
Oito obras-primas para um Natal barroco
O CCB e a Fundação Gulbenkian propõem música apropriada à quadra, mas vale a pena descobrir outras obras de temática natalícia do Barroco.
A quadra natalícia foi, durante o Barroco, um dos momentos altos da “temporada musical” nas igrejas da Cristandade, com os compositores de serviço a providenciarem peças faustosas e refulgentes, que requeriam frequentemente a contratação de cantores e instrumentistas adicionais. Na Península Ibérica e nas possessões portuguesas e espanholas no Novo Mundo floresceram os vilancicos de Natal (villancicos de Navidad), incorporando enérgicas danças profanas e tendo por tema recorrente os pastores e a adoração do Menino Jesus e, nalguns casos, fazendo intervir pitorescas personagens africanas falando em crioulo. No mosaico de principados e cidades da Alemanha luterana, proliferaram as cantatas e oratórias de Natal.
Oratória de Natal na Fundação Gulbenkian, sexta-feira (13) às 20.00, sábado (14) às 19.00, domingo (15) às 18.00 e segunda-feira (16) às 20.00; Messiah no CCB, domingo (15) às 17.00. 7-33€.
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Oito obras-primas para um Natal barroco
Salvator Noster, de Gabrieli
O veneziano Giovanni Gabrieli (c.1554-1612) foi, com o seu tio Andrea Gabrieli e com Claudio Monteverdi, um dos obreiros da transição da Renascença para o Barroco. Giovanni Gabrieli assumiu em 1584 o posto de organista principal na basílica de S. Marcos, que acumularia mais tarde com a de organista na Scuola Grande di San Rocco, também em Veneza. As suas monumentais composições mesclam vozes e instrumentos numa densa trama polifónica que têm frequentemente 10, 12 e 16 vozes e influenciaram decisivamente não só os seus conterrâneos como os compositores da Europa do Norte, nomeadamente Michael Praetorius, Hans Leo Hassler