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Concerto de Chopin
©Henryk Siemiradzki[Chopin no salão da família aristocrática polaca Radzwilli, num quadro de Henryk Siemiradzki, 1887]

Oito obras de compositores polacos que precisa de ouvir

Há mais compositores de valor nascidos na Polónia para lá de Chopin. Um século após a restauração da independência, vale a pena recordá-los.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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A 11 de Novembro de 2018 assinalou-se a passagem de um século sobre a restauração da independência da Polónia, após mais de um século sob domínio dos impérios russo, alemão e austro-húngaro, em resultado de três acordos de partição realizados em 1772, 1793 e 1795. A Polónia tem uma história conturbada e as suas fronteiras e o seu estatuto sofreram mudanças drásticas nos últimos séculos. Entre meados do século XVI e meados do século XVII, a monarquia dual polaco-lituana reinou sobre um vasto território que ia do Báltico quase até ao Mar Negro e incluía partes do que são hoje a Ucrânia, a Bielorrússia, a Lituânia, a Letónia e a Rússia. Esta Comunidade das Duas Nações, resultante da fusão do Reino da Polónia e do Grão-Ducado da Lituânia, entrou em declínio no século XVIII e acabou por ser retalhada pelos seus vizinhos.

A Polónia reconquistou a independência com o termo da I Guerra Mundial e a dissolução dos impérios impérios russo, alemão e austro-húngaro, mas em 1939 voltaria a ser vítima das ambições expansionistas da Alemanha e da URSS. O fim da II Guerra Mundial devolveu a independência à Polónia, mas apenas no plano formal, já que foi convertida num satélite da URSS, e só com o enfraquecimento do império soviético a Polónia reconquistaria, em 1989, a verdadeira autonomia, com o fim da República Popular da Polónia e o início da III República Polaca.

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Oito obras de compositores polacos que precisa de ouvir

Missa Paschalis, de Pekiel

No século XVII, como acontecia em boa parte da Europa seiscentista, a direcção da capela real polaca esteve durante boa parte do tempo confiada a músicos italianos. Entre 1628 e 1649, o mestre de capela da corte de Varsóvia foi Marco Scacchi, que teve como assistente o polaco Bartlomiej Pekiel (activo em 1633-c.1670), de quem nada se sabe até ter entrado ao serviço da corte polaca em 1633. Quando Scacchi faleceu, o seu posto passou para as mãos de Pekiel, que se tornou o primeiro polaco a desempenhar tais funções. Em 1655, Pekiel trocou a corte de Varsóvia pela catedral de Cracóvia, onde se tornou mestre de capela em 1657. As obras que compôs em Cracóvia adoptam o stile antico, que prossegue a tradição da polifonia renascentista, enquanto as de Varsóvia seguem o novo estilo “concertato” do barroco (em que os instrumentos dialogam activamente com as vozes), o que pode parecer contraditório em termos cronológicos, mas se explica por a música na catedral de Cracóvia se reger por princípios conservadores.

Não há menções a Pekiel na década de 1660, mas o facto de só em 1670 um novo mestre de capela ter tomado posse em Cracóvia leva a presumir que terá falecido nesse ano.

[“Kyrie” da Missa Paschalis, pelo ensemble Pro Cantione Antiqua, com direcção de James Griffett]

Concerto para piano n.º 1, de Chopin

Chopin é, indiscutivelmente, o compositor mais famoso entre os que nasceram na Polónia. Fryderyk Franciszek Chopin (1810-1849), nasceu em Zelazowa Wola, de pai francês (Nicolas, que trabalhava como tutor dos filhos da aristocracia polaca) e mãe polaca. Poucos meses depois, a família mudou-se para Varsóvia, onde o pai obtivera um posto como professor de francês (em casa, todavia, Nicolas Chopin insistia em que se falasse polaco).

Chopin começou a fazer tournées como pianista no final da adolescência e tinha 20 anos quando, a 11 de Outubro de 1830, estreou em Varsóvia o seu Concerto para piano n.º 1; um mês depois, quando a sua tournée europeia o levara a Viena, eclodiu na sua pátria o Levantamento de Novembro, contra o ocupante russo, que, após um ano de combates, acabou por ser sufocado. Chopin exilou-se em Paris (onde o Fryderyk se converteu em Frédéric) e não voltaria a pisar o solo pátrio, mas manteve sempre a Polónia no coração – e deixou instruções para que, após a sua morte, o seu coração fosse sepultado em Varsóvia.

