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Desafio Time In: um filme por dia

A Time In criou uma série de desafios para ajudar quem está fechado em casa a não dar em maluco. Aqui vêem-se filmes

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
e
Rui Monteiro
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Sabemos que não é fácil estar fechado em casa, mas por agora tem de ser (outra vez). No entanto, não há razões para dar em maluco sem saber o que fazer com o tempo livre. E muito menos para ficar colado ao computador, ao telemóvel ou à televisão a seguir as más notícias. Isso não lhe faz bem, estimado leitor. Relaxe.

Aproveite para fazer coisas que sempre quis fazer. Por exemplo, ver ou rever aqueles filmes fundamentais que há muito lhe despertam a curiosidade ou de que tem saudades, mas que normalmente não tem tempo para ver – ninguém o está a julgar; sabemos que o tempo não chega para tudo, e todas as semanas há novos filmes e séries para ver na Netflix, na HBO, na Amazon, e uma vida para viver. Só que agora não há desculpas. Reserve duas ou três horas ao fim do dia para ver estes grandes filmes. Adira a este desafio Time In e tire algo de bom de mais estes dias maus.

Veja aqui todos os Desafios Time In

Desafio Time In: um filme por dia, não sabe o bem que lhe fazia

1. Dia 1: 'O Acossado', de Jean-Luc Godard (1960)

É um dos títulos pioneiros da nouvelle vague francesa, onde o cinema moderno começa e Jean-Luc Godard se anuncia como o seu maior guerrilheiro. Com Jean Seberg a vender o Herald Tribune nas ruas de Paris e Jean-Paul Belmondo obcecado por Humphrey Bogart e a dar corpo e voz ao espírito dos tempos, e deste movimento, a película de Godard como que se apropria dos códigos cinematográficos então tradicionais para os sabotar através de uma nova e muito ágil forma de narrativa em que nada acaba bem e ninguém é feliz para sempre.

2. Dia 2: 'O Couraçado Potemkine', de Sergei Eisenstein (1925)

Sergei Eisenstein foi um dos grande cronistas da revolução soviética. E um dos mais importantes realizadores de sempre. Nesta obra estética e formalmente revolucionária, dramatiza e embeleza um acontecimento real, a revolta dos marinheiros do navio de guerra do título, em 1905, que se estendeu ao porto de Odessa, no âmbito dos protestos e acções revolucionárias e anti-czaristas que varreram o império russo na época. Mas a sua mensagem de solidariedade e elação do poder popular vão muito além de qualquer acontecimento pontual.

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3. Dia 3: "A Corda", de Alfred Hitchcock (1948)

Foi o primeiro dos quatro filmes em que Alfred Hitchcock e James Stewart trabalharam juntos e é uma das mais arriscadas, ousadas e experimentais obras do realizador inglês transplantado para Hollywood. O objectivo era realizar este thriller num único plano- sequência, o que, na altura, era tecnicamente impossível. O desafio era, então, criar, com oito takes de dez minutos, a ilusão de uma película registada de fio a pavio. E a ilusão criou- se, assim como o ambiente claustrofóbico desta história que se desconstrói a cada momento, assim criando uma espécie de incomodidade no espectador, como se ele, conhecedor do crime e do criminoso, fosse um cúmplice à beira de ser descoberto.

4. Dia 4: "Quem Não Chora Não… Ama", de John Waters (1990)

O mestre da comédia alternativa, John Waters (com um currículo que já incluía os óptimos Hairspray ou Pink Flamingos), entrega a Johnny Depp o papel do mau rapaz com bons sentimentos moldado tanto a partir do jovem Marlon Brando em O Selvagem, como do igualmente jovem e carismático James Dean em Fúria de Viver. O elenco desta comédia meio desbragada, meio musical, e carregada de nostalgia, além do futuro astro, inclui a antiga estrela porno Traci Lords, o ex-ai Jesus de Andy Warhol, Joe Dallesandro, e o cantor Iggy Pop.

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5. Dia 5: "A Pantera", de Jacques Tourneur (1942)

Hoje, só os cinéfilos assanhados, daqueles que vivem nos corredores da Cinemateca e dormem entre uma montanha de DVD e blu-rays, recordam o francês Jacques Tourneur. O que é uma pena, pois este mestre do thriller não só tem uma obra assaz interessante, como realizou A Pantera, uma das melhores obras do subgénero psico-místico, no processo inventando a técnica entretanto conhecida por “Lewton Bus” (atribuída ao lendário produtor de cinema de terror Val Lewton), que consiste em iniciar uma cena como se ela se fosse tornar assustadora para, afinal, se mostrar completamente inofensiva, geralmente, e aqui em particular, por mor da paranóia da protagonista, interpretada por Simone Simon.

6. Dia 6: 'Fitzcarraldo', Werner Herzog (1982)

A imagem de um barco de muitas toneladas a ser puxado à força de braços ribanceira acima é uma das mais marcantes deste filme excessivo, como excessivo é o seu realizador, Werner Herzog, e excessivo, para dizer o menos, é o seu protagonista, Klaus Kinski. A filmagem foi atribulada – como atesta o brilhante documentário Burden of Dreams, de Les Blank. No entanto, contrariando a Lei de Murphy quando ela fazia todo o sentido, o realizador alemão levou a sua avante e bem contada ficou a história de um novo rico com sentido estético a querer construir um teatro de ópera no meio da selva.

