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Plácido en el alma

Plácido Domingo em Lisboa: o tenor em 10 grandes papéis

A visita de um dos maiores cantores de todos os tempos a Lisboa serve para recordar alguns dos mais notáveis desempenhos de Plácido Domingo

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Numa entrevista à PBS, Plácido Domingo sintetizou assim a sua postura perante a vida e a arte: “Na minha vida quero ser feliz, no palco é maravilhoso sofrer”. Só pode concluir-se que tudo lhe tem corrido a contento, pois na vida tem desfrutado de um sucesso incomparável – cantou mais de 3500 récitas, em que desempenhou 147 papéis diferentes, nos mais prestigiados teatros do mundo, e é o mais popular cantor de ópera vivo – e no palco tem sido encarcerado, torturado, apunhalado (ou tem-se apunhalado a si mesmo), envenenado, guilhotinado e ameaçado de enforcamento vezes sem conta.

Domingo nasceu em Madrid em 1941 e mudou-se com a família para o México aos oito anos. O pai e a mãe eram cantores de zarzuela e foi na companhia dos pais que se estreou em papéis infantis. Ainda adolescente cantou em várias zarzuelas e o seu primeiro papel operático “a sério” – Borsa, uma figura secundária do Rigoletto de Verdi – surgiu em 1959, aos 18 anos. O seu primeiro papel principal foi o de Alfredo, em La Traviata de Verdi, em 1961, e em 1968 já cantava em palcos tão afamados como a Metropolitan Opera de Nova Iorque e o Teatro alla Scalla, de Milão.

Não contente com a sua intensa carreira como tenor, em 1973 estreou-se como maestro – e não se pense que se tratou de um efémero capricho de estrela, pois tem consagrado a esta função muito do seu tempo e energia e já empunhou a batuta em mais de 450 concertos. O seu imenso curriculum na ópera italiana não o tem impedido de cantar em francês (Bizet, Gounod, Massenet) com igual sucesso. Mais discutível tem sido a sua incursão em Wagner: começou cedo, como Lohengrin na ópera homónima, em 1968, em Hamburgo, mas foi na viragem dos anos 80-90 que fez forte aposta neste repertório, cantando os papéis de Tannhäuser, Erik, Parsifal e Siegmund (seguida, em 2005, por um Tristão num registo para a EMI). Porém, as suas notáveis qualidades vocais e dramáticas são prejudicadas por uma peculiar pronúncia do alemão, algo a que muita crítica parece não dar importância, embora às vezes seja tão notória que mina a credibilidade do seu desempenho.

A mudança na voz com o passar dos anos fê-lo ir alterando o tipo de papéis que cantava, mas foi algo surpreendente o seu salto para os papéis de barítono, ocorrida pela primeira vez aos 68 anos, em 2009, como Simon Boccanegra, na ópera homónima, na qual cantara antes o papel de Gabriele Adorno, no registo de tenor. Nos últimos anos acabou por consagrar-se exclusivamente a este registo, embora a sua inteligência, experiência e sentido dramático não sejam capazes de compensar inteiramente o desgaste que a voz acusa. De qualquer modo, a sua forma vocal só pode ser motivo de admiração num homem de 76 anos que já cantou mais de 3500 récitas de ópera, nalguns dos papéis mais devastadores para as cordas vocais jamais escritos.

Entre os 147 papéis que Domingo já encarnou, seleccionaram-se 10 que fizeram história.

Plácido Domingo é acompanhado pela Sinfonietta de Lisboa e partilha o palco com as sopranos Micaëla Oeste (que tem actuado nas óperas de Los Angeles, San Diego, Washington e Montpellier e no Carnegie Hall) e Rita Marques (que estuda no Centro de Aperfeiçoamento Plácido Domingo, em Valência) e tem como convidada especial Katia Guerreiro. O promotor do concerto divulga a ementa do Dinner Pack (100€ para duas pessoas) mas não o programa musical, mas é lícito supor que se compõe de uma mistura de árias de ópera favoritas e canção ligeira, provavelmente com uma ou outra cançoneta napolitana pelo meio.

