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John Coltrane
© Francis WolffJohn Coltrane

"But Not For Me”: a visão fatalista do amor de Gershwin

Uma canção feita para os que têm uma visão sombria e fatalista do amor e que, provavelmente, serão legião no país do fado

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Quem conheça “But Not For Me” apenas na macambúzia versão de Chet Baker (a mais difundida) não adivinhará que foi composto por George & Ira Gershwin para um musical de pendor cómico, Girl Crazy (1930), cujo enredo se inicia com o envio para um remoto rancho no Arizona de Danny Churchill, um bon vivant cuja vocação para dissipar a fortuna em álcool e mulheres exaspera a família. Porém, a tentativa do pai para domar Danny falha redondamente, uma vez que ele converte o rancho familiar num misto de atracção turística e casa de espectáculos, guarnecida com coristas mandadas vir da Broadway.

O rancho torna-se num pólo de atracção para o jet set americano e Danny apaixona-se pela chefe do posto de correios local, Miss Molly Gray, a quem cabe cantar “But Not For Me”. Na estreia, o papel de Molly Gray foi desempenhado por uma ruiva desconhecida de 19 anos chamada Ginger Rogers, que foi catapultada para a fama por Girl Crazy. O sucesso do musical levou a que fosse adaptado ao cinema por três vezes, com alterações substanciais do enredo: em 1932, 1943 (com Mickey Rooney e Judy Garland no papéis principais) e 1965.

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Dez versões clássicas de “But Not For Me”

Harry James & Helen Forrest

Ano: 1941

A hoje esquecida Helen Forrest (1917-1999) passou por algumas das mais notáveis orquestras do seu tempo: trabalhou com Artie Shaw e Benny Goodman antes de se juntar, em 1941, à orquestra do trompetista Harry James (1916-1983), que reformulou os arranjos da banda com vista a colocar em relevo as qualidades de Forrest. Este “But Not For Me” foi registado a 30 de Dezembro de 1941, em Nova Iorque.

Modern Jazz Quartet

Ano: 1953
Álbum: Django (Prestige)

Antes da implantação do LP de 12’’ como padrão editorial no meio do jazz, a partir de 1956, a vacilação entre os formatos 10’’ e 12’’ foi propícia a abundantes confusões. Em 25 de Junho de 1953, o Modern Jazz Quartet – Milt Jackson (vibrafone), John Lewis (piano), Percy Heath (contrabaixo) e Kenny Clarke (bateria) – registou quatro faixas, uma das quais foi um “But Not For Me” descontraído e isento de melancolia, que foram editadas nesse mesmo ano como um LP de 10’’ intitulado Modern Jazz Quartet. Sessões realizadas a 23 de Dezembro de 1954 e 9 de Janeiro de 1955 produziram outras quatro faixas, editadas em 1955 como LP de 10’’ intitulado Modern Jazz Quartet vol.2. No ano seguinte, os dois LPs de 10’’ foram fundidos num LP de 12’’ com o título Django.

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Miles Davis

Ano: 1954
Álbum: Bags’ Groove (Prestige)

A história de Bags’ Groove é ainda mais enredada do que a de Django. O título do álbum provém de uma composição do vibrafonista Milt Jackson, que era conhecido como “Bags” e que fez parte do quinteto liderado por Miles que, a 24 de Dezembro de 1954, registou “Bags’ Groove” e “Swing Spring”. Estas faixas foram publicadas em 1955 como o LP de 10’’ Miles Davis All Stars vol. 1, sendo o restante material da sessão incluído no LP de 10’’ Miles Davis All Stars vol. 2, surgido no mesmo ano. As faixas gravadas a 29 de Junho de 1954 (onde se inclui “But Not For Me”) por Miles, Sonny Rollins (saxofone), Horace Silver (piano), Percy Heath (contrabaixo) e Kenny Clarke (bateria), foram editadas em 1954 como LP de 10’’ com o título Miles Davis with Sonny Rollins.

Em 1959, com os LP de 12’’ implantados como formato-padrão e o LP de 10’’ tornado obsoleto, a Prestige rearrumou o produto das duas sessões: acoplou as duas takes de “Bags’ Groove” às faixas de 29 de Junho sob a forma do LP de 12’’ Bag’s Groove e remeteu o resto do material para o LP de 12’’ Miles Davis and the Modern Jazz Giants. Esclarecido este imbróglio, cabe chamar a atenção para a excelência dos solos de Miles, Rollins e Silver (por esta ordem) em “But Not For Me”.