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7. Dia 7: 'Moon – O Outro Lado da Lua', de Duncan Jones (2009)

A estreia na realização de Duncan Jones fez-se com um pequeno filme preenchido com suficientes alusões aos clássicos de ficção científica dos anos 70 para criar algum efeito. No seu sentido mais lato, é uma película sobre o desumanizante impacto da tecnologia. Mas é igualmente um filme que lida com avassaladora monotonia do dia-a-dia e a esmagadora depressão provocada pela solidão. Jones mantém tudo simples, confinando a película a meia-dúzia de apartamentos e um par de cenas de exterior, limitando as personagens a Sam Rockwell e à voz que Kevin Spacey como o robô que controla aquilo tudo.

8. Dia 8: 'Salò ou Os 120 Dias de Sodoma', de Pier Paolo Pasolini (1976)

Inspirado nos escritos do Marquês de Sade e influenciado pelo Inferno de Dante, Pasolini imaginou quatro libertinos fascistas que prendem um grupo de jovens rapazes e raparigas num casarão italiano e os submetem a um inconcebível ciclo de terror. Violação, tortura, homicídio, pessoas obrigadas a comer merda – está tudo aqui. O filme ofendeu largos sectores da sociedade, mas hoje quaisquer comparações com pornografia parecem ridículas. Há uma total ausência de prazer neste retrato perturbador de uma sociedade feita em cacos.

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9. Dia 9: 'Não Dês Bronca', de Spike Lee (1989)

Sem ser o mais polémico dos filmes de Spike Lee, Não Dês Bronca, não escapou ao rótulo de racista logo na manhã da sua estreia no Festival de Cannes. E, em certa medida, é um filme inclinado ao ideal de superioridade negra na sua impressionante exibição dos conflitos raciais e da sua origem. Ainda assim, Lee (acompanhado na interpretação por Danny Aiello, Ossie Davis, Ruby Dee, Giancarlo Esposito e John Turturro) não se limita a ilustrar um enredo, procurando, e conseguindo, para além do aspecto político da coisa, achar novas caminhos para o cinema através de uma composição rigorosa e enérgica das suas imagens e uma utilização da cor exemplar na sua qualidade dramática.

10. Dia 10: 'O Feiticeiro de Oz', de Victor Fleming (1939)

Parece não haver dúvidas de que O Feiticeiro de Oz é um dos filmes mais encantadores jamais realizados. E dos mais influentes na sua eloquente afirmação junto do público (em muito graças à prestação de Judy Garland). Praticamente cada cena é um prodígio de semiótica cinematográfica posta ao serviço do entretenimento inteligente e sem pretensão pedagógica à mostra; uma jornada de despojados em busca de justiça através de uma terra cheia de perigos. O filme, no entanto, foi uma carga de trabalhos para pôr de pé. Inicialmente atribuído a Victor Fleming, veio-se depois a saber que foram precisos quatro realizadores para o completarem: George Cukor, Richard Thorpe, Norman Taurog e ainda King Vidor, que dirigiu as cenas passadas no Kansas.

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11. Dia 11: 'Doutor Estranhoamor', de Stanley Kubrick (1964)

Stanley Kubrick é o autor de uma das obras antibelicistas mais importantes da história cinematográfica. Com esta sátira política inclinada para o lado da comédia negra, o realizador serve-se do clima de paranóia nuclear que pairava sobre os Estados Unidos e o mundo, junta-lhe uma das mais supinas interpretações do extraordinário Peter Sellers, logo em três papéis (capitão Lionel Mandrake, Presidente Merkin Muffley e Doutor Estranhoamor, o cientista nuclear nazi que há muito perdeu os carretos), e cria um exemplar e hilariante manifesto contra a guerra.

12. Dia 12: 'Suspiria', de Dario Argento (1977)

Com as suas partes bem divididas entre o thriller psicológico, violência gratuita e mistério, a obra-prima de Dario Argento permanece o mesmo quebra-cabeças a que parece faltarem peças para apurar a razão, assim como a responsabilidade dos assassinatos que se sucedem naquela academia de dança de maneira cada vez mais sobrenatural. Mais do que o enredo é o trabalho de realização, a utilização da cor e os engenhosos movimentos de câmara, mais os contentores de sangue despejados em cena, sem esquecer a doentia banda sonora dos Goblin, um grupo de rock progressivo alemão, que coloca esta película bem à frente da manada de sub-subprodutos próprios do género.

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13. Dia 13: ‘Viagem a Tóquio’, de Yasujiro Ozu (1953)

Já com a sua idade, o casal Hirayama decide que não é tarde nem é cedo para visitar os três filhos que fazem as suas vidas em Tóquio e Osaka. E assim, acompanhados pela filha mais nova, deixam para trás a sua pequena aldeia costeira e põem-se na direcção da capital japonesa. Pelo meio fazem escala em Osaka e completam a viagem visitando mais um filho. Tudo isto parece normal, e em certa medida é, mas Yasujiro Ozu transforma uma simples visita numa espécie de prova ao estado das relações familiares, aos poucos, quase como quem não quer a coisa, revelando pensamentos cruzados, contradições, querelas antigas elaboradas como uma viagem de exploração pela hipocrisia e a moral.

14. Dia 14: 'Assassinos Natos', de Oliver Stone (1994)

Quentin Tarantino escreveu uma história de assassinos em massa (que não é a mesma coisa que assassinos em série, como a personagem interpretada por Woody Harrelson faz questão de notar). A partir daí, e recorrendo a variadas formas narrativas, desde a série de televisão à banda desenhada, ou ao documentário e ao reality show, o realizador Oliver Stone criou um glorioso mosaico sobre a violência, que é, ao mesmo tempo, uma séria reflexões sobre o papel dos media na nossa sociedade.

