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Francisco Romão Pereira/ Time OutLagarto da Penha

Mitos e lendas de Lisboa

Mártires escoltados por corvos, cobras e lagartos, santos com poderes de teletransporte, rainhas meio mulheres, meio serpentes. Bem-vindo às lendas de Lisboa.

Helena Galvão Soares
Escrito por
Helena Galvão Soares
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As lendas são da família dos sonhos. Nebulosas, com personagens estranhas, saltos de séculos no tempo e acontecimentos bizarros e extraordinários. Lisboa tem isso tudo. É a cidade das sete – número mágico 7 – colinas, fundada pelo mítico herói Ulisses, que lhe dá o seu nome: Ulisseia. Para a lenda pouco interessa que o nome Ulisses seja uma mera tradução latina de Odisseu, o verdadeiro nome do herói de Homero, mas nós gostamos de rigor. Se o herói era Odisseu, a cidade que fundou seria... Odisseia! E os historiadores que a estudam seriam os... odissiponenses? Mas os mitos e lendas não se deixam abalar pelos factos. Existem à margem deles. Habitam no plano da fantasia, e é com isso em mente que se deve ler tudo o que lhe vamos contar a seguir.

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Mitos e lendas de Lisboa

Painéis de Lima de Freitas sobre as lendas de Lisboa

Mergulhe nas lendas da cidade sem ter que descer mais do que uns metros abaixo de terra. No Metro dos Restauradores, a caminho da estação de comboios, encontra o painel de azulejos Ulysses, de Lima de Freitas. Nele, Ulisses encontra Lusitânia, a deusa da terra das serpentes. Este painel faz parte de um conjunto de 14 inspirados nos mitos e lendas da cidade de Lisboa e abarca os grandes temas do esoterismo e misticismo lusitano. Os restantes 13 painéis estão numa das paredes do cais da estação de comboios do Rossio, desde 1996. São eles: S. Vicente em Lisboa, Santo António junto à Sé, O Santo Condestável, Sta. Auta diante da Madre de Deus, Jerónimos: a mão de CristoA visão cósmica de Camões, A Lisboa imaginada da Francisco de Holanda, D. Sebastião: o Encoberto, Vieira e o V Império, Garrett: Drama, Lenda e Profecia, Herculano: a História e o Mito, Pessoa e o ‘Caminho da Serpente’ e Almada Neopitagórico.

Ulisses e a fundação de Lisboa

Nesta lenda, Ulisses, nos dez anos que andou perdido tentando regressar a Ítaca, teria aportado na foz do Tejo, num território chamado Ofiússa, que significava Terra das Serpentes e era governado por uma temível e sedutora rainha meio mulher, meio cobra, que se apaixonou pelo herói, prometendo-lhe a criação da mais bela cidade do mundo, a que daria o seu nome: Ulisseia.

Numas versões, a estranha anatomia da rainha não é um entrave para que Ulisses se apaixone por ela e suba ao mais alto monte bradando aos ventos que ali fundará a mais poderosa cidade do mundo: Ulisseia.

Noutras, o herói engana a rainha, fingindo-se apaixonado por ela, enquanto os marinheiros se retemperam e abastecem os navios. Quando estão prontos, Ulisses e os seus homens partem a coberto da noite, e a rainha, ao descobrir que fora abandonada, corre serpenteando atrás do herói, abrindo com o seu corpo vales e fazendo assim surgirem as colinas de Lisboa.

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As sete colinas de Lisboa

É, de longe, a menos original de todas as lendas, a de que Lisboa foi fundada sobre sete colinas, tal como Roma. Na verdade, imensas cidades do mundo reclamam esta característica. Só na Europa, são mais de 45, segundo a Wikipedia. Entre elas, Atenas, Barcelona, Bergen, Bruxelas, Istambul, Kiev, Madrid, Praga...

No caso de Lisboa, a primeira referência às sete colinas surge em O Livro das Grandezas de Lisboa, uma obra do século XVII do Frei Nicolau de Oliveira. Nela são apontadas as colinas de São Jorge, São Vicente, São Roque, Santo André, Santa Catarina, Chagas e Sant’Ana. Atribui-se a falta da colina da Graça – a mais alta de todas – ao facto de o monge ter feito a sua descrição a partir da vista que tinha do Tejo, onde a colina do Castelo tapa a da Graça.

O lagarto da Penha

Uma lenda, muitas variações. As personagens fixas: Nossa Senhora da Penha de França; um peregrino ou eremitão que está a descansar junto à imagem da virgem e adormece; um grande lagarto. 

Numa versão, o enorme e horroroso lagarto do tamanho de um jacaré aproxima-se do eremitão para o atacar e a Senhora avisa-o em sonhos para sacar da navalha e matar o lagarto; noutra variação da história, a auréola da Senhora brilha tão intensamente que o eremitão acorda e salva-se.

Noutra versão, entra em cena mais uma personagem: uma cobra. A cobra aproxima-se do peregrino adormecido para o picar, mas por intervenção de Nossa Senhora, um enorme lagarto aproxima-se e acorda-o, salvando-o.

Outra lenda associa a Senhora a uma cobra que entra numa pipa de água de uma nau em Macau e cresce, cresce, até ao monstruoso tamanho de um palmo de grossura e 14 de comprimento, prodígio que é atribuído à Senhora da Penha. Quando o animal é descoberto, foge, e a tripulação bebe a água da pipa, ou água da cobra, agora que é santa. A cobra reaparece na chegada ao porto de Lisboa, é morta pelos rapazes da cidade e vai fazer companhia ao horroroso lagarto que já existia na Igreja de Nossa Senhora da Penha.