Lurlean Hunter

Ano: 1955
Álbum: Lonesome Gal (RCA Victor)

Lurlean Hunter (1919-1983) cantou com as bandas de Red Saunders, Floyd Campbell e Fletcher Henderson e gravou o seu primeiro single em nome próprio em 1951. A estreia em álbum fez-se com este Lonesome Gal em que foi acompanhada por uma orquestra com direcção de Al Nevins e arranjos repartidos entre Quincy Jones e Marion Evans. A versão de “But Not For Me” por Hunter inclui as estrofes iniciais.

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Kenny Burrell

Ano: 1956
Álbum: Kenny Burrell (Blue Note)

Os dois primeiros álbuns do guitarrista Kenny Burrell, Introducing Kenny Burrell, e Kenny Burrell, provêm de sessões de gravação de Março de 1956. O segundo álbum, lançado em Abril de 1957 (e que seria reeditado como Kenny Burrell vol. 2), tem a particularidade de ter capa por um jovem artista que dava então pelo nome de Andrew Warhola e que em breve descobriria um ramo de actividade mais rentável do que o design de capas de discos de jazz. O álbum Kenny Burrell contou com Frank Foster, Tommy Flanagan, Oscar Pettiford e Shadow Wilson, mas “But Not For Me” é uma peça de guitarra solo.

Dinah Washington

Ano: 1956
Álbum: The Swingin’ Miss D (EmArcy)

The Swingin’ Miss D foi o sexto álbum de Dinah Washington (1924-1963) e contou com uma orquestra arranjada, na maior parte das faixas, por Quincy Jones. Em “But Not For Me” Washington afasta-se da toada melancólica e resignada e adopta o estilo fogoso por que era conhecida – também a sua versão inclui as estrofes iniciais.

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Ahmad Jamal

Ano: 1958
Álbum: At the Pershing: But Not For Me (Argo)

Do concerto no Pershing Lounge do hotel de Chicago com o mesmo nome, a 16 de Janeiro de 1958, com o pianista Ahmad Jamal, o contrabaixista Israel Crosby e o baterista Vernel Fournier, a Argo seleccionou “But Not For Me” e mais sete faixas para o álbum At the Pershing: But Not For Me. O disco tornou-se, inesperadamente, no disco de jazz mais vendido do ano (no final do século XX, as vendas acumuladas ultrapassavam um milhão de exemplares), o que levou a Argo a lançar, em 1961, um segundo volume com as restantes 11 faixas registadas no mesmo concerto.

Ella Fitzgerald

Ano: 1959
Álbum: Ella Fitzgerald Sings the George & Ira Gershwin Song Book (Verve)

O Song Book dedicado a Gershwin foi o mais imponente da série gravada por Ella, com 59 canções, com arranjos de Nelson Riddle, distribuídas por cinco LPs. O seu lançamento coincidiu com o do filme But Not For Me, cujo enredo não tem relação com o do musical Girl Crazy, mas inclui a canção homónima na banda sonora.

“But Not For Me”, que recebe aqui tratamento aveludado e milimetricamente controlado, tornou-se numa peça recorrente no repertório de Fitzgerald e pode também ser ouvida no álbum 12 Nights in Hollywood (1961-62).

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Julie London

Ano: 1960
Álbum: Around Midnight (Liberty)

O título deste álbum com arranjos e direcção orquestral de Dick Reynolds decorre da temática nocturna de várias das suas faixas. A letra de “But Not For Me” não alude à noite, mas recebe um tratamento velado e aveludado que lhe confere uma aura after hours.

John Coltrane

Ano: 1960
Álbum: My Favorite Things (Atlantic)

John Coltrane tornara-se notado no quinteto de Miles Davis em 1956 e fizera, como líder, três discos para a Prestige e um para a Blue Note. O seu crescimento como músico na segunda metade da década de 50 foi fulgurante, pelo que não foi inesperado que em 1960 deixasse Davis para se consagrar à carreira a solo. O primeiro álbum na Atlantic, Giant Steps (gravado em 1959 e editado em 1960), era, com efeito, um passo de gigante e Coltrane Jazz (gravado em 1959-60 e editado em 1961) e My Favorite Things (gravado em 1960 e editado em 1961) confirmavam Coltrane como um dos mais inovadores e ousados jazzmen do momento, com os standards como “But Not For Me” a servirem de ponto de partida para longas e sinuosas improvisações. Coltrane tem neste disco a parceria de McCoy Tyner (piano), Steve Davis (contrabaixo) e Elvin Jones (bateria).

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