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15. Dia 15: 'Os 400 Golpes', de François Truffaut (1959)

Não foi o primeiro filme da nouvelle vague francesa, mas foi o seu primeiro grande clássico, e um dos filmes que melhor mostrou as potencialidades deste novo cinema, ou pelo menos esta nova forma de encarar o cinema, diferente da que era comum no resta da Europa, ainda demasiado dependente do neo-realismo, ou do simplismo generalizado em Hollywood, ainda assim a viver uma das suas grandes épocas. Jean-Pierre Léaud começava aqui a sua carreira como alter ego do realizador François Truffaut, no papel de Antoine Doinel, então ainda um rapaz dado à rebeldia e à fantasia romântica anti-sistema até chocar com a vida real e as suas circunstâncias e obrigações.

16. Dia 16: 'Wet Hot American Summer', de David Wain (2001)

Quase ninguém quis saber de Wet Hot American Summer em 2001 – foi enxovalhado pela generalidade da crítica e ignorado pelo grande público. Mas após a edição em DVD (e VHS) em 2002, e com o passar dos anos, tornou-se um objecto de culto. E com razão. Realizado por David Wain, do trio cómico Stella e da série de culto The State, e escrito por ele e Michael Showalter, também de Stella e The State e um dos protagonistas do filme, Wet Hot American Summer é uma comédia absurdista que retrata o último dia num típico acampamento de férias americano. Com um elenco cómico de luxo que inclui gente como Janeane Garofalo, Paul Rudd, Bradley Cooper, Amy Poehler, Elizabeth Banks ou, entre outros, Michael Ian Black (o terceiro homem de Stella).

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17. Dia 17: 'Morte Cerebral', de Peter Jackson (1992)

Peter Jackson talvez ambicionasse já realizar O Senhor dos Anéis, mas não dizia nada a ninguém e, por esta altura, entretinha-se a fazer uma carreira onde o bizarro e o terror desempenharam um papel determinante, antes de se dedicar a coisas mais profundas, como o delicado Amizade Sem Limites, um ano depois. Até aqui, com Carne Humana Precisa-se e Feebles, os Terríveis, o director neo-zelandês preparara o terreno para uma das mais extraordinárias sátiras ao cinema de terror. Misturando comédia de abrir e fechar portas com gore do mais sumarento e cinema de zombies grotesco, tudo temperado por linguagem do mais ordinária e escatológico em cenas tão maradas como o jantar de mortos-vivos e o respectivo massacre final, Morte Cerebral tornou-se um clássico.

18. Dia 18: 'O Sétimo Selo', de Ingmar Bergman (1957)

O Sétimo Selo, com a sua singela demanda de um cavaleiro (Max von Sydow) por respostas sobre a vida e a morte e a existência de Deus, que encontra o seu zénite na partida de xadrez com a Morte (Bengt Ekerot), é o lugar onde se alinham grande parte das preocupações estéticas e espirituais que dominam toda a obra de Ingmar Bergman nas suas múltiplas variações. Uma obra fundamental, tão atraente como fechada no universo criado pelo cineasta, onde coexistem beleza e crueldade.

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19. Dia 19: 'Era Uma Vez na América', Sergio Leone (1984)

Sergio Leone procurava ainda a sua legitimação como cineasta capaz de criar filmes que lhe retirassem a tabuleta de curiosidade criada pelos seus “western-spaghetti”. Nunca conseguiu a tal legitimidade. Porém, na sua única incursão pelo cinema americano, e com um elenco luxuoso, onde pontificava Robert De Niro e brilhavam James Woods, Elizabeth McGovern, Joe Pesci e Danny Aiello, realizou o seu desejo com mérito e distinção. Embora perseguido pela controvérsia desde a estreia, no Festival de Cannes, em parte pela sua exibição descarnada da violência, em parte pela sua duração (quatro horas e meia severamente retalhadas pelo estúdio na versão exibida nos Estados Unidos), Era Uma Vez na América cobre cinco décadas de vida criminal no submundo nova-iorquino com uma elegância ímpar.

20. Dia 20: 'Casablanca', de Michael Curtiz (1942)

Casablanca é uma espécie de mito cinematográfico que ninguém se atreve a repetir. É o mais romântico, altruísta e humanista dos filmes, e ao mesmo tempo um eficaz pedaço de propaganda dominado pela visão artística do seu realizador, Michael Curtiz. Uma obra pela qual o estúdio dava pouco mais de um tusto, mas que acabou por ganhar três Óscares (melhor filme, argumento e realizador) e ser nomeado para outros cinco, incluindo o de melhor de actor, que escapou ao protagonista Humphrey Bogart.

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21. Dia 21: 'Os Filhos do Homem', de Alfonso Cuarón (2006)


Esta ambiciosa adaptação do romance de P.D. James, por Alfonso Cuarón, é um thriller político-social carregado de acção digna de uma aventura de Jason Bourne. O que qualifica a obra como ficção científica é situar-se em 2027 e haver uma crise mundial de infertilidade – nenhuma criança nasce desde 2009. Neste contexto, Clive Owen interpreta um homem vazio, um manga-de-alpaca no Ministério da Energia, convencido pela sua ex-mulher (Julianne Moore), a líder de um grupo de guerrilha, a ajudar um refugiado africano.

22. Dia 22: 'Ladrões de Bicicletas', de Vittorio De Sica (1948)

O neo-realismo italiano tem a sua expressão mais genuína nesta fita de Vittorio De Sica, rodada na Roma devastada do pós-guerra. Lamberto Maggiorani é Antonio, um pobre homem que percorre as ruas da sua cidade, acompanhado por um dos filhos (interpretado por Enzo Staiola), em busca do ladrão da sua bicicleta nova, da qual depende para poder trabalhar e dar de comer à família. E acaba por, desesperado, se tornar ele próprio um ladrão de bicicletas.

