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Arte, Pintura, Retrato, “O tocador de alaúde”, por Franz Hals, 1623
©DR“O tocador de alaúde", por Franz Hals, 1623

Oito compositores de obras para alaúde que precisa de ouvir

Está sem ideias para ocupar o tempo? A Time Out propõe a descoberta de instrumentos menos conhecidos do universo clássico

Escrito por
José Carlos Fernandes
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O alaúde já foi dos instrumentos mais prestigiados, mas o seu estatuto foi declinando ao longo do período Barroco e o surgimento do concerto público condenou-o à extinção, pois a sua voz delicada fora talhada para ambientes intimistas.

A sua história terá raízes no barbat persa, que deu origem ao oud árabe, que floresceu na Península Ibérica sob domínio islâmico – não tardou que o oud fosse adoptado pelos trovadores ibéricos e provençais, alastrando depois ao resto da Europa medieval. Os alaúdes medievais tinham quatro ou cinco ordens de cordas, mas à medida que as composições que lhe eram destinadas se iam tornando mais complexas e a técnica dos alaúdistas atingia novos patamares, o instrumento foi tornando-se mais sofisticado, passando a possuir seis e sete ordens de cordas durante o Renascimento.

O seu apogeu foi atingido no final do Barroco, com o aparecimento de instrumentos de 13 e 14 ordens (geralmente estas eram duplas, o que implicava, portanto, 26 cordas). Entretanto tinham surgido instrumentos derivados do alaúde, como o arquialaúde e a tiorba (ou chitarrone), que eram dotados de um longo braço para permitir a instalação de cordas mais graves (que, sendo exteriores ao braço, ressoavam livremente). Porém, quando o requinte do instrumento e das peças que lhe eram destinadas atingiam o zénite, a popularidade do alaúde estava já em declínio acentuado.

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Oito compositores de obras para alaúde que precisa de ouvir

Francesco Canova da Milano (1497-1543)

País: Itália

Francesco da Milano foi o primeiro grande compositor de peças destinadas de raiz ao alaúde, cujo repertório fora, até então, dominado pelas transcrições de canções e motetos polifónicos, que continuariam, ao longo do século XVI, a representar parte significativa dele. Como a esmagadora maioria dos autores de peças para alaúde, foi também um virtuoso do instrumento e escreveu exclusivamente para ele.

Francesco da Milano – que era, apesar do nome, natural de Monza e não de Milão – poderá ter iniciado carreira na corte francesa (o que explicaria que fosse também conhecido como Francesco da Parigi) e esteve ao serviço dos cardeais Ippolito de’ Medici e Alessandro Farnese, foi professor de Ottavio Farnese, neto do papa Paulo III, e acompanhou este papa ao Concílio de Nice. A sua reputação difundiu-se pela Europa e mereceu-lhe o cognome de “divino”, epíteto com que é identificado, a partir de 1536, nas colecções de obras publicadas pelo seu editor, Francesco Marcolino.

[Ricercar La Compagna, por Israel Golani, num alaúde renascentista de sete ordens]

John Dowland (1563-1626)

País: Inglaterra

Nada se sabe da formação e actividade de Dowland como alaúdista até que em 1580, com 17 anos, entrou ao serviço de Sir Henry Cobham, embaixador inglês em Paris, cidade onde passaria quatro anos e viria a converter-se ao catolicismo. Esta opção tornar-se-ia, nas suas palavras, “um empecilho” na sua vida, impedindo-o, na sua perspectiva, de obter no seu país natal, de confissão anglicana, os postos que entendia merecer – acima de todos o de alaúdista da corte de Isabel I. Assim sendo, decidiu deixar Inglaterra, passando por Alemanha e Itália antes de, em 1598, se tornar alaúdista de Cristiano IV da Dinamarca, que tinha inclinações melómanas e o remunerou principescamente. Tal generosidade não impediu Dowland de descurar os seus deveres para com a corte de Copenhaga, acabando, em 1606, por ser despedido e regressado a Inglaterra, onde acabou por ser nomeado como um dos alaúdistas da corte de Jaime I, em 1621 – este foi também o ano da publicação da sua derradeira colecção de obras.

Além de cerca de 70 peças para alaúde, deixou também 80 lute songs (canções para voz e alaúde) e uma excepcional colecção de peças para ensemble de violas da gamba, Lachrimae (1604), baseada na lute song “Flow My Tears”, que também serviu de base à peça para alaúde solo “Galliard to Lachrimae”.