MEO Arena, segunda-feira 22, 21.30, 38-140€

Plácido Domingo em Lisboa: o tenor em 10 grandes papéis

Don José na Carmen, de Bizet

Papel: Don José, oficial de dragões, apaixonado pela cigana Carmen
Sofrimento em palco: Carmen passa a ópera a brincar com os sentimentos de Don José e a fazer dele gato-sapato (como aliás, faz com todos os homens). Por Carmen, Don José rejeita a noiva, deixa o exército e torna-se contrabandista, mas a cigana acaba por traí-lo com o toureiro Escamillo e humilha Don José a tal ponto que este perde as estribeiras e acaba por matá-la. Homens possessivos desvairados pelo ciúme a matar mulheres eram assunto recorrente na ópera do século XIX e, desgraçadamente, continuam a sê-lo nos noticiários televisivos do século XXI.

[“La Fleur Que Tu M’Avais Jetée”, com Elena Obraztsova (Carmen) e a orquestra da Wiener Staatsoper, com direcção de Carlos Kleiber e encenação de Franco Zeffirelli, Viena, 1978; editado em Blu-ray pela ArtHaus Musik]

Otello em Otello, de Verdi

Papel: Otello, comandante mouro ao serviço da República de Veneza na luta contra o Islão, casado com a bela e cândida Desdemona.
Sofrimento em palco: o invejoso Iago, furioso por Otello o ter preterido nas promoções em favor de Cassio, monta uma intriga que tira partido do carácter colérico de Otello e leva este, roído pelos ciúmes, a matar Desdemona. Quando Otello compreende que esta não o traíra e que fora ludibriado por Iago, suicida-se.

[“Si, Per Ciel”, com Sherrill Milnes (Iago) e a orquestra da Metropolitan Opera, com direcção de James Levine e encenação de Franco Zeffirelli, Nova Iorque, 1979; editado em CD pela RCA/Sony]

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Cavaradossi na Tosca, de Puccini

Papel: Mario Cavaradossi, pintor, apaixonado pela cantora Floria Tosca.
Sofrimento em palco: é preso pelo barão Scarpia, chefe da polícia, por ter auxiliado a fuga do seu amigo Angelotti, que se evadira da prisão, e é torturado para que revele onde o fugitivo se esconde. Scarpia, que cobiça Tosca, urde uma sinistra maquinação que envolve um fuzilamento simulado do pintor, mas nem tudo corre como previra: Scarpia é morto por Tosca, e o fuzilamento “simulado” de Cavaradossi é afinal a sério: quando descobre que Cavaradossi foi morto, Tosca salta do alto das muralhas.

[“Dammi i Colori... Recondita Armonia”, com Alfredo Mariotti (Sacristão), Raina Kabaivanska (Tosca) e a New Philharmonia, com direcção de Bruno Bartoletti, num filme realizado por Gianfranco De Bosio, em 1976; editado em DVD pela Deutsche Grammophon]

Adorno em Simon Boccanegra, de Verdi

Papel: Gabriele Adorno, fidalgo genovês, apaixonado por Amelia Grimaldi, filha adoptiva de Simon Boccanegra
Sofrimento em palco: moderado; no fim, após muitos tumultos e reviravoltas, fica com a sua amada.

[Com Vladimir Chernov (Simon Boccanegra), Kiri Te Kanawa (Maria Boccanegra) e a orquestra e coro da Metropolitan Opera, com direcção de James Levine e encenação de Giancarlo del Monaco, Nova Iorque, 1995; editado em DVD pela Deutsche Grammophon; Domingo só entra em cena aos 5’27, mas o desempenho de Chernov é antológico, pelo que se recomenda que o vídeo seja visto do princípio]

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Canio em Pagliacci, de Leoncavallo

Papel: Canio, líder de uma troupe de saltimbancos, casado com Nedda, actriz na mesma companhia (faz de Colombina, enquanto Canio é Pierrot).
Sofrimento em palco: enlouquecido pelos ciúmes mata Nedda, e o seu amante, o camponês Silvio, e entrega-se à justiça.

[“Recitar... Vesti la Giubba”, com a orquestra do Teatro alla Scala, de Milão, com direcção de Georges Prêtre e encenação e realização de Franco Zeffirelli, Milão, 1981; editado em DVD pela Deutsche Grammophon]

Andrea Chénier em Andrea Chénier, de Giordano

Papel: Andrea Chénier, poeta, apaixonado por Maddalena Gérard e apanhado no turbilhão da Revolução Francesa.
Sofrimento em palco: Gérard, o lacaio convertido em líder revolucionário, também ama Maddalena e faz com que Chénier seja preso sob falsas acusações; Gérard acaba por arrepender-se do que fez e tenta salvar o rival, mas é incapaz de deter a implacável máquina revolucionária e a execução de Chénier é confirmada. No último instante, Maddalena consegue tomar o lugar de uma condenada, a fim de ter o consolo de ser guilhotinada ao mesmo tempo que o seu amado.

