A Time Out na sua caixa de entrada

Procurar
Kingsley Ben-Adir
Photograph: Laura Gallant/Time Out

Kingsley Ben-Adir: “Interpretar Bob Marley foi a coisa mais arriscada que já fiz”

Bob Marley, Malcolm X, Ken do Basquetebol – há algum ícone que o actor londrino não possa interpretar?

Phil de Semlyen
Vera Moura
Escrito por
Phil de Semlyen
Traduzido por
Vera Moura
Publicidade

O caminho de Kingsley Ben-Adir para interpretar a lenda da música jamaicana Bob Marley começou no clima não tão tropical de Watford, no Reino Unido. "Estava na maldita Barbieland com a minha guitarra", conta entre risos, lembrando os primeiros passos para interpretar o lendário rastafári em Bob Marley: One Love.

Enquanto seus colegas Kens – Ryan Gosling, Ncuti Gatwa e outros – estavam algures no set da Barbie, o actor londrino até então não musical tentava os primeiros acordes, tímidos, em "Redemption Song" e "No Woman, No Cry". "Eles podiam ouvir-me a assassinar aquela guitarra durante 12 semanas", diz sobre as primeiras lições no YouTube. "Estava a fazer acordes muito básicos, não muito bem."

Aulas a sério – e uma guitarra mais sofisticada – viriam a seguir. Isso e uma data de outros trabalhos.

Kingsley Ben-Adir
Photograph: Laura Gallant/Time Out

De K-Town para Trenchtown

Ben-Adir cresceu em Kentish Town, Londres, numa casa onde sempre reinou a cultura caribenha. Principalmente trinitária, mas com muitos amigos jamaicanos à mistura. "Os meus avós vieram de Trinidad nos anos 50 e cresci na casa deles", conta. "Todos os meus tios e tias em Londres também vieram [de Trinidad]. É quem eu sou."

Na adolescência, ia à escola em Gospel Oak e saía à noite em Camden. "Era só fumar e beber e não fazer grande coisa", lembra. "Saía e curtia. Não gostava de videojogos, então andava sempre na rua."

A escola secundária devia ter sido seguida de um curso de inglês e francês em Manchester, mas "uma maldita má nota em francês" deitou o plano abaixo. Em vez disso, o recém-descoberto amor pelo cinema e um grupo de amigos da escola de teatro levaram-no a reconsiderar. A interpretação tinha sido o seu dom na escola – "Não quero que isto pareça um cliché ou algo assim, mas de facto eu não era muito bom em mais nada". Ben-Adir inscreveu-se então na Guildhall School of Music and Drama (colegas notáveis: Michaela Coel, Lily James, Jodie Whittaker) para ver até onde o talento o poderia levar.

Se tivéssemos visto a coleção de DVDs do actor naquela época (fez uma grande limpeza entretanto), encontraríamos outras pistas sobre como a sua vida profissional se viria a desenrolar. Eram os actores e os filmes que estimulavam sua imaginação. Daniel Day-Lewis em Haverá Sangue. Paddy Considine e Samantha Morton em Na América. Kathy Burke e Ray Winstone em Nil By Mouth.

Hoje, à conversa depois da sessão de fotografias da Time Out, não muito longe duas suas antigas paragens em Camden, é Napoleão de Ridley Scott que tem na cabeça. "Não ligo ao que as outras pessoas dizem, eu simplesmente adoro aquilo. O que o Joaquin (Phoenix) e a Vanessa (Kirby) estão a fazer é tão vulnerável e tão feio, mas ao mesmo tempo tão bonito. Amo a coragem deles."

Escolher a profissão era uma coisa, conseguir vingar era outra. "Existem aqueles actores que saem da escola de teatro e têm 20 agentes de primeira linha atrás deles, a querer contratá-los, e eles tipo: (adopta voz de teatro) 'Oh meu Deus, tive 15 audições esta semana e estou tão cansado!' E uma pessoa pensa: 'Porra, sortudo! Eu tive duas audições este mês e preciso das duas'."

Kingsley Ben-Adir
Photograph: Laura Gallant/Time Out

Com os pés bem assentes na terra

O caminho até Trenchtown pode ter sido longo para o actor de 37 anos, mas as coisas foram ao lugar. Como Ken do Basquetebol em Barbie, mostrou um lado exibicionista, vaidoso e cómico raramente explorado, genial com a sua fita cor-de-laranja na cabeça e uma atitude super positiva. Em Bob Marley: One Love, mostra tudo o resto. Interpreta um Bob Marley carismático e credível. 

