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Duke Ellington
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“Solitude”: as agruras da solidão condensadas numa canção

Em tempos em que se recomenda o isolamento, eis dez versões clássicas da melancólica “Solitude”. Uma canção que Duke Ellington compôs enquanto esperava.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Segundo o próprio Duke Ellington conta na autobiografia Music Is My Mistress, “Solitude” (também conhecida como “In My Solitude”) foi esboçada em 20 minutos, no estúdio de gravação da RCA, em Chicago, em 1934, enquanto esperava que a orquestra que precedia a sua na agenda do estúdio finalizasse a sua sessão. A ser verdade, foram 20 minutos muito bem aproveitados.

A composição ganharia depois uma letra de Eddie DeLange e de Irving Mills, agente da banda, que traça um quadro de solidão extrema: “Vens assombrar a minha solidão/ Com fantasias de dias passados/ Vens atenazar a minha solidão/ Com memórias que não se esbatem/ Sentado na cadeira, mergulhado no desespero/ Não há ninguém mais triste/ Há minha volta só há trevas/ Sento-me, de olhar fixo/ Não tardarei a enlouquecer”.

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Dez versões clássicas de “Solitude”

1. Duke Ellington

Ano: 1934

Esta gravação foi realizada pouco depois da composição, a 12 Setembro, e foi editada pela Brunswick. A orquestra conta com Freddy Jenkins, Arthur Whetsel e Cootie Williams (trompetes), Lawrence Brown, Joe Nanton e Juan Tizol (trombones), Barney Bigard, Johnny Hodges, Otto Hardwick e Harry Carney (saxofones), Duke Ellington (piano), Fred Guy (guitarra), Wellman Braud (contrabaixo) e Sonny Greer (bateria).

2. Billie Holiday

Ano: 1946
Álbum: American Decca Recordings (Decca)

Nos anos seguintes, Ellington realizou várias gravações, que incluíram a primeira versão vocal, confiada a Ivie Anderson, também muito recomendável, mas que seria superada em pungência pela interpretação por Holiday registada seis anos depois, em Nova Iorque, com uma orquestra composta por Chris Griffin e Joe Guy (trompetes), Bill Stegmeyer, Hank Ross, Bernard Kaufman e Armand Camgros (saxofones), Joe Springer (piano), Tiny Grimes (guitarra), John Simmons (contrabaixo) e Sidney Catlett (bateria). Holiday gravou-a canção várias vezes na sua carreira, uma vez que a solidão desesperada e terminal nela expressa estavam em sintonia com a sua sensibilidade e, nos seus últimos anos, com a sua experiência de vida.

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3. Johnny Hodges

Ano: 1951
Álbum: Memories of Ellington (Norgran)

Nos seus discos em nome próprio, os músicos de Ellington raramente deixaram de incluir peças do “song book” do seu “patrão”, sendo frequente consagrar-lhes todo o programa, como acontece neste disco que foi “montado” a partir de seis sessões realizadas entre 1951 e 1954 e que foi reeditado com o título In a Mellow Tone. Esta versão melancólica e aveludada de “Solitude” provém de uma sessão de 28 de Fevereiro de 1951, liderada pelo saxofonista alto Johnny Hodges, um dos esteios da orquestra de Ellington, com Emmett Berry (trompete), Lawrence Brown (trombone), Al Sears (saxofone), Leroy Lovett (piano), Lloyd Trotman (contrabaixo) e Sonny Greer (bateria).

4. Thelonious Monk

Ano: 1955
Álbum: Plays Duke Ellington (Riverside)

Thelonious Monk começou por ser mal aceite pelo público e crítica e havia quem o acusasse de não saber tocar. Para demonstrar que Monk era um pianista consumado, quando este foi contratado pela Riverside, o produtor Orrin Keepnews persuadiu-o a que, em vez do material original que até aí constituíra o grosso dos seus discos, Monk interpretasse repertório “canónico” – neste caso, o de um dos mais prestigiados compositores de jazz, Ellington.

O álbum contou com a cumplicidade de Oscar Pettiford (contrabaixo) e Kenny Clarke (bateria), mas, numa canção sobre solidão, Monk optou pelo piano solo. Monk imprimiu a “Solitude” a sua marca pessoal, ainda que sem distorcer significativamente o original.