[II andamento (Romance: Larghetto), pelo pianista polaco Rafal Blechacz]

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Sinfonia op.7 Renascimento, de Karlowicz

O declínio da Polónia ao longo do século XVIII, culminando na sua partição entre a Alemanha, Rússia e Austro-Hungria não criou um clima favorável ao desenvolvimento de talentos musicais nacionais – e é provável que a carreira de Chopin tivesse definhado se tivesse optado por ficar em Varsóvia em vez de se exilar em Paris. Este contexto ajuda a explicar que não existam compositores polacos de projecção internacional durante os períodos Clássico e Romântico.

Só recentemente o resto do mundo musical começou a reconhecer o talento do tardo-romântico Mieczyslaw Karlowicz [pronúncia aproximada: Mietchisuaf Káruovitch], que viveu entre 1876 e 1909, foi fortemente influenciado por Tchaikovsky e Wagner e nos legou uma sinfonia, um concerto para violino e seis poemas sinfónicos (e pouco mais, pois parte das suas partituras perderam-se durante a II Guerra Mundial).

A Sinfonia Renascimento, concluída em 1903, é a sua obra mais ambiciosa e evoca o combate do espírito humano contra as adversidades, até ao triunfo final.

[I andamento (Andante-Allegro), pela Orquestra Filarmónica de Varsóvia, dirigida por Antoni Witt]

Sinfonia n.º 3 Canto da Noite, de Szymanowski

Karol Szymanowski [pronúncia aproximada: Károl Shimánófski], que viveu entre 1882 e 1937, foi o primeiro compositor polaco de renome mundial a emergir após Chopin e um dos grandes compositores do século XX.

Sob o domínio russo-germano-austríaco os polacos nunca deixaram de alimentar a paixão nacionalista e a aspiração à independência, que se materializou sob a forma do movimento “Jovem Polónia”, de cuja órbita Szymanowski fez parte. Nessa altura, todavia, as suas principais influências eram o Romantismo germânico, Chopin e Debussy e só na fase final da sua carreira assimilaria influências do folclore polaco.

A Sinfonia n.º 3 Canto da Noite, foi composta em 1914-16, no seguimento das viagens de Szymanowski pelo Norte de África e Próximo Oriente, e está impregnada das impressões recolhidas nesse périplo pelo compositor, nomeadamente pelo recurso a um poema do místico persa Jalal ud-Din Runi (1207-73), que apela à contemplação da quietude e beleza da noite e do céu estrelado. Todavia, nem tudo é misticismo oriental na Sinfonia n.º 3: há também uma síntese muito pessoal de influências de Wagner e Scriabin.

[I andamento (Moderato assai) pelo Kenneth Jewell Chorale e pela Orquestra Sinfónica de Detroit, com direcção de Antal Dorati]

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Quarteto de cordas n.º 4, de Bacewicz

O solo polaco viu nascer Marie Sklodowska Curie, a primeira mulher a receber um Prémio Nobel (e também a primeira pessoa a recebê-lo duas vezes) e viu também nascer uma das primeiras mulheres do século XX a distinguir-se na composição, área usualmente reservada a homens: Grazyna Bacewicz [pronúncia aproximada: Grájiná Bátchévitch]. Bacewicz (1909-1969) foi aluna de Nadia Boulanger em Paris e foi uma violinista de grande nível, ocupando o posto de violino principal na Orquestra da Rádio Polaca e empreendendo tournées pela Europa. Compôs sete concertos para o seu instrumento, bem como quatro sinfonias e abundante música de câmara, em que se contam cinco sonatas para violino e piano, duas sonatas para violino solo e sete quartetos de cordas.

O Quarteto de cordas n.º 4 foi composto para participar num concurso internacional de composição em Liège, em 1951, onde obteve o 1.º prémio.

[Quarteto de cordas n.º 4, pelo Szymanowski Quartet, ao vivo no Samueli Theater, Costa Mesa, Califórnia, EUA]

Concerto para violoncelo, de Lutoslawski

Witold Lutoslawski [pronúncia aproximada: Vitold Lutosuáfski], nasceu em 1913 numa família de origem aristocrática e o seu pai, Józef, e o seu tio; Marius, foram activos combatentes pela causa independentista polaca, o que lhes valeu serem fuzilados em Moscovo pelas autoridades russas.