O currículo de Ben-Adir é, aliás, uma lista de ícones da vida real. O tipo de ícones com que as pessoas se preocupam mesmo. Além de Marley, interpretou Malcolm X em Uma Noite em Miami; fez uma breve participação como Barack Obama na série norte-americana The Comey Rule; e quase interpretou Muhammad Ali, só que o financiamento para Thrilla in Manila, de Ang Lee, desmoronou. Quando perguntamos se o actor se sente atraído por interpretações de pessoas reais, ele desconversa. "Eu não tinha a intenção de encontrar um biopic", diz. "Uma pessoa pega na melhor coisa que está em cima da mesa – ou não pega em nada. Bob e Malcolm eram, de longe, as melhores opções."

One Night in Miami...
Photograph: Amazon StudiosBen-Adir as Malcolm X in ‘One Night in Miami...’

Há um sentimento de perigo ao interpretar todos esses ícones? Ben-Adir reconhece que sim. "Interpretar Bob Marley foi a coisa mais arriscada que já fiz", confessa. "Ele tem 1,70m, eu tenho quase 1,88m; falamos em registros diferentes; sim, eu tenho um pai negro e uma mãe branca, como ele, mas ser mestiço na Jamaica nos anos 60 é completamente diferente de ser mestiço em Londres no final dos anos 90." Pausa. "Uma parte de mim nem sequer entendia como é que eles chegaram a mim para este papel."

A herança mista foi um ponto a favor para a família Marley, com o filho de Bob, Ziggy, na vanguarda como produtor – e a sua actuação como Malcolm X no filme de Regina King pode ter selado o acordo de vez. King não tem dúvidas do seu talento. "Kingsley ama e respeita verdadeiramente a forma de arte', diz por e-mail à Time Out. "Percebi isso cinco minutos depois de nossa primeira conversa."

Bob, muito prazer

Ben-Adir adora o termo "desmistificar" para descrever sua abordagem a Bob Marley. E o que não falta por aí são mitos, especialmente fora da Jamaica: que Bob era um ganzado, um hippie da paz e amor com rastas. O actor não aceita nada disso. "No Ocidente, temos uma ideia do que o Bob é, mas na Jamaica, eles dizem: 'Não, Bob Marley era das ruas'. Ele era um homem duro, não era um pai americano. E ele estava a lidar com muitas coisas: a doença, estar longe da família e estar exilado em Londres. Não há nada piegas nisto."

Bob Marley: One Love
Photograph: Paramount PicturesKingsley Ben-Adir plays Bob Marley and Lashana Lynch is Rita Marley in ‘Bob Marley: One Love’

Ben-Adir juntou-se a Ziggy Marley com o mesmo desejo de mostrar o lado humano de Bob Marley, em vez de apenas polir as antigas lendas. "Bob é um herói e um ícone para tantas pessoas, e na Jamaica, vocês nem podem imaginar..." Então, como foi filmar na terra natal do músico? "Só amor", responde. 

A filha de Bob, Cedella, partilhou com o protagonista do filme um arquivo com 50 entrevistas do pai, que ele transcreveu diligentemente, palavra por palavra. "Representar a cultura e a língua era mais importante do que qualquer outra coisa", diz. "Aprendi tantas entrevistas de cor, que tinha as suas frases e expressões na ponta da língua.'

Podíamos pensar que, tendo interpretado Marley, Obama e Malcolm X – além do detective de Nova Iorque da série The OA – os sotaques são fáceis para Ben-Adir. Mas não é bem assim. "Tive algumas experiências muito más nos Estados Unidos", recorda. "Um director de casting interrompeu-me para dizer que não estava a dar. O meu sotaque americano não era tão bom quanto eu pensava, então investi muito dinheiro para trabalhar com os melhores treinadores de dialetos. Um actor só tem algumas oportunidades com estas questões antes que a palavra se espalhe. É preciso trabalhar como nas tabuadas."

Reseña Bob Marley: One Love
Foto: Cortesía Paramount

Todos os papéis exigem preparação, claro, mas interpretar Bob Marley estava noutro nível. "Guitarra, canto, dialecto, leitura, ver concertos, começar a pensar em dançar, interpretar o guião, reescrever... Acordava às 5 da manhã todos os dias para tentar juntar isto tudo."

Procurar paralelos entre o actor e a personagem pode ser uma forma bem preguiçosa de psicologia, mas é difícil não reparar na determinação que Ben-Adir partilha com Marley: o desejo de trabalhar e cortar com o que não importa. Nenhum dos dois deixa os contratempos atrapalharem seu caminho. Por exemplo: perguntamos como se sente sobre o cancelamento de The OA pela Netflix, uma série de ficção científica com um grupo de fãs bem devoto, no qual a sua personagem, um investigador particular com tiques de Bogart, estava só a começar, e ele responde sereno. "Estou bem", diz. "A minha cabeça fez tipo (estala os dedos) ok, estamos disponíveis para outras coisas. Tratar os momentos altos da mesma forma que se trata os momentos baixos é importante para mim, e honestamente, acho que se um actor não o fizer, vai enlouquecer."