[“Galliard to Lachrimae”, por Jakob Lindberg, no CD 9, Lute Music, da caixa Dowland: The Collected Works (L’Oiseau-Lyre/Decca)]

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Denis Gaultier (c.1603-1672)

País: França

O alaúdista e compositor Denis Gaultier (também grafado Gautier), dito Gaultier Le Jeune ou Gaultier de Paris, e o seu primo Ennemond Gaultier (1575-1651), dito Gaultier Le Vieux ou Gaultier de Lyon, desempenharam importante papel no desenvolvimento da escola de alaúde francesa, tendo sido professores dos principais vultos da geração seguinte de alaúdistas (como Charles Mouton e François Dufault). Nem sempre é hoje claro se as peças assinadas por Gaultier dizem respeito ao “velho” ou ao “jovem”, mas não há dúvida de que é da autoria de Denis a colecção com o altissonante título de La Rhétorique des Dieux (1652).

Embora tenha deixado obra influente, pouco se conhece sobre a vida de Denis Gaultier e os cargos que ocupou; parece certo que, ao contrário do primo, não ocupou cargos na corte francesa, ainda que lá mostrasse frequentemente os seus dotes.

[“Gigue Atalante”, de La Rhétorique des Dieux, por Hopkinson Smith (Astrée)]

Giovanni Girolamo Kapsberger (c.1580-1651)

País: Alemanha/Itália

Sabe-se pouco sobre a origem de Kapsberger, apontando a hipótese mais consensual para que tenha nascido em Veneza de um nobre alemão e de uma italiana. Durante a vida, que decorreu essencialmente em Itália, usou a versão italiana do seu nome de baptismo, Johannes Hieronymus Kapsberger, mas fez questão de realçar a sua origem alemã apresentando-se como “il tedesco della tiorba”.

Após a formação em Veneza, mudou-se em 1605 para Roma, cidade onde decorreu praticamente toda a sua carreira, tendo servido um dos mais poderosos mecenas da época, o cardeal Francesco Barberini, entre 1624 e 1646. Da sua obra para alaúde restou apenas o Libro I d’Intavolatura di Lauto (1611), mas sobreviveram três colecções de peças para chitarrone (ou tiorba). Ao contrário dos seus colegas alaúdistas, cuja escrita se centrou no seu próprio instrumento, Kapsberger legou-nos também várias colecções de música vocal profana e alguma música sacra.

[“Toccata Arpeggiata”, do Libro I d’Intavolatura di Lauto, por Paul O’Dette, do álbum Il Tedesco della Tiorba (Harmonia Mundi)]

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Robert de Visée (c.1655-c.1732)

País: França

Robert de Visée apresentava-se como tendo sido aluno de Francesco Corbetta (c.1615-1681), um mestre italiano das cordas dedilhadas (sobretudo da guitarra) que, sob o nome de Francisque Corbette, fez carreira em Paris a partir de 1654, mas tal pretensão parece não ter fundamento. Visée, que, além de ser um virtuoso do alaúde, também cantava, começou por ser admitido como músico de câmara de Luís XIV em 1680, função que acumulou com a de cantor a partir de 1709; em 1719 tornou-se professor de guitarra do jovem Luís XV, então com dez anos, que sucedera a Luís XIV, falecido em 1715. O filho de Robert de Visée, François, que também era alaúdista (boa parte dos grandes alaúdistas foram filhos e/ou pais de alaúdistas), rendê-lo-ia nesse cargo dois anos depois.

A maior parte da produção de Robert de Visée destinou-se à guitarra, mas deixou-nos também um livro de Pièces de Théorbe et Luth (1716).

[“Prélude” e “Allemande” da Suíte em lá menor, por Jonas Nordberg, em tiorba, na Igreja de Vätö, Suécia, 2010]

Johann Sebastian Bach (1685-1750)

País: Alemanha

Bach tem duas particularidades que o distinguem nesta lista: 1) foi o único compositor de primeiro plano a escrever para alaúde solo (Vivaldi tem algumas peças que prevêem um alaúde solista, mas inserido num ensemble de câmara); 2) foi o único compositor relevante de peças para alaúde que não era também alaúdista (embora seja possível que o soubesse tocar, pois o inventário de bens realizado após a sua morte contabiliza dois alaúdes). A invulgaridade destes factos, aliada a vários desajustamentos entre as partituras e a técnica de alaúde, levaram alguns estudiosos a sugerir que Bach não teria destinado as Suítes BWV 995-97, o Prelúdio, Fuga & Allegro BWV 998, o Prelúdio BWV 999 e a Fuga BWV 1000 ao alaúde mas ao clavicórdio, e que a sua vinculação ao alaúde terá sido um equívoco que cristalizou numa “realidade”. A verdade é que soam muito bem em alaúde (ou em tiorba) e se tornaram, por larga margem, nas obras para alaúde mais frequentemente tocadas e gravadas; e como o apetite dos alaúdistas por obras de Bach, não se contenta com estas peças, é frequente que se “apropriem” também das Sonatas & Partitas para violino solo e das Suítes para violoncelo solo.