Uma das primeiras obras de Lutoslawski, as Variações Sinfónicas, estreou em 1939 num concerto difundido pela rádio polaca, mas a sua promissora carreira musical foi brutalmente travada meses depois pela eclosão da II Guerra Mundial. Witold Lutoslawski foi feito prisioneiro pelos alemães, mas conseguiu evadir-se; o seu irmão foi feito prisioneiros pelos soviéticos e morreu num campo de concentração na Sibéria. O foragido Witold não teve vida fácil durante a guerra, tendo de ganhar a vida a tocar piano nos cafés de Varsóvia, por vezes assumindo o risco de tocar música polaca, que tinha sido banida pelo ocupante alemão. As coisas melhoraram com o fim da guerra, mas não radicalmente: a Sinfonia n.º 1 de Lutoslawski foi proibida pelo novo governo, de inspiração stalinista, sob a acusação de “formalismo” (isto é, por ser demasiado complexa para ser fruída pelas massas). Tal não dissuadiu o compositor de continuar a compor música “formalista” até à sua morte, em 1994, sem fazer concessões ao “realismo socialista”.

O Concerto para violoncelo foi encomendado pela Royal Philharmonic Society de Londres e foi estreado nesta cidade, em 1970, por Mstislav Rostropovich, que já antes desafiara o compositor a compor um concerto para ele.

[Excerto do Concerto para violoncelo, por Miklos Perényi e a Filarmónica de Berlim, com direcção de Simon Rattle, ao vivo na Berlin Philharmonie, 2013]

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Sinfonia das Canções Tristes, de Górecki

O talento de Henryk Górecki [pronúncia aproximada: Henrik Gurétski], que viveu entre 1933 e 2010 não está a par do dos outros nomes desta lista, mas o facto de ser o compositor polaco de maior sucesso do século XX justifica a sua escolha. A maior parte da sua fama advém da Sinfonia n.º 3 ou Sinfonia das Canções Tristes, composta em 1976 e que se afasta das dissonâncias que tinham marcado a sua carreira até então, abraçando uma versão minimalista, austera e hierática do tardo-romantismo (que seria adoptada por outros compositores da Europa de Leste e é por vezes designado por “holy minimalism”).

A sinfonia passou despercebida fora da Polónia até que foi gravada em 1991 pela soprano Dawn Upshaw e pela London Sinfonietta, dirigida por David Zinman, e se tornou sum sucesso de vendas invulgar num disco de música clássica (700.000 exemplares em apenas dois anos).

[Andamento I (Lento – Sostenuto tranquilo ma cantabile), por Dawn Upshaw e a London Sinfonietta, com direcção de David Zinman (Elektra/Nonesuch)]

Requiem Polaco, de Penderecki

Krzysztof Penderecki [pronúncia aproximada: Kshishtof Pendérétski], nascido em 1933 em Debica, é não só o mais importante compositor polaco vivo como um dos criadores mais influentes do século XX, tendo conseguido, logo no início da carreira, tornar-se notado a Ocidente da Cortina de Ferro, graças a obras de grande audácia e originalidade, como Trenodia para as Vítimas de Hiroshima (1960), o Stabat Mater a três coros (1962), a Paixão Segundo S. Lucas (1965), a ópera Os Diabos de Loudun (1967) ou Utrenia (1971).

Em meados da década de 1970, o estilo de Penderecki sofreu uma inflexão, atenuando as dissonâncias, adstringência e brutalismo que marcam o seu primeiro período, e operando um “regresso à tradição” (e em particular ao tardo-romantismo), ainda que num registo muito pessoal. Uma das obras mais famosas deste período foi o Requiem Polaco, composto em 1980-84, quando a Polónia atravessava um período de agitação social, com os crescentes protestos dos trabalhadores dos estaleiros de Gdansk e do Sindicato Solidariedade a levar o Governo a impor a lei marcial, entre 1981 e 1983. Penderecki dedicou a obra ao líder sindical (e futuro presidente da Polónia) Lech Walesa.

[“Lacrimosa”, do Requiem Polaco, por Mariana Nicolesco (soprano), Coro da Filarmónica de Varsóvia e Sinfónica de Bamberg, com direcção do próprio compositor, ao vivo na Igreja de Santa Catarina, Cracóvia, 1988]

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A tradição cristã atribui a autoria do texto do hino Te Deum aos santos Agostinho de Hipona e Ambrósio de Milão, no ano de 387, mas alguns especialistas apontam antes para Aniceto, bispo de Remesiana, que também viveu no século IV.

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