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23. Dia 23: 'Amadeus', de Milos Forman (1984)

Há uma estreita divisória entre o génio e a loucura, costuma dizer-se. Pois é mesmo nessa divisória que Milos Forman coloca Amadeus, retratando o compositor Wolfgang Amadeus Mozart (Tom Hulce) como um estarola lunático e rude, contudo inspirado. Inspirado por Deus, na opinião do seu adversário de composição e constrangido admirador Antonio Salieri (F. Murray Abraham), cuja inveja o realizador usa (como na peça original de Peter Shaffer, que também escreveu o argumento), contra a verdade da História, como origem de todos os males que afligiram Mozart e conduziram à sua morte enquanto criava o seu mais do que famoso (apesar de concluído por um discípulo) Requiem.

24. Dia 24: 'Disponível Para Amar', de Wong Kar-Wai (2000)


A química criada entre de Tony Leung e Maggie Cheung torna este romance proibido filmado por Wong Kar-Wai numa das grandes histórias de amor do cinema contemporâneo. Um melodrama radical, passado na fechada Hong Kong dos anos 60, filmado como um caleidoscópio sensorial em cores carregadas de emoção e desprovidas de condescendência, que não só afirma a qualidade do realizador chinês como eleva o romantismo a uma outra dimensão graças à sua atmosfera nocturna repleta de insinuações e promessas e desejos, a maior parte frustrados.

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25. Dia 25: 'A Semente do Diabo', Roman Polanski (1968)

Roman Polanski sempre foi, como se costuma dizer, um realizador de confiança, capaz de abordar diversos temas de maneira criativa. Em 1968, mesmo no início da sua vida na América, aproveitando o êxito da sua sátira ao cinema de vampiros, Por Favor Não Me Morda o Pescoço, dirigiu um dos mais psicologicamente assustadores filmes de terror. Precisou de uma boa e esquinada história, adaptada por Gérard Brach de um romance de Ira Levin, de dois actores de categoria – Mia Farrow e John Cassavetes –, uma casa gótica e uma carrada de imaginação na colocação das câmaras e na obtenção de cada plano para deixar muito boa gente a pensar melhor na maternidade.

26. Dia 26: 'Recordações da Casa Amarela', João César Monteiro (1989)

Em 1989, João César Monteiro realizou a sua obra-prima. Ou melhor, uma das suas obras-primas. A primeira película da trilogia em que o realizador interpreta o seu alter ego mais popular, João de Deus, foi premiada com o Leão de Prata no Festival de Veneza e conta a história de um pobre diabo, doente, o espírito alimentado a música de Schubert e cinefilia. Depois de ser expulso da pensão onde vive, por assediar a filha da dona, vai parar a um hospício. E de lá sairá homem livre com a missão sugerida por outro doente mental: “vai, e dá-lhes trabalho”.

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27. Dia 27: 'Blade Runner: Perigo Iminente', de Ridley Scott (1982)

Debaixo do enredo fantasioso de Hampton Fancher e David Webb Peoples, inspirado na obra-prima de Philip K. Dick, Do Androids Dream of Electric Sheep?, encontra-se, como num palimpsesto, uma reflexão profunda e séria sobre a vida e a morte e o futuro da humanidade. Ridley Scott nunca mais foi tão longe esteticamente (apesar dos produtores lhe retirarem o direito de montagem final, para mais introduzindo um narrador muito pouco apreciado pelo realizador, e que desapareceu mal Scott teve oportunidade de exibir a sua montagem). Poucas foram as vezes em que os efeitos especiais tiveram uma efectiva razão narrativa e dramática, e as interpretações de Harrison Ford, Sean Young e, principalmente, Rutger Hauer, no papel de replicante-mor, são exemplares.

28. Dia 28: 'Casamento Escandaloso', de George Cukor (1940)

Dizer que este filme de George Cukor (originalmente baptizado The Philadelphia Story) é a melhor comédia romântica de sempre é um pouco exagerado, porém… Uma inteligente adaptação de Phillip Barry do êxito da Broadway e a grande vontade de Katharine Hepburn em mostrar que não era nenhuma tonta e que era muito bem capaz de produzir um filme que fosse um êxito (como aliás já produzira a peça que lhe está na origem) fizeram o seu caminho. Howard Hughes entrou com o resto do dinheiro, a actriz tratou de convencer os talentosos John Howard, Cary Grant e James Stewart para lhe darem as réplicas, e Cukor para realizador. E a história da herdeira mimada que vai casar com um milionário, mas acaba por deixar seduzir por um dos outros pretendentes, foi de facto um êxito e, durante décadas, o molde de muitas comédias românticas.

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29. Dia 29: 'Brazil', de Terry Gilliam (1985)

No coração deste pesadelo distópico retro-futurista, concebido por Terry Gilliam, encontra-se a eterna batalha entre o livre-arbítrio e as regras da sociedade, temperado por uma desconfiança na tecnologia e na burocracia. Sam Lowry (Jonathan Pryce) sonha elevar-se aos céus da popularidade e ter a seus pés uma tão linda quão misteriosa mulher (Kim Greist). Mas, na realidade, dá por si no interior de um confuso escândalo envolvendo presumíveis terroristas e um caso de falsa identidade, contrariadamente aceitando um trabalho num departamento governamental em busca de respostas. A presença de Michael Palin parece remeter Gilliam para os seus dias enquanto membro dos Monty Python. Contudo, aqui encontra-se algo de mais majestático, ambicioso e perturbador.