Metendo ainda cobras ao barulho, uma outra lenda diz que terá sido aqui, no alto da Penha de França, que Ulisses terá consumado o seu amor com aquela estranha personagem de que já falámos antes: a meio mulher, meio cobra, rainha das serpentes do reino de Ofiússa.

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A mão de Cristo nos Jerónimos

A lenda reza que a mão que está gravada numa das colunas que sustentam o subcoro da Igreja dos Jerónimos pertence a Cristo. Diz-se ainda que, enquanto a mão de Cristo segurar a coluna, não cairá a igreja nem cairá Portugal. Até à data tudo se mantém intacto, de facto.

São Vicente, o padroeiro

No século IV, Vicente de Saragoça terá sido torturado por ordem do imperador Diocleciano por se recusar a fazer culto a deuses pagãos (salte umas linhas, se se quiser poupar a detalhes gore). O mártir foi posto numa grelha sobre brasas e arrancaram-lhe pernas e braços, sendo os pedaços do corpo abandonados num descampado para serem devorados por cães e lobos. É então que surgem pela primeira vez na narrativa os corvos, que defendem o corpo desta última carnificina.

Com a invasão muçulmana da Península Ibérica, os restos mortais de Vicente são postos numa barca que algures no tempo terá dado à costa no cabo de Sagres. No século XII – oito séculos depois, oito –, D. Afonso Henriques terá prometido recuperar as ossadas do mártir, se conseguisse conquistar Lisboa, o que se verificou. Dois corvos terão então protegido a nau na viagem até Lisboa. O santo tornou-se o padroeiro de Lisboa e a nau e os corvos tornaram-se símbolos da capital.

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Santo António

Uma das muitas lendas associadas a Santo António é relatada no próprio site da Sé de Lisboa: diz a lenda que, quando estudava na escola da catedral, o menino terá sido tentado pelo demónio e o terá repelido desenhando o sinal da cruz. O demónio sumiu-se e a cruz ficou gravada na pedra, onde ainda hoje a podemos ver: na escadaria da Sé que conduz ao coro alto. Este terá sido o primeiro de muitos milagres do futuro santo.

Outra história deu origem à expressão "ir salvar o pai da forca", usada quando se vê alguém inusitadamente apressado. Conta a lenda que o futuro santo pregava em Pádua quando teve a visão de que o pai estaria prestes a ser enforcado em Lisboa, acusado do assassínio de um homem. António pôs as mãos sobre os olhos e transportou-se para Lisboa. Lá, ressuscitou o morto, que prontamente desfez o mal-entendido. Com o pai salvo, António pôde regressar. Para os que o escutavam em Pádua poucos segundos tinham passado.

Na capela do Hospital dos Capuchos podemos ver este e outros milagres: o milagre em que António prega aos peixes, o milagre em que come carne e bebe vinho envenenados e sobrevive, convertendo assim os cépticos, e o milagre em que salva o pai, acusado de homicídio. No painel da fotografia podemos aliás ver dois milagres: o morto ressuscitado, que iliba o pai de António (um milagre), e o próprio frade, que está simultaneamente em Lisboa e Pádua (outro milagre).

Lenda de Martim Moniz

É uma história que se conta em poucas palavras. Estamos no século XII e D. Afonso Henriques e os cruzados fazem o cerco ao castelo de Lisboa, território muçulmano à época. Numa das investidas, Martim Moniz, sacrificando a sua vida, lançou-se para as portas entreabertas, impedindo com o seu corpo que elas se fechassem e permitindo assim que os cristãos forçassem a entrada e conquistassem o castelo.

As cartas dos cruzados Osberno (De expugnatione Lyxbonensi) e Arnulfo, os dois relatos de época da conquista de Lisboa, não referem tal feito, que certamente não passaria em branco, e, sabendo-se que a cidade se rendeu, não foi tomada, Martim Moniz fica definitivamente entregue aos domínios das lendas e não ao da História. 

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Um túnel da Bica ao Castelo?

Numa incursão pelas Escadas da Bica Grande, entrámos no número 2 e fomos conduzidos por um estreito corredor escuro que desemboca num amplo pátio, onde se ouve imediatamente o som da água de uma fonte que jorra para um tanque de pedra, de desenho muito bonito mas completamente ao abandono. Por trás da fonte, dizem que há um túnel que vai dar ao castelo, contou-nos o improvisado guia que nos revelou este insuspeitado recanto lisboeta.

Haverá mesmo um túnel? Mesmo que não vá dar ao Castelo (que é um bocadinho difícil)? Se conhece esta lenda, conte-nos tudo. O que conseguimos apurar é que se trata de uma fonte e tanque seiscentistas de um palácio que terá ali existido.

Lisboa é top secret

  • Museus

Há museus completamente gratuitos em Lisboa (já os listámos) e depois há outros que não dão o braço a torcer e onde vai ter sempre de se chegar à frente e abrir a carteira. Mas ainda há um meio termo, aqueles que dão tréguas em pelo menos um dos dias da semana ou do mês, para que possa entrar sem gastar dinheiro. Seja ao sábado, no primeiro domingo do mês ou depois de uma certa hora – há opções para tudo e não há grandes desculpas para não aderir a estas borlas. Está pronto para apontar estas dicas?

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