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Num universo paralelo, a comunidade de bonecos sente-se ameaçada. Uma minoria feita de algodão ou poliéster, mas com um coração, que luta por um lugar mais justo no mundo, numa altura em que alguns dos membros da sua comunidade começam a ser raptados. Depois de Pôr-do-Sol, Henrique Dias, Manuel Pureza e Rui Melo voltam a formar equipa para criar uma série de ficção nonsense, com humanos e muita bonecada à mistura. FELP é uma produção de 20 episódios, com estreia marcada para Agosto, na RTP1 e na Max. Fomos a uma tarde de rodagem nos Jardins da Real Quinta de Caxias.
Não há cenários e tudo se movimenta no mundo real. Os actores que manuseiam os bonecos têm de ficar fora de plano, em posições de quase contorcionismo, ao mesmo tempo que dão voz aos seus novos personagens felpudos. Contam com o apoio de marionetistas profissionais e, mesmo após vários meses de formação, a equipa da S.A. Marionetas não deixa ninguém pendurado durante a rodagem. A mesma companhia que ajudou a trazer Avenida Q para Portugal, o animado musical de Jeff Whitty por cá adaptado por Henrique Dias e Rui Melo. Os temas voltam a ser para adultos, mas não haverá bolinha vermelha no canto do televisor. Garantida está uma metáfora para problema reais.
Aos jornalistas que acompanharam a rodagem, Henrique Dias confessou que o trio de criadores estava com “aquele medo do segundo disco”, mas decidiram avançar para algo “que nunca se fez” em Portugal: “um programa com bonecos, mas sobre temas adultos”. “É uma espécie de metáfora para uma série de problemas com as minorias, mas levando isto para o humor. A vantagem é que com o humor pode-se dizer muito mais coisas. A outra vantagem é que com os bonecos, como são fofinhos, há uma questão ternurenta que também nos permite dizer ainda mais coisas”, defende Henrique Dias. Já a desvantagem, explica, calhou aos actores “que passam horas debaixo de uma mesa com uma mão levantada e depois têm que olhar para um monitor a ver se aquilo está bem, se está sincronizado e têm que voltar mais tarde para a voz bater certo”.

A preciosa ajuda chegou com a mão da experiência dos profissionais da S.A. Marionetas, premiada companhia com sede em Alcobaça, fundada há 28 anos. João Gil, um dos directores artísticos, diz que este “é o maior projecto que já foi feito em Portugal nesta área, utilizando marionetas”, recordando, no entanto, os programas Os Amigos do Gaspar [1986-89], A Árvore dos Patafúrdios [1985], No Tempo dos Afonsinhos [1993], “que João Paulo Seara Cardoso fez na RTP Porto”, embora fossem produções infantis filmadas em estúdio. A diferença, além dos cenários reais, é que nesta série são os actores a manipular os bonecos e não os marionetistas, embora possam dar uma mãozinha sempre que necessário. No total, foram criados mais de 30 bonecos, réplicas incluídas, entre eles os dos seis personagens principais. “Isto só se conseguia fazer com marionetistas profissionais, não havia outra hipótese. Temos sempre alguma pessoa da nossa equipa na régie, com o Manel [Pureza], a ver tudo, para que haja rigor”, explica João Gil, que elogia a restante produção: “Há um trabalho excelente de fotografia, de realização, tudo está muito acima da média e isso é que nos está a dar grande gozo, não só como companhia profissional de teatro de marionetas, mas também pelo respeito enorme que há pelo nosso trabalho e pelos bonecos”.
Manuel Pureza, que assume a realização de FELP, confessa que há um desafio técnico elevado na criação deste “espécie de revivalismo da Rua Sésamo, mas noutro tom, um bocadinho mais arriscado e mais nonsense”. “Se eu tiver uma reunião de seis bonecos à mesa, tenho seis actores debaixo da mesa, em posições mais sugestivas do que o Kama Sutra. Sempre vestidos”, brinca o realizador. Num tom mais sério, fala da mensagem que se encontra por detrás dos bonecos felpudos: “Quando falamos de bonecos que estão à procura de mais representatividade, estamos também a dizer que o país está a precisar que alguns bonecos saiam de onde estão e outros sejam muito mais respeitados. Sobretudo malta que não encontra o respeito da sociedade civil, porque é uma minoria sexual, uma minoria étnica, uma minoria qualquer. Neste caso, esta minoria tem esponja e pêlo. É uma diferença suficiente para os humanos acharem que eles não merecem estar cá e deveriam ir para a terra deles”.

No elenco dos humanos encontramos Inês Aires Pereira, que já se tinha aproximado à bonecada em Avenida Q, no papel de Dani, namorada do boneco e fotógrafo Miguel, interpretado por Cristóvão Campos, um dos bonecos que faz parte do movimento que luta pelos seus direitos. Há ainda outra relação interespécie, entre Kito (Cláudio de Castro) um humano e chef de cozinha que quer fundir tudo com ramen e que, além disso, só tem olhos para a sua namorada, a boneca Ana (Rita Tristão). Sobre FELP, Cláudio de Castro elogia a "analogia muito bem montada" desta história. "FELP é esta frente espontânea de liberdade peluda, em que os bonecos depois de um evento trágico que lhes acontece, decidem impôr-se e lutar pelos seus direitos face aos humanos. E terem as mesmas condições de vida e os mesmos direitos que os humanos têm e não serem menosprezados por isso. Acho que é um tema muito importante e muito pertinente, principalmente nos tempos políticos que estamos a viver em Portugal", defende o actor.
A vilã desta história é Isabel, humana interpretada por Anabela Moreira. Uma "multibilionária que tem uma empresa de tapetes, considerados os tapetes mais caros do mundo", explica à Time Out. E, armada em filantropa, organiza eventos para angariar fundos para a causa dos bonecos. "[A série] toca em pontos muito sensíveis. Às vezes parece que cada vez mais é importante falar disto. Não. Sempre foi. Temos que aceitar a natureza humana e ir tentando sensibilizar toda a gente. Acima de tudo, acho que há um trabalho que deve ser feito com as gerações mais novas, para as motivar a exercer a empatia, o colocar-se no papel do outro", sugere a actriz. O elenco dos humanos conta ainda com nomes como Inês Castel-Branco e Luís Lobão, enquanto que debaixo da mesa a dar mão e voz aos bonecos vão estar também Susana Blazer, Miguel Raposo ou Samuel Alves, outro actor que integrou a versão portuguesa de Avenida Q.
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