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Televisão, Séries, Crime, Drama, Godfather of Harlem (2019)
©DRGodfather of Harlem de Chris Brancato e Paul Eckstein

‘Godfather of Harlem’ é muito mais do que uma história de gangsters

A série protagonizada pelo “padrinho” Forest Whitaker, que se estreia esta sexta-feira no Disney+, mostra os bastidores da luta pelos direitos civis nos EUA. Viajámos até à Nova Iorque dos anos 1960.

Hugo Torres
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Hugo Torres
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O Disney+ está a aquecer. Depois do lançamento em Setembro, e da notável aceleração na expansão do catálogo, no final de Fevereiro, com a inclusão da submarca Star, a versão portuguesa deste serviço de streaming está a começar a tirar trunfos da manga à velocidade a que já estamos habituados na concorrência. Se não são originais, são clássicos; se não são clássicos, são produções recentes que merecem estreia condigna por cá. É o caso de Godfather of Harlem, série de Chris Brancato e Paul Eckstein, dois dos criadores de Narcos. O ponto de partida é idêntico: pegar na histórica de um criminoso sanguinário e representá-lo na sua relação com a família e com a comunidade, que tanto patrocina e promove, com o dinheiro e o poder que detém de facto, como as subjuga e condena para manter ou expandir o negócio, o tráfico de droga, que lhe garante os recursos e autoridade para manter o estatuto de “padrinho”. Tal como em Narcos, também Godfather of Harlem é inspirado – e não “baseado em”, note-se a distinção – numa personagem real. Numa, era Pablo Escobar; noutra, Ellsworth “Bumpy” Johnson. De Medellín, Colômbia, nos finais dos anos 1970, passamos para o Harlem, Nova Iorque, nos inícios da década anterior. A diferença? A polícia fica muito pior na fotografia.

A primeira temporada, que passou em 2019 nos EUA, estreia-se esta sexta-feira no Disney+. Este atraso tem pelo menos uma vantagem: quem se deixar seduzir por esta história de gangsters com um twist de humanidade pouco terá de esperar pela segunda leva de dez episódios, prevista para meados de Abril. E há motivos para se deixar cativar. Desde logo pelo elenco. O oscarizado Forest Whitaker, que interpreta o quinquagenário Bumpy Johnson, é o centro gravitacional. Em seu redor orbitam Vincent D’Onofrio (como Vincent “The Chin” Gigante, o mafioso italiano que é o arqui-rival de Johnson), numa performance que lhe tem valido sérios encómios; Paul Sorvino (como Frank Costello, mentor de Johnson e o gangster mais investido no entendimento entre ambos); Ilfenesh Hadera (como Mayme, a mulher de Johnson); Antoinette Crowe-Legacy (como Elise Johnson, a filha toxicodependente); Lucy Fry (como Stella, a filha de Gigante, que tem um fascínio pelos afro-americanos, e tem mesmo um namorado negro, apesar de o pai ser ostensivamente racista); Giancarlo Esposito (como Adam Clayton Powell, o primeiro congressista negro eleito por Nova Iorque); ou Nigel Thatch (como Malcolm X, regressando a um papel que desempenhou em Selma: A Marcha da Liberdade).

Whitaker não é o primeiro a interpretar Bumpy Johnson (Laurence Fishburne, em Os Reis do Submundo, e Clarence Williams III, em Gangster Americano, precedem-no), mas esta figura de proa do crime organizado está longe de ter uma presença assídua na cultura pop, ao contrário de outros malfeitores do género. Godfather of Harlem tenta resolver essa falha no imaginário colectivo, fazendo o exercício de enquadrar Johnson no seu tempo, que nesta fase é o da luta pelos direitos civis, e mostrando as relações ambíguas que mantinha com notáveis desse movimento, vendo neles simultaneamente oportunidade e ameaça. O que exige de Whitaker uma abordagem complexa e algo constrangida, o que não vimos acontecer com outros actores reconhecidos pelos seus anti-heróis televisivos. “Talvez parte do problema esteja no facto de, ao contrário de James Gandolfini ou Bryan Cranston [em Os Sopranos e Breaking Bad, respectivamente], ele ter de interpretar um anti-herói criminoso com uma camada de orgulho e culpa racial”, escreveu o The New York Times.

A história arranca em 1963, com a saída de Johnson da prisão de Alcatraz, onde esteve 11 anos encarcerado. Durante esse período, o mundo mudou. James Brown actua no Apollo Theater e ele não faz ideia quem seja o “padrinho da soul”. Os miúdos do Harlem cresceram, assumindo novas responsabilidades na hierarquia do crime. Sobretudo, o seu antigo território, o domínio do tráfico de droga no Harlem, está agora nas mãos da máfia genovesa (cuja caracterização, nota a IndieWire, tende para a caricatura, contrastando com o minucioso retrato do lado afro-americano da contenda). Johnson exige que seja reposto o statu quo anterior, Gigante recusa, o caldo entorna-se. John Ridley, argumentista de 12 Anos Escravo (que lhe valeu um Óscar) e criador de American Crime, é o realizador do primeiro episódio – mas só desse, para lamento geral da crítica norte-americana, que garante que os restantes não estão à altura do piloto. Uma constatação corroborada pela ausência de prémios para a série, com excepção de um Emmy para o melhor genérico. Mas nem tudo passa pela passadeira vermelha: da violência sem freio que surge a espaços no ecrã, temperando um guião substancialmente baseado nos diálogos; à banda sonora que, com curadoria de Swizz Beatz, desafia a lógica de produção de época; até à nostalgia de revisitar uma Nova Iorque de outrora, numa experiência que o LA Times compara a Mad Men. Aqui, escreve-se, “o Harlem de meados do século é tão atractivo quanto a Manhattan de Don Draper”. O que, diga-se, é um bom cartão de visita, senão uma bela publicidade.

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