30. Dia 30: 'Veio do Outro Mundo', de John Carpenter (1982)

A sequência de abertura de Veio do Outro Mundo é imbatível, com o helicóptero voando rasante sobre uma estação de pesquisa científica norte-americana na Antártida e a sua tripulação de cientistas noruegueses disparando nervosamente sobre um cão que corre na planície gelada como se de uma singela cena de caça se tratasse. No entanto, vai-se a ver, e o cão é, de facto, um organismo parasita extra-terrestre, capaz de imitar qualquer forma de vida, que matou os cientistas americanos um a um. John Carpenter prolonga esta visceralmente tensa paranóia ao longo de toda a película, e Kurt Russell lidera um elenco de completamente críveis trabalhadores científicos aborrecidos de morte naqueles confins e mais ou menos a caminho da loucura.

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31. Dia 31: ‘Scarface, o Homem da Cicatriz’, de Howard Hawks (1932)

Muito antes do Tony Montana de Al Pacino, houve outro Scarface. Neste controverso filme dirigido pelo grande Howard Hawks e produzido pelo ainda maior Howard Hughes, com argumento de Ben Hecht, o personagem principal é Tony Camonte (Paul Muni), uma versão mal disfarçada de Al Capone, um emigrante italiano que sobe a pulso e com violência na vida, em busca do sonho americano. A realização de Hawks é excepcional, explorando os novos códigos estéticos permitidos pelo cinema falado, e as interpretaçõesde Muni, mas de Ann Dvorak e George Raft tambémsão exemplares.

32. Dia 32: ‘Homem Morto’, de Jim Jarmusch (1995)

Este western psicadélico e pós-moderno protagonizado por Johnny Depp, com Billy Bob Thornton, Iggy Pop ou Robert Mitchum, entre outros, é um dos melhores filmes de Jim Jarmusch. Talvez até mesmo da década de 90. Reconhecemos que é uma opinião polémica – Roger Ebert desancou nele por altura da sua estreia – mas tem conquistado proponentes de peso nos últimos anos, incluindo o crítico Jonathan Rosenbaum ou A.O. Scott, durante muito tempo uma das vozes mais destacadas nas páginas de cinema do The New York Times. E com razão.

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33. Dia 33: ‘8½’, de Federico Fellini (1963)

Um dos melhores exemplos da diversidade e versatilidade, do experimentalismo e da ousadia estética do cinema europeu da década de 60 é esta obra delirante de Federico Fellini, em que Marcello Mastroianni interpreta o alter ego do realizador, num momento de crise criativa e existencial. Vai daí recorda a vida, melhor, recorda as mulheres da sua vida. E assim vamos conhecendo a esposa intelectual (Anouk Aimee), a amante (Sandra Milo) e mais umas quantas. Até chegar a vez de uma musa, com o corpo de Claudia Cardinale, lhe oferecer a possibilidade de tudo ser esquecido e perdoado. Por um preço, claro.

34. Dia 34: ‘Há Lodo no Cais’, de Elia Kazan (1954)

Não há espaço para o optimismo na obra-prima de Elia Kazan, influenciada pelo ambiente de chibaria dos anos do macartismo. Marlon Brando dá corpo a Terry Malloy, um estivador das docas de Nova Iorque que entra em conflito com o seu sindicato e tenta com um grande e redentor gesto fazer justiça e repor a verdade. O papel deste ex-pugilista com atitude, foi, sem dúvida, o que melhor lhe assentou, garantido o seu lugar no panteão dos grandes actores do século XX, apesar de Don Corleone, de O Padrinho, ou do coronel Kurtz de Apocalipse Now – e mesmo contando com a sua interpretação em Um Eléctrico Chamado Desejo.

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35. Dia 35: ‘Casino’, de Martin Scorsese (1995)

É normal comparar Casino a Tudo Bons Rapazes. Afinal, ambos os filmes foram realizados por Martin Scorsese, com apenas cinco anos de diferença e a partir de argumentos do mesmo Nicholas Pileggi; o mundo do crime organizado serve de pano de fundo aos dois. Mas as comparações não fazem justiça a nenhum deles. Sobretudo a Casino, um filme único, e frequentemente subvalorizado, que explora a relação entre a máfia e vários aspectos da vida de uma cidade, Las Vegas. Robert De Niro e Joe Pesci destacam-se no elenco, mas as maiores revelações são as exibições de Sharon Stone, gloriosa, e James Woods.

36. Dia 36: 'O Homem Sem Passado', de Aki Kaurismäki (2002)

M – como Aki Kaurismäki chama à sua personagem principal – chega a Helsínquia à procura de trabalho. Nessa mesma noite é espancado por três marginais e dado como morto. No entanto sobrevive, e amnésico é acolhido por um grupo de pessoas sem-abrigo e de moradores do porto da cidade, dando início ao processo de construção de uma nova identidade. E de uma nova vida.

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37. Dia 37: 'O Homem Que Matou Liberty Valance', de John Ford (1962)

A história e a lenda, ou a verdade e a mentira, encontram-se e confundem-se nesta verdadeira obra-prima, realizada por John Ford, a partir de uma história de Dorothy M. Johnson, muito antes de a expressão pós-verdade entrar no nosso léxico. Um western tão poderoso como tocante, e já a anunciar o entardecer do género, que é ao mesmo tempo uma história de amor e violência. Com John Wayne, James Stewart, Vera Miles e Lee Marvin nos papéis principais.

38. Dia 38: ‘Uma Mulher Sob Influência’, de John Cassavetes (1974)

Gena Rowlands é brilhante no papel de Mabel, uma mulher casada com um operário da construção civil (Peter Falk) cujo alcoolismo ela tenta a todo o custo manter sob controlo, neste filme de John Cassavetes. Por este resumo se vê como a película é sobre a doença, ou a fraqueza do espírito de alguém à beira do precipício, todavia aqui também se encontra uma observação reflexiva sobre o papel das mulheres, como Mabel, dedicadas a tempo inteiro às tarefas domésticas, entre a comunidade ítalo-americana em tempos de mudança política e social.