[Fantasia da Suíte para alaúde BWV 997 (Astrée/Naïve)]

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Silvius Leopold Weiss (1687-1750)

País: Alemanha

Silvius Leopold Weiss não só foi contemporâneo quase exacto de Johann Sebastian Bach, como o conheceu e tocou com ele – Weiss visitou Bach em Leipzig pelo menos duas vezes, em 1739 e 1740 – e estabeleceu uma relação de amizade com o seu filho mais velho, Wilhelm Friedemann Bach. O pai de Silvius Leopold Weiss, Johann Jacob (c.1662-1754), era alaúdista e terá sido o seu primeiro professor do instrumento. Silvius obteve emprego na corte de Breslau, ao serviço de Karl Philipp von Pfalz-Neuburg, mas em 1710 viajou até Roma, onde terá trabalhado para o príncipe polaco Aleksander Sobieski, que aí se exilara. O seu paradeiro é incerto até 1717, quando se tornou alaúdista da esplêndida orquestra da corte de Dresden, onde recebia um dos salários mais avultados e ficaria até ao fim da vida (apesar de, em 1736, a corte de Viena ter tentado aliciá-lo com um salário ainda mais principesco).

Compôs cerca de um milhar de peças para alaúde solo, livremente agrupáveis em Suítes, bem como alguns concertos para alaúde e orquestra (cuja parte orquestral se perdeu), foi professor dos alaúdistas Adam Falckenhagen e Ernst Gottlieb Baron e, após a sua morte, o seu filho, Johann Adolph Faustinus (1741-1841), tomou o seu lugar na orquestra da corte de Dresden. Mas o alaúde estava então a ficar demodé muito rapidamente e, embora ainda subsistisse durante mais umas décadas, circunscrito à Alemanha e Áustria, não mais teria um génio da envergadura de Weiss a compor para ele.

[Courante em Fá maior, por Lutz Kirchhof]

Karl Kohaut (1726-1784)

País: Áustria

O vienense Karl Ignaz Augustin Kohaut era seis anos mais novo que Haydn e, na qualidade de violinista, chegou a tocar quartetos de cordas de Haydn e Mozart em sessões organizadas pelo barão Gottfried von Swieten. Porém, a sua fama advinha era do seu desempenho no alaúde, de que foi, com Bernhard Joachim Hagen (1720-1787), o último compositor e executante de algum relevo. Kohaut não foi músico a tempo inteiro, já que desempenhou funções burocráticas e diplomáticas em Viena, chegando a ocupar o posto de secretário da corte imperial.

Compôs alguns concertos para alaúde no “estilo galante”, mais “ligeiro” e menos contrapontístico, típico do final do Barroco.

[I andamento (Allegro) do Concerto em Fá maior, por John Schneiderman & Galanterie (Hänssler/Profil)]

Clássicos da clássica

Oito sonatas para piano de Beethoven que precisa de ouvir
  • Música
  • Clássica e ópera

Em 1792, o Conde Ferdinand von Waldstein, um dos principais mecenas de Beethoven, despediu-se deste, que tinha então 22 anos e deixava a sua cidade natal Bona para ir estudar em Viena, com uma recomendação: “Através de inabalável diligência, recebereis o espírito de Mozart das mãos de Haydn”. Mozart terá sido o modelo de Beethoven na juventude. Já as aulas que teve com Haydn parecem ter sido pouco profícuas. Mas se Beethoven começou por ter Mozart como modelo, em breve desenvolveu uma voz própria.

  • Música
  • Clássica e ópera

Wolfgang Amadeus Mozart legou-nos abundante produção para solista e orquestra, antes de mais para o seu instrumento de eleição, o piano, para o qual compôs 27 concertos, a maior parte destinados a servir de veículo ao seu virtuosismo no instrumento. Mas a criatividade de Mozart foi também posta ao serviço de instrumentos como o violino, o clarinete, a trompa, o oboé ou o fagote, e até mesmo a flauta, um instrumento com o qual embirrava.

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  • Música
  • Clássica e ópera

Franz Liszt começou a aprender piano aos sete anos, aos nove já se apresentava em concertos públicos e aos 12 publicou a sua primeira obra, numa colecção em que surgia ao lado de Beethoven e Schubert. Tornou-se num dos maiores virtuosos do piano de todos os tempos e percorreu a Europa em frenéticas tournées, suscitando uma idolatria similar à das estrelas rock de hoje e fazendo palpitar muitos corações femininos com as longas melenas e a pose estudada para causar sensação.

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