de tal modo que é para mim, asseguro-vos, uma verdadeira tortura escutar um trio com piano ou uma sonata para violoncelo e piano”. Nada desta aversão transparece no Trio op.50 À la Mémoire d’un Grand Artiste (em francês na partitura original), que é uma das mais belas peças de câmara do Romantismo. Foi estreado em 1882 num concerto de homenagem a Nikolay Rubinstein no Conservatório de Moscovo (de que tinha sido fundador), assinalando o primeiro aniversário da sua morte.

[I andamento (Pezzo elegiaco: Moderato assai – Allegro giusto), por três colossos: Vladimir Horowitz (piano), Isaac Stern (violino) e Mstislav Rostropovich (violoncelo)]

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Quinteto com piano n.º2 op.81, de Dvorák

Ano: 1887

É legítimo que quem ouça o Quinteto com piano n.º 2 de Antonín Dvorák (1841-1904) fique com curiosidade de ouvir também o n.º 1. Porém este, datado de 1872, é uma obra raramente tocada – aliás, Dvorák julgava mesmo ter destruído a sua partitura. Quando a reencontrou, por acaso, em 1887, lançou-se numa profunda revisão, mas acabou por concluir que mais valia compor um novo quinteto de raiz. Assim surgiu, em apenas duas semanas de labor – de 18 de Setembro a 3 de Outubro –, o op.81, que estreou no ano seguinte. O III andamento leva como sub-título “Furiant”, o nome de uma vigorosa dança da Boémia – porém, ainda que muito impetuoso, o andamento não recorre aos ritmos típicos desta dança.

[III andamento (Molto vivace), por Jacob Katsnelson (piano) e o Quarteto do Teatro Bolshoi, com Dmitry Khakhamov e Irina Blank (violinos), Dimitry Potyomkin (viola) e Boris Lifanovsky (violoncelo), conservatório de Moscovo, 2005]

Concerto para piano, violino e quarteto de cordas op.21, de Chausson

Ano: 1891

Não se trata de um sexteto para piano e cordas, já que um dos violinos tem, com o piano, um papel mais proeminente que os seus parceiros de cordas, mas também não existe a diferença nítida entre solistas e ensemble típica do formato concerto. A obra, composta por Ernest Chausson (1855-1899) entre 1889 e 1991, foi estreada no ano seguinte, em Bruxelas, por uma formação de que fazia parte o dedicatário, Eugéne Ysaye, talvez o mais famoso violinista francês daquele tempo. Este – tal como Saint-Saëns face ao Quinteto com piano de Franck – não mereceu a honra de que foi alvo e classificou a obra como “mais um fiasco”.

[II andamento (Sicilienne), por Jorge Bolet (piano), Itzhak Perlman (violino) e o Juilliard Quartet, formado por Robert Mann e Earl Carlyss (violinos), Samuel Rhodes (viola) e Joel Krosnick (violoncelo)]

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Capuçon será acompanhado pela Orquestra Gulbenkian, com direcção de Paul McCreesh, e o programa completa-se com a Sinfonia n.º 7, de Beethoven, e as Gymnopédies n.º 1 e 3, de Satie, em versão orquestrada por Debussy. Fundação Gulbenkian, quinta-feira 20, 21.00, e sexta-feira 21, 19.00, 12-24€.

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Desde que Pablo Casals as resgatou a um esquecimento de mais de dois séculos, as Suites a Violoncello Solo Senza Basso, de Johann Sebastian Bach, tornaram-se na montanha sagrada do repertório para violoncelo. Como explicou numa entrevista Jean-Guihen Queyras, um dos seus mais notáveis intérpretes, o facto de o violoncelo estar completamente só, sem o amparo do baixo contínuo, deixa “infinitas possibilidades de interpretação, por comparação com uma obra ‘normalmente’ harmonizada”. As seis Suites para violoncelo solo terão sido compostas por Bach entre 1717 e 1723, quando estava ao serviço do príncipe Leopold de Anhalt-Cöthen. Dada a sua elevada exigência técnica supõem-se que poderão ter sido escritas para os dois excelentes violoncelistas então ao serviço do príncipe Leopold: Bernard Linigke e Carl Ferdinand Abel. A Suíte n.º 5 requer uma afinação não-convencional e, segundo muitos intérpretes e musicólogos, a Suíte n.º 6 foi composta para um violoncelo piccolo de cinco cordas, um instrumento raro, de menores dimensões que o violoncelo-padrão, que desapareceu de circulação no final do Barroco. Os intérpretes que aderem à “interpretação historicamente informada” costumam recorrer a um piccolo na Suíte n.º 6, os outros tocam todas as suítes com o mesmo instrumento. As Suítes estavam muito esquecidas quando, em 1889, Pablo Casals, então com 13 anos, deu com uma velha edição numa loja de partituras em segunda mão – passaria os 13 anos seguintes a tocá-las diariamente, até julga

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