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39. Dia 39: ‘Sexo, Mentiras e Vídeo’, de Steven Soderbergh (1989)

Steven Soderbergh ainda não era um nome conhecido pelo grande público quando, com pouco dinheiro e um argumento seriamente cerebral, arrebatou o Festival de Cannes com esta película provocadoramente serena e naturalista. Apesar do título não vale a pena esperar por cenas de sexo tórridas ou sequer nudez. Aliás, para acabar de vez com ilusões voyeuristas, diga-se de uma vez que Sexo, Mentiras e Vídeo é só conversa. Sobre sexo, mas conversa. Muito bem orientada pela interpretação de James Spader, excelentemente espaldado nas representações de Laura San Giacomo, Peter Gallagher e, principalmente, Andie MacDowell, no seu primeiro papel cinematográfico de alguma estaleca.

40. Dia 40: ‘O Espírito de ‘45’, de Ken Loach (2013)

Com o seu cinema social e militante, Ken Loach já trouxe muitas vezes retratos de um Reino Unido do passado à luz da sua relação com o futuro e com o nosso presente. Em O Espírito de '45 olha para os anos que se seguiram à II Guerra Mundial e aquilo que então se fez ao nível de política social. Há um uso extenso de imagens de época conjugadas com entrevistas actuais, tudo em preto e branco, para haver uma certa homogeneidade entre passado e presente e, simultaneamente, servir como um elemento estético de contradição para a tese apresentada: de como as políticas naquele período serviram para unir um povo e como, desde então, muitas delas se foram perdendo e incitaram uma desunião. E em parte, também, como se desaprendeu com a História, apesar dela estar bem próxima.

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41. Dia 41: ‘A Batalha de Argel’, de Gillo Pontecorvo (1966)

O filme de Gillo Pontecorvo, pela sua qualidade cinematográfica, a sua oportunidade política em meados da década de 60, e ainda pela perseguição que lhe foi movida durante décadas, é um clássico do cinema sobre a revolução, o nacionalismo independentista e o colonialismo, aqui representados, em regime de falso documentário (muito tempo antes de ser estilo), pela narrativa da Batalha de Argel. Usando este episódio, passado entre 1956 e o ano seguinte, fundamental para a independência da Argélia do ditatorial colonialismo da França, que aconteceria em 1962, Pontecorvo não esconde a violência necessária aos revolucionários para derrotarem a violência imposta pelas tropas francesas, sem, no entanto, a enaltecer ou romantizar, o que é raro no género.

42. Dia 42: ‘Os Mutantes’, de Teresa Villaverde (1998)

Há males que vêm por bem. Isto é: foi chato recusarem o financiamento para o documentário que Teresa Villaverde queria fazer, mas, em contrapartida, perante o revés, a realizadora decidiu-se por um olhar mais profundo e dramático. E assim nasceu este filme marcante, contado do ponto de vista de três adolescentes, os Mutantes, um bando a viver a dura realidade da pobreza e da burocracia de um sistema que os devia apoiar em vez de os deixar ao deus-dará. Desprezados, tornam-se marginais. E, a este retrato, a cineasta acrescenta um contexto que envolve tanto a gravidez na adolescência como o racismo pós-colonial, o crime e a exploração sexual em clima de descabelada violência.

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43. Dia 43: ‘Veludo Azul’, de David Lynch (1986)

Realizada dois anos passados sobre o ambicioso e fracassado Duna, a quarta longa-metragem de David Lynch mostra o caminho autoral que o realizador desejava seguir. É uma obra experimental e desafiante, interpretada à beira do abismo da sobre-representação por Kyle MacLachlan, Isabella Rossellini, Dennis Hopper e Laura Dern. E mostra o interior da América como antes não se vira, bravamente contrariando a ideia de sonho americano, no entanto aproveitando, digamos, a iconografia criada pela pintura de Norman Rockwell para melhor contrariar essa ilusão cultural de uma América limpa e sossegada no seu esplendor capitalista.

44. Dia 44: ‘Apocalypse Now’, de Francis Ford Coppola (1979)

Por esta altura, Francis Ford Coppola já carregava o peso da fama e de alguns Óscares, principalmente graças ao êxito dos dois primeiros tomos de O Padrinho. Talvez por isso a sua queda para a megalomania acentuou-se e foi paradoxalmente fundamental para a conclusão de Apocalipse Now – sem dúvida um dos filmes mais complicados de produzir. Mas produziu-se. E a viagem rio acima de Martin Sheen à cata do coronel Kurt, interpretado por Marlon Brando, tornou-se muito mais do que um filme de guerra graças ao denso, rico e filosoficamente existencialista argumento de John Milius inspirado num curto romance de Joseph Conrad (O Coração das Trevas).

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45. Dia 45: ‘O Grande Lebowski’, de Joel Coen (1998)

Quem quer saber de onde vem a personagem que Jeff Bridges há muito interpreta mesmo quando o papel é outro tem de ver este filme de Joel e Ethan Coen. Bridges é Jeffrey “The Dude” Lebowski (e é essa a personagem de que não tem conseguido libertar-se e portanto vai repetindo), um fura-vidas preguiçoso, sempre pedrado e sempre disposto a uma partida de bowling, que, confundido com um ricalhaço com o mesmo apelido, está metido em grandes sarilhos, quando o que ele quer é apenas recuperar a sua carpete ou, ao menos, ser compensado pela sua perda.

