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Ljubomir Stanisic
Fabrice Demoulin/100 ManeirasLjubomir Stanisic

Série documental leva Ljubomir a Sarajevo: “Tenho as pazes feitas com o passado”

‘Coração na Boca’ conta, em quatro episódios, na Opto, a história do chef do 100 Maneiras. Ljubomir Stanisic diz que nunca sonhou ser cozinheiro.

Hugo Torres
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Hugo Torres
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“Se em vez de cozinheiro fosse sapateiro, seria o melhor sapateiro possível. É a forma como encaro a vida. Se é para fazer, faço-o bem.” Ljubomir Stanisic diz-se cozinheiro por acaso. Não é algo com que tenha sonhado. Calhou assim. Quando descobriu que tinha jeito, fez o que tem a certeza que faria vestindo os aventais de qualquer outra profissão: dedicou-se em absoluto ao trabalho. “Digo muitas vezes que foi a cozinha que me escolheu, a vida levou-me naturalmente por esse caminho”, observa. “Só mais tarde é que percebi que se calhar tinha jeito e decidi investir a sério: ler, estudar, viajar, estagiar, tudo o mais que pude, para me tornar o melhor que podia ser.” Esse ímpeto levou-o inicialmente à falência, durante a crise de 2008, e depois, passado uma década, à sua primeira estrela Michelin – no ano passado, para o mais ambicioso dos seus projectos até ao momento, o restaurante 100 Maneiras, no Bairro Alto. Não é tudo. Os últimos meses têm sido intensos. Com a restauração depauperada, devido à pandemia, o chef bósnio tem sido um dos rostos da indignação, protagonizando inclusive uma greve de fome diante do Parlamento. Também por isso, talvez não haja melhor altura para pararmos um pouco para conhecer a história de uma das mais polarizadoras figuras da gastronomia nacional.

A minissérie documental Coração na Boca fá-lo em quatro episódios, todos disponíveis desde terça-feira na Opto. Mónica Franco, ex-jornalista e mulher de Ljubomir, assina a autoria, a produção e a realização. “Este projecto é muito mais da minha mulher do que meu. É a minha vida vista e revista pelos olhos dela. Se fosse qualquer outra pessoa, era impensável”, afirma o chef à Time Out, por escrito. “Confio inteiramente nela. É a pessoa em quem mais confio no mundo, e a presença dela em todos aqueles momentos ao longo destes dez anos, mesmo que com câmaras, foi sempre muito natural. Muitas vezes esquecia-me de que estávamos a gravar.” No primeiro episódio, que se debruça sobre o início da vida de Ljubomir em Portugal – da peripécia de roubar o livro de cheques à irmã, para comprar um Fiat Tipo e viajar pelo país (Natasa pô-lo fora de casa, a dormir no jardim do Adamastor), à experiência breve na construção civil, em Estremoz, e à audácia de ir bater à porta de Vítor Sobral à procura de trabalho –, esse “esquecimento” não é tão evidente. Mas logo virá uma emotiva viagem a Sarajevo, de onde saiu com 18 anos para fugir à Guerra dos Balcãs, às memórias dolorosas, ao peso dos lugares de outrora.

Coração na Boca começa com um aviso: “Metam o capacete. Isto vai doer”. Na voz de Ljubomir, uma frase assim parece uma ameaça. Até o vermos em lágrimas nas ruas de Sarajevo. O chef não se esquiva, nem das lágrimas nem das recordações que as provocam. “Não quero esquecer nada. Acredito profundamente que a nossa história, as partes boas e as más, é essencial para nos construirmos e fazer de nós quem somos. Temos de saber de onde viemos para saber para onde vamos – e para onde queremos ir”, sublinha. “Tenho as pazes feitas com o meu passado. Durante muito tempo doeu-me e há alturas em que ainda dói, mas não há revolta: há paz, há aceitação, há perdão e há aprendizagem.”

Este não é um regresso inédito à sua cidade natal. Ainda em 2018, antes de abrir o novo restaurante, lá levou a equipa do 100 Maneiras. “Tendo em conta a enorme influência bósnia no 100 Maneiras, que estávamos a construir na altura, senti que era fundamental conhecerem Sarajevo. Acabámos por cozinhar o jantar de gala do Sarajevo Film Festival, onde fui convidado de honra. Foi um privilégio enorme.” Agora, graças a Coração na Boca (que tem música original de Rodrigo Leão e The Legendary Tigerman), leva-nos a nós pelos sabores e tradições bósnias. “Vão sobretudo conhecer muito mais de mim e de onde venho. Mas também vão conseguir fazer um verdadeiro café bósnio e conhecer alguns dos produtos que me entusiasmam – muitos dos quais adoptei/adaptei no 100 Maneiras.” O menu do seu novo restaurante está, de resto, profundamente ligado à infância, e perceberemos através desta minissérie como é que essa experiência de 17 pratos, que lhe tem valido o reconhecimento internacional, é uma sentida homenagem à mãe e ao pai. 

Opto. Ter (Estreia).

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