[“Un Di all’Azzuro Spazio Guardai Profondo”, com a orquestra da Wiener Staatsoper, com direcção de Nello Santi e encenação de Otto Schenk, Viena, 1981; editado em DVD pela Deutsche Grammophon]

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Ernani em Ernani, de Verdi

Papel: Ernani, um bandido apaixonado pela fidalga Elvira, que está noiva, contra vontade sua, do detestável Don Ruy Gomez da Silva. Para complicar as coisas, Elvira é também objecto da paixão de Carlos (o futuro imperador Carlos V).
Sofrimento em palco: após muitas peripécias rocambolescas, Ernani, que na verdade é um nobre, D. João de Aragão, que foi espoliado das suas terras, está na iminência de ser executado por traição, por ordem de Carlos V, que entretanto fora aclamado imperador. Porém, a intervenção suplicante de Elvira, faz Carlos mudar de opinião: perdoa ambos, abençoa o seu casamento e devolve o feudo a Ernani. Quem não gosta nada deste desfecho é Silva, que, num final sumamente inverosímil, surge no castelo de Ernani após as núpcias deste com Elvira e induz Ernani a matar-se, dando-lhe a escolher entre um punhal e veneno. Ernani escolhe o punhal e desfalece nos braços de Elvira.

[“Come Rugiada al Cespite... O Tu Che l’Alma Adora”, com a orquestra do Teatro alla Scala, com direcção de Riccardo Muti e encenação de Luca Ronconi, Milão, 1982; editado em DVD pela Warner]

Hoffmann em Les Contes de Hoffmann, de Offenbach

Papel: Hoffmann, um poeta (o próprio E.T.A. Hoffmann, o autor dos três contos em que se baseia o libreto).
Sofrimento em palco: as peripécias são muitas (até porque a cada acto corresponde um enredo independente), mas não pode falar-se em sofrimento. No fim, após as três paixões de Hoffmann terem dado em nada, a Musa consegue dissuadir o poeta de perder tempo com mulheres de carne e osso e a consagrar-se plenamente a ela – ou seja, à poesia.

[Com Ileana Cotrubas (Antonia) e a orquestra da Royal Opera House Covent Garden, Londres, 1981; o filme, realizado por John Schlesinger, foi editado em DVD pela Warner]

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Dick Johnson em La Fanciulla del West, de Puccini

Papel: Dick Johnson, um bandido do Oeste americano, também conhecido por Ramerrez.
Sofrimento em palco: Johnson apaixona-se por Minnie, a dona de um saloon, mas as quando Minnie descobre que ele é um famoso fora-da-lei, ordena-lhe que a deixe; Johnson é ferido pelos mineiros que o perseguem e, após várias peripécias, é capturado; mas quando está prestes a ser enforcado, Minnie entra em cena com uma pistola e, entre ameaças e persuasão, acaba por convencer os mineiros e o sheriff de que Johnson se regenerou e consegue obter a sua libertação. Minnie e Johnson partem para a Califórnia, para começar uma nova vida.

[“Ch’Ella Mi Creda”, com o coro e orquestra da Metropolitan Opera, com direcção de Leonard Slatkin e encenação de Giancarlo del Monaco, Nova Iorque, 1992; editado em DVD pela Deutsche Grammophon]

Rodolfo em Luisa Miller, de Verdi

Papel: Rodolfo, filho do conde Walter, apaixonado por Luisa, filha de Miller, um velho soldado reformado.
Sofrimento em palco: o conde Walter opõe-se a que Rodolfo se case com uma rapariga de origem humilde e destina-lhe Federica, duquesa de Ostheim. Os atritos entre pai e filho agravam-se, com a ajuda das intrigas de Wurm, o mordomo de Walter, que também está caído por Maddalena, e o conde faz prender o velho Miller e propõe à filha, Luisa, que o libertará se ela rejeitar o amor de Rodolfo, ao que ela, com a morte na alma, acede. Num enredo incrivelmente rocambolesco, Rodolfo e Luisa, desesperados, acabam por partilhar a mesma taça de veneno, mas antes de sucumbir, Rodolfo ainda tem forças para matar o intriguista Wurm.

[“Quando le Sere al Placido”, com a orquestra da Metropolitan Opera, com direcção de James Levine e encenação de Nathaniel Merrill, Nova Iorque, 1979; editado em DVD pela Deutsche Grammophon]

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