46. Dia 46: ‘Andrei Rublev’, de Andrei Tarkovsky (1969)

O filme de Andrei Tarkovsky sobre o pintor de ícones Andrei Rublev (interpretado por Anatoliy Solonitsyn) é muito mais do que a biografia de um artista russo do século XV. Uma das obras-primas do cinema, dirigida por um dos mais inspirados e influentes realizadores do século passado, esta película, situada em período particularmente conturbado da história da Rússia, não é, verdadeiramente, a narrativa da vida de um pintor, nem a das suas atribulações enquanto príncipes rivais se confrontavam e os tártaros invadiam o país. Andrei Rublev é dos mais convincentes ensaios cinematográficos sobre o que está por detrás da inspiração dos grandes artistas, esculpido na luz por outro grande artista.

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47. Dia 47: ‘O Mundo a Seus Pés’, de Orson Welles (1941)

Foi a estreia no cinema de Orson Welles e por conta do seu uso revolucionário da fotografia, da narrativa e da montagem tornou-se um dos mais importantes e influentes filmes da história do cinema. Se não mesmo o mais importante. A história do reclusivo magnata da imprensa Charles Foster Kane, intermediada pelo repórter interpretado por Joseph Cotten, devidamente assessorado por Dorothy Comingore e Agnes Moorehead, é uma obra esculpida na luz, com uma ousadia estética até aí nunca vista que contagia e determina o rumo da narrativa – que desde então nunca mais foi a mesma.

48. Dia 48: ‘This Is Spinal Tap’, de Rob Reiner (1984)

Nunca ninguém gozou tanto com o rock, e nunca ninguém teve tanta razão na análise da megalomania da super-estrela, e menos ainda alguém o fez com tanta graça e estilo como Rob Reiner neste falso documentário sobre uma banda inglesa de heavy metal a tentar regressar à ribalta. Os Spinal Tap, isto é, Christopher Guest, Michael McKean e Harry Shearer são o estereótipo dos divos rock, completamente fora da realidade, melhor, vivendo uma realidade alternativa em que ainda são relevantes e as suas patetices apenas excentricidades acarinhadas com se fossem originalidades.

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49. Dia 49: ‘Os Verdes Anos’, de Paulo Rocha (1963)

E foi assim, mais coisa menos coisa, com Os Verdes Anos (e a inesquecível banda sonora de Carlos Paredes), que se inaugurou o Novo Cinema Português, evidentemente influenciado pelo cinema francês da época. Além de cortar radicalmente com os mandamentos cinematográficos do salazarismo, o que não é pouco, a importância da obra radica no retrato que cria da sociedade lisboeta a partir dos diferentes pontos de vista das personagens, realçando o mal-estar e a sensação de isolamento cultural dos jovens das classes educadas, por um lado, e, por outro, a gradual transformação urbana de Lisboa numa metrópole mais próxima das capitais europeias, apesar do espírito e do ambiente provinciano.

50. Dia 50: ‘La Pointe Courte’, de Agnès Varda (1955)

O primeiro filme de Agnès Varda foi um precursor da nouvelle vague francesa de finais da década de 50 e dos anos 60, e imediatamente elogiado nas páginas dos Cahiers du Cinéma. Com Silvia Monfort e Philippe Noiret nos papéis principais, La Pointe Courte foi inspirado, segundo a própria realizadora, pela leitura de Palmeiras Bravas/Rio Velho, de William Faulkner. E é, ao mesmo tempo, a história de um casal desavindo e de uma aldeia piscatória do Sul de França, também a passar por um mau bocado.

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51. Dia 51: ‘Gostam Todos da Mesma’, de Wes Anderson (1998)

Alguns filmes criam um mundo com as suas próprias regras e a sua própria geografia, e Gostam Todos da Mesma é um deles. O território e os arredores da Academia Rushmore são, ao mesmo tempo, familiares e estranhos, habitados por milionários entediados e vagabundos escoceses, antigos heróis aquáticos e seus enlutados amantes, reitor resmungão, encantadoras adolescentes asiáticas e, claro, Max Fischer, com certeza a mais complexa, original, amável e enfurecedora criação cinematográfica das últimas três décadas. Sim, há um bocadinho de Ensina-me a Viver aqui, um toque de Hal Hartley ali, contudo, passadas mais de duas décadas, o filme de Wes Anderson permanece original e único.

52. Dia 52: ‘Uma Rapariga Regressa de Noite Sozinha a Casa’, de Ana Lily Amirpour (2014)

Um dos filmes mais curiosos e estimulantes deste século passa-se no Irão, é falado em persa, custou uma ninharia, e nada disso interessa perante a habilidade de Ana Lily Amirpour na criação desta variação sobre o tema do vampirismo, filmada com elegante pachorra. Mais do que a violência, é a paciência da jovem vampira (Sheila Vand) na perseguição e, digamos, preparação da sua presa que está no centro da acção desta obra que vive nas sombras da cidade como uma metáfora sobre a diferença e a resistência à opressão. Uma história que demora o seu tempo a ser construída e compreendida.

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53. Dia 53: ‘Fúria de Viver’, de Nicholas Ray (1955)

E ao segundo filme confirmou-se a ascensão ao estrelato de James Dean, actor que, morrendo aparatosamente pouco depois das filmagens da sua terceira película, O Gigante, se tornou uma lenda. Nicholas Ray, que, como toda gente, dera por ele em A Leste do Paraíso, foi o grande responsável por este estatuto, ao confiar no instinto interpretativo de Dean para o papel do revoltado e confuso Cal Trask, e assim derrubar o estereótipo do adolescente inconsciente, quer na variante rebelde, quer na opção atinada.

