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Música, Compositor, Irving Berlin
©Boston GlobeIrving Berlin ao Piano

Dez versões clássicas de “How Deep Is the Ocean”

Nasceu como cançoneta pirosíssima, converteu-se numa exaltação a um amor desmedido e foi adoptada pelo jazz

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Embora gostemos de imaginar que as obras-primas nascem de uma inspiração que desce sobre os criadores vinda das mais remotas esferas celestes, muitas há que germinam no esterco. Em 1930, Irving Berlin tinha composto uma cançoneta para o filme Mammy, com o famoso actor Al Jolson (famoso pelos seus papéis em blackface e que, nessa qualidade, protagonizara o primeiro filme sonoro da história): chamava-se “To My Mammy” e era um piroso e piegas hino à incondicionalidade do amor maternal, que, a dada altura, quantificava assim: “How much does she love me? I’ll tell you no lie/ How deep is the ocean? How high is the sky?”.

[Al Fuller (Al Jolson) canta “To My Mammy” para a mãe (Louise Dresser), no filme Mammy]

Dois anos depois, Berlin atravessava um período sombrio: à morte do filho em 1928 e à perda de boa parte das economias no crash bolsista de 1929, somava-se agora, em consequência da Grande Depressão, a escassez de oportunidades de trabalho na Broadway e em Hollywood. Foi então que reciclou parte da letra de “To My Mammy” em “How Deep Is the Ocean”, uma canção feita de perguntas retóricas que recorre ao incomensurável para exprimir a intensidade de uma paixão amorosa: “How much do I love you? I’ll tell you no lie/ How deep is the ocean? How high is the sky?”.

Após uma experiência amarga com a rejeição da maior parte das canções que compusera para o filme Reaching for the Moon, Berlin redireccionou os seus esforços para a rádio e foi esta que se tornou no veículo de difusão de “How Deep Is the Ocean”, com quatro versões – nomeadamente a da orquestra de Paul Whiteman – a alcançar grande sucesso comercial nesse ano de 1932.

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Dez versões clássicas de “How Deep Is the Ocean”

1. Benny Goodman & Peggy Lee

Ano: 1941
Álbum: Benny Goodman Featuring Peggy Lee (Columbia)

Em 1941, Benny Goodman, que buscava uma substituta para a cantora Helen Forrest, que deixara a sua orquestra para seguir carreira a solo, deparou-se num clube nocturno de Chicago com uma talentosa rapariga de 21 anos: Peggy Lee. Lee foi de imediato recrutada para a orquestra e entre Agosto e Dezembro de 1941 Goodman e Lee gravaram 16 canções, que foram, décadas depois, compiladas em Benny Goodman Featuring Peggy Lee. Lee ficaria com Goodman até 1943, altura em que Dave Barbour, o novo guitarrista da orquestra quebrou uma “regra da casa”: a que proibia os músicos de se envolver com a cantora. Goodman despediu Barbour e Lee despediu-se de Goodman e casou-se com o guitarrista (embora o seu amor não tenha sido tão profundo quanto o oceano: divorciaram-se em 1951).

2. Coleman Hawkins

Ano: 1943
Álbum: Tenor Sax Stylings vol. 1 (Brunswick)

Esta versão de “How Deep is the Ocean” foi gravada em Nova Iorque a 8 de Dezembro de 1943 pelo saxofonista tenor Coleman Hawkins, com Bill Coleman (trompete), Andy Fitzgerald (clarinete), Al Casey (guitarra), Ellis Larkins (piano), Oscar Pettiford (contrabaixo) e Shelly Manne (bateria). Em 1953, a Brunswick reuniu “How Deep is the Ocean” a sete outras faixas gravadas a 18 e 23 do mesmo mês, com diferentes formações, sob o título Tenor Sax Stylings vol. 1.

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3. Charlie Parker

Ano: 1947
Álbum: Charlie Parker on Dial: The Complete Sessions (Spotlite Jazz)

Esta versão de “How Deep is the Ocean?” foi gravada numa sessão de 17 de Dezembro de 1947, em Nova Iorque, para a editora Dial, com uma equipa de luxo formada por um muito jovem Miles Davis (trompete), J.J. Johnson (trombone), Duke Jordan (piano), Tommy Potter (contrabaixo) e Max Roach (bateria). Apesar de a peça durar apenas 3’29, há espaço para solos de Parker, Miles e Johnson.

4. Harry Edison

Ano: 1956
Álbum: Sweets (Clef)

O trompetista Harry “Sweets” Edison foi um dos esteios da orquestra de Count Basie entre 1937 e 1950, altura em que iniciou carreira em nome próprio, gravando para as etiquetas de Norman Granz. Sweets, o seu 3.º álbum, contou com um gigante do saxofone, Ben Webster (encontro que se repetiria mais duas vezes) e uma secção rítmica formada por Barney Kessel (guitarra), Jimmy Rowles (piano), Joe Mondragon (contrabaixo) e Alvin Stoller (bateria).

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5. Julie London

Ano: 1956
Álbum: Lonely Girl (Liberty)

Lonely Girl, o 2.º álbum em nome próprio da cantora Julie London, tem como fios condutores o fim da paixão e a solidão e o seu efectivo instrumental foi escolhido para espelhar esta condição: resume-se à guitarra de Al Viola. Contrastando com a exuberância de outros cantores, em “How Deep is the Ocean?” London não se ergue acima do sussurro. E não é preciso mais.

6. Cecil Payne

Ano: 1957
Álbum: Patterns of Jazz (Signal, reed. Savoy)

O álbum de estreia como líder do saxofonista barítono Cecil Payne (1922-2007) conta com Duke Jordan (piano), Tommy Potter (contrabaixo) e Art Taylor (bateria) e, nalgumas faixas (mas não em “How Deep Is the Ocean”), com a trompete de Kenny Dorham. A versão de “How Deep Is the Ocean” decorre em atmosfera velada e nocturna e, com excepção de um breve solo de Jordan, é dominada pela terna expressividade de Payne.

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7. Ella Fitzgerald

Ano: 1958
Álbum: Ella Fitzgerald Sings the Irving Berlin Song Book (Verve)

As 35 canções de Berlin que Ella cantou no respectivo Song Book, acompanhada por orquestra com arranjos e direcção de Paul Weston, são outras tantas obras-primas. “How Deep Is the Ocean” destaca-se pelas nuances subtis da voz de Ella e pelos comentários do saxofone solista.

8. Ben Webster & Oscar Peterson

Ano: 1959
Álbum: Ben Webster Meets Oscar Peterson (Verve)

Este é mais um dos muitos encontros entre gigantes do jazz promovidos por Norman Granz na viragem das décadas de 1950/60 e junta o saxofone sensual e caloroso de Ben Webster ao trio do pianista Oscar Peterson, com Ray Brown (contrabaixo) e Ed Thigpen (bateria).

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9. Frank Sinatra

Ano: 1960
Álbum: Nice’n’Easy (Capitol)

Nice’n’Easy é um reatar da colaboração entre Sinatra e Nelson Riddle, após alguns álbuns do cantor com outros arranjadores, e chegou ao 1.º lugar do top da Billboard e foi nomeado para três Grammys. “How Deep Is the Ocean” soa como um “De Profundis” e inclui um solo de trombone no registo grave que contribui para a atmosfera ponderosa.

10. Bill Evans

Ano: 1961
Álbum: Explorations (Riverside)

Explorations foi o 2.º álbum do trio de Evans com Scott LaFaro e Paul Motian, após Portrait in Jazz (1960) e contém um “How Deep Is the Ocean” límpido e lírico.

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