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Roald Dahl por Wes Anderson

Tal como em ‘O Fantástico Senhor Raposo’, as curtas-metragens de Wes Anderson para a Netflix mostram que o realizador e Roald Dahl vão muito bem um com o outro.

Escrito por
Eurico de Barros
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★★★★☆

Em 2009, Wes Anderson adaptou ao cinema, em animação, O Fantástico Sr. Raposo, de Roald Dahl, um dos seus melhores filmes (que, escandalosamente, não teve estreia comercial em Portugal). Quase 15 anos depois, o realizador regressou à obra do autor de Charlie e a Fábrica de Chocolate com quatro curtas-metragens tiradas de outros tantos contos dele, rodadas para a Netflix: A Incrível História de Henry Sugar, O Cisne, O Caçador de Ratos e Veneno (pelo menos um destes tinha já sido filmado para a série Contos do Inesperado, que a RTP exibiu entre 1979 e 1988, e que passou para televisão todos, ou quase todos, os contos do escritor). Não são adaptações convencionais, já que, como seria de esperar, Anderson passa estes quatro contos pelo filtro das suas idiossincrasias narrativas, formais e estéticas, filmando-os em estilo elaboradamente artesanal e (falsamente) naïf, recorrendo à animação tradicional e digital, às trucagens visuais e a mecanismos do teatro.

Cada um dos contos é narrado pelo próprio Roald Dahl (personificado por Ralph Fiennes), na cabana no jardim de sua casa onde escrevia, e o mesmo Fiennes e um punhado de outros actores (Ben Kingsley, Benedict Cumberbatch, Dev Patel, Rupert Friend e Richard Ayoade) dividem os vários papéis principais. Este quarteto é visualizado, encenado e narrado naquele formato de diorama animado, pormenorizadíssimo e obsessivamente simétrico, típico de Wes Anderson, que conta a história ao mesmo tempo que mostra como ela está a ser construída, abrindo os bastidores ao espectador (há ajudantes de cena ou outros a entrar no plano e a fazer coisas, e os actores tratam eles mesmos por várias vezes da sua caracterização e do guarda-roupa) e apelando à sua imaginação para verem o que não está lá, é apenas mencionado ou existe só como adereço (ver as ratazanas de O Caçador de Ratos).

O efeito é tanto mais fascinante e divertido, ou cansativo e irritante, dependendo da receptividade e da tolerância de quem está a ver para este tipo de abordagens, e das características e do tom da história que está a ser contada (resulta muito bem, por exemplo, na primeira, A Incrível História de Henry Sugar, excentricamente fantasiosa, e não estraga a segunda, O Cisne, como se poderia temer, embora não encaixe na última, Veneno, que é realista e vive de um suspense muito intenso, que arrisca ser quebrado por estas digressões laterais).

Mas a imensa qualidade e a vasta imaginação dos contos de Dahl, aos quais Anderson é firmemente fiel no espírito e na letra, bem como a variedade dos enredos e registos (onde encontramos o fantástico, a comédia, o poético, o cruel, o extravagante e o sinistro, ou a coexistência de vários destes), a narração “neutra” mas impressiva de Fiennes, e as interpretações (o mesmo Fiennes é incomodamente arrepiante no caçador de ratos do conto homónimo, que de tanto lidar com roedores, já está, física e psicologicamente, próximo deles) impedem que este conjunto de quatro curtas-metragens fique reduzido a uma afectada e complicada elaboração estilística, e a um mero bricabraque visual, e à exibição árida de um conceito, sem o menor recheio emocional ou intelectual, como aconteceu no filme anterior do cineasta, Asteroid City. Roald Dahl e Wes Anderson vão muito bem um com o outro, e estas quatro curtas podem ainda servir para que o magnífico O Fantástico Senhor Raposo seja descoberto por quem nunca o viu.

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