Ao conversar com Kingsley Ben-Adir – e, mais tarde, ao transcrever as suas palavras – percebe-se como ele é psicologicamente forte. Não há qualquer traço daquela insegurança cliché de actor. Tudo tem um lado positivo, não reclamar é fundamental. "Ninguém te está a obrigar a fazer isto", diz. "Se não consegues ficar animado, há montes de outros empregos. Eu sei que parece duro, mas é como sentir a pressão de interpretar o Bob: foi intenso e assustador? Sim, mas autoinfligido – ninguém me obrigou."

Kingsley Ben-Adir
Photograph: Paramount Pictures

Grande Kenergia

Não há um Óscar da Academia para Melhor Actor Secundário Secundário, mas se houvesse, Ben-Adir certamente seria um forte candidato por Barbie. Sempre que Ken, interpretado pelo nomeado Ryan Gosling, está com os amigos, o mais provável é o londrino estar mesmo ao seu lado. Como é que se tornou o principal "side-Ken" de Ken? "Não havia grande coisa no guião, então eu tinha de encontrar uma maneira de criar um pequeno Ken que se ligasse ao tema. Eu não tenho cérebro, eu penso o que ele pensa, então estar sempre colado a ele fazia sentido: ir buscar-lhe um gelado, dar-lhe o casaco... Acho que Greta [Gerwig, realizadora] gostou deste disparate."

BARBIE
Photograph: Courtesy Warner Bros. Pictures

Ben-Adir só tem coisas boas a dizer do seu colega Ken. "Um gajo incrível e um verdadeiro profissional", diz sobre Gosling. "Só fui a um jantar ou dois depois de sair do set, porque estava ocupado com Bob [Marley], mas quando fui, ele estava lá com os filhos, não na borga."

O britânico não é daqueles que colecciona adereços de filmes, mas sua guitarra de "One Love" é uma excepção. Na verdade, os produtores até a pediram de volta. "Foi uma facada no meu coração, tinha passado tanto tempo com aquela guitarra', confessa. "Nem pensar. Preferi pagar para ficar com ela." É o lado nostálgico de Kingsley Ben-Adir a falar. "Guardei-a. Está lá. Mas, por alguma razão, não pego nela desde então."

'Bob Marley: One Love' estreou em todo o mundo a 14 de Fevereiro

Créditos

Fotografia: Laura Gallant @lauramgallant
Director de Design: Bryan Mayes @bryanmayesdotcom
Designer: @818FPV
Texto: Phil de Semlyen @phildesemlyen
Stylist: Sam Carder @sam_victor
Cabelo: Liz Taw @liztaw
Local: The Cross @thecrossldn
Produção: @richardjamesofficial, @levis, @isto.pt, @nanushka, @schuh, @gucci, @nanushka, @denzilpatrick, @prada, @paulsmithdesign e @harrysoflondon

Grande Ecrã

  • Filmes

Vamos ser claros: adoramos filmes. Todos adoram. O problema é que nem todos partilham o mesmo entusiasmo pelos mesmos filmes. E é isso que torna a tarefa de compilar uma lista dos melhores filmes de sempre particularmente desafiadora. Então, porquê tentar? Bem, gostamos de encarar este exercício menos como uma tentativa de definir um cânone e mais como um trampolim – talvez "mapa" seja a palavra mais adequada. Se está a preencher as lacunas do seu conhecimento cinematográfico, ou apenas a começar a construí-lo, estes 100 filmes são um excelente ponto de partida. Mesmo que já tenha visto todos, talvez isso o obrigue a reconsiderar as suas próprias noções preconcebidas sobre o que torna um filme extraordinário.

  • Filmes

Se é daqueles que não deixa passar uma estreia, pode espreitar os filmes em cartaz esta semana. Mas, se é um verdadeiro cinéfilo (ou aspirante), deve ter em mente que algumas pérolas do cinema escapam às grandes salas. São clássicos para ver e rever – ou apenas filmes fora da rota comercial e por isso fora dos grandes centros comerciais (e em salas sem pipocas, diga-se). Para não perder nada, todos os meses lhe damos as melhores sugestões de cinema alternativo em Lisboa e em salas muito especiais. Há propostas para todos os gostos.

Publicidade
  • Cinemas

Tanto cinema, tão pouco tempo. Há filmes em cartaz para todos os gostos e de todos os feitios. Das estreias em cinema aos títulos que, semana após semana, continuam a fazer carreira nas salas. O que encontra abaixo é uma selecção dos filmes que pode ver no escurinho do cinema, que isto não dá para tudo. Há que fazer escolhas e assumi-las (coisa que fazemos, com mais profundidade nas críticas que pode ler mais abaixo nesta lista). Nas semanas em que há estreias importantes de longas-metragens no streaming, também é aqui que as encontra. Bons filmes.

Recomendado
    Também poderá gostar
    Também poderá gostar
    Publicidade