54. Dia 54: ‘Seguro’, de Todd Haynes (1995)

Neste thriller médico, Todd Haynes procura mostrar como o ambiente se virou finalmente contra a humanidade. E fá-lo através da paranóia hipocondríaca da suburbana Carol (Julianne Moore), que de um momento para o outro se começa a queixar de vagos sintomas, não confirmados ou isoladamente impróprios para serem classificados como doença, e é despachada para a psiquiatria antes de abraçar o internamento numa clínica new age. O autor retrata exemplarmente a condescendência do tratamento dado à protagonista, como símbolo (metáfora é capaz de ser exagero) da invisibilidade feminina, ou simples objecto de experimentação psicanalítica.

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55. Dia 55: ‘O Homem Que Veio do Espaço’, de Nicolas Roeg (1976)

Esta divagação em forma de psicodrama é, de certa forma, o último verdadeiro filme de ficção científica da década de 70, antes do pêndulo cair para o lado das heróicas sagas espaciais e estas ocuparem todo o espaço. Dirigido por Nicolas Roeg e protagonizado por David Bowie (no papel do titular extraterrestre), é um filme cheio de sonhadores à procura de um propósito para a vida, que, em sua vez, encontram a televisão, armas, álcool e inércia. E este tom resignado permite o nascimento de um romance tão improvável como a necessidade de encontrar água no deserto que dá o mote ao entrecho.

56. Dia 56: ‘Os Amantes Regulares’, de Philippe Garrel (2005)

Sinais da complexidade e da influência na sociedade gaulesa do movimento de Maio de 68 encontram-se na história filmada por Philippe Garrel, com Louis Garrel, Clotilde Hesme e Julien Lucas, merecedora de dois prémios no Festival de Veneza. No centro da acção, durante e após a revolta, está François, um estudante de 20 anos, poeta, baldando-se à recruta mas alinhando nas barricadas sem, no entanto, lançar um único cocktail Molotov. Vai tudo bem, entre umas passas de ópio e discussões sobre a revolução, quando o protagonista conhece Lilie e caem nos braços um do outro. Mas um ano depois as contradições derivadas do que fazer nesta nova situação política e sentimental revelam que se calhar não serão felizes para sempre.

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57. Dia 57: ‘A Vítima do Medo’, de Michael Powell (1960)

Um filme brilhante pode dar cabo da carreira de um cineasta e foi o que quase aconteceu ao genial Michael Powell (já após a separação artística de Emeric Pressburger, com quem escreveu, produziu e realizou alguns dos seus melhores trabalhos) com esta obra, escarnecida na época e reconhecida pelo tempo. Com Karlheinz Bohm, a inevitável Moira Shearer e Anna Massey, Powell apresenta um dos “mais intensos estudos sobre a paranóia e também sobre o cinema,” para tal recorrendo à história de um jovem cineasta amador “cuja obsessão pela morte o transforma num assassino” para melhor poder filmar “as reacções das vítimas”.

58. Dia 58: ‘Os Sete Samurais’, de Akira Kurosawa (1954)

Sete samurais errantes são contratados pelos habitantes de uma aldeia para os defenderem (e ensinarem a defender-se) dos bandidos que todos os anos lhes roubam as colheitas. É a partir desta premissa, desde então tantas vezes copiada e adaptada, que o mestre japonês Akira Kurosawa ergue a sua obra-prima. Um influente e arrebatador épico, com um memorável papel de Toshiro Mifune e uma das melhores bandas sonoras compostas por Fumio Hayasaka (1914-1955), habitual colaborador de Kurosawa.

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59. Dia 59: ‘Encontros Imediatos do 3.º Grau’, de Steven Spielberg (1977)

Para aqueles que não acreditam em nenhum grande e barbudo espírito celeste, a descoberta de vida extraterrestre deve ser o mais comparável que existe com uma experiência religiosa. Se é esse o caso, então Encontros Imediatos do 3.º Grau é o Velho Testamento. Com a excepção de E.T., este filme de Steven Spielberg é uma das suas declarações cinematográficas mais pessoais. O protagonista, aqui, é um adolescente crescido, já pai de família, incapaz de tomar uma decisão racional entre as suas ambições e a sua responsabilidade. Possuído por uma pulsão que não compreende, o anti-herói Roy Neary (Richard Dreyfuss) dá cabo da vida e fica à beira da loucura antes de descobrir a fonte das suas visões e prosseguir o seu desejo egoísta.

60. Dia 60: ‘Soldados do Universo’, de Paul Verhoeven (1997)

Quando se estreou, em 1997, Starship Troopers – Soldados do Universo foi incompreendido por quase toda a gente, até pelos seus actores. À primeira vista, é um filme de guerra fascizante, tão fascinado pela violência e a destruição do outro como pelos corpos adolescentes, que são objectificados. Mas é mais do que isso. É uma sátira brilhante – não do fascismo, como muitos sugerem, mas do cinema e da cultura que produz. Com este filme de ficção científica, Paul Verhoeven imaginou e filmou o que seria O Triunfo da Vontade (Leni Riefenstahl) de uma futura sociedade fascista, que não era senão aquela que ele sentia a América a transformar-se. E o facto de hoje podermos ver o filme como uma analogia da guerra sem fim no Médio Oriente, pós-11 de Setembro, não é uma coincidência.

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Aproveite os próximos tempos para fazer aquilo que sempre adiou. Ler um livro, ver um filme, ouvir um disco. Qualquer coisa é melhor do que ficar obcecado a ver e a ler notícias sobre o surto de Covid-19. Entretenha os ouvidos com música. Se puder apoiar a música nacional, ainda melhor. 

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