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5. Ella Fitzgerald

Ano: 1957
Álbum: Ella Fitzgerald Sings the Duke Ellington Song Book (Verve)

Parte deste “Song Book” da série que Ella dedicou a grandes compositores americanos foi registado com a orquestra de Ellington, mas nalgumas faixas a cantora foi acompanhada apenas por um pequeno combo – neste caso, com Ben Webster (saxofone), Stuff Smith (violino), Paul Smith (piano), Barney Kessel (guitarra), Joe Mondragon (contrabaixo) e Alvin Stoller (bateria).

6. Sonny Rollins

Ano: 1957
Álbum: Way Out West (Contemporary)

Para este álbum – que se tornaria num dos mais aclamados da sua carreira – o saxofonista Sonny Rollins ensaiou pela primeira vez o (então invulgar) formato saxofone + contrabaixo (Ray Brown) + bateria (Shelly Manne). E no caso de “Solitude”, correu ainda mais riscos, ao reduzir a secção rítmica aos “serviços mínimos” (o que não impede que Brown tenha direito a um solo).

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7. Sonny Stitt

Ano: 1960
Álbum: Homage to Ellington (Verve, reed. Fresh Sound)

Os músicos da geração bebop também abraçaram o “song book” ellingtoniano e, nalguns casos, como o deste álbum do saxofonista alto Sonny Stitt – visto então por muitos como um herdeiro de Charlie Parker – até reservaram todo o programa a composições de Ellington. A sessão, que contou com Lou Levy (piano), Paul Chambers (contrabaixo) e Stan Levey (bateria), foi registada para a Verve, em Los Angeles, a 20 de Junho de 1960, mas só foi editada 10 anos depois, com o anódino título Previously Unreleased Recordings. Após mais um longo período de obscuridade, a sessão surgiu em CD pela primeira vez em 2013, pela mão da editora catalã Fresh Sound como complemento à reedição de Rearin’ Back (1962), tendo-lhe sido atribuído o título Tribute to Ellington (ou Homage to Ellington), outra escolha infeliz, uma vez que corre o risco de confusão com o álbum que Stitt lançou em 1977 na Catalyst com o título Sonny Stitt with Strings: A Tribute to Duke Ellington.

8. Duke Ellington

Ano: 1962
Álbum: Money Jungle (Blue Note) Neste disco histórico, que oferece a rara oportunidade de ouvir Ellington em trio com dois outros colossos, Charles Mingus (contrabaixo) e Max Roach (bateria), “Solitude” tem o piano no centro do palco e assume proporções dramáticas e atesta que Ellington não hesitava em virar pelo avesso as suas próprias composições.

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9. Duke Ellington & Coleman Hawkins

Ano: 1962
Álbum: Duke Ellington Meets Coleman Hawkins (Impulse!)

1962 foi ano de “cimeiras de alto nível” entre Ellington e os seus pares: além de Money Jungle e de um álbum com John Coltrane, foi também gravado este encontro com o saxofonista tenor Coleman Hawkins. Tal como no encontro com Coltrane, o repertório assenta em composições de Ellington e os músicos provêm da orquestra deste: Ray Nance (trompete, violino), Lawrence Brown (trombone), Johnny Hodges (saxofone alto), Harry Carney (saxofone barítono), Aaron Bell (contrabaixo) e Sam Woodyard (bateria). O violino de Nance tem uma intervenção pungente, e o solo de Hawkins, aveludado e caloroso, acaba por trazer algum conforto à solidão.

10. Sarah Vaughan

Ano: 1964
Álbum: The Lonely Hours (Roulette)

Como título sugere, The Lonely Hours pretende dar a ouvir Vaughan numa faceta mais melancólica e intimista, embora os arranjos orquestrais (de Benny Carter) acabem por contrariar um pouco essa ideia e Vaughan não consiga disfarçar que possui um vozeirão tremendo.

Mais Duke Ellington

  • Música
  • Jazz

Foi em 1936 que surgiu uma composição pioneira na “contaminação” do jazz pelas “músicas do mundo”. O facto de os seus autores nada saberem de música árabe não impediu que se convertesse num dos mais populares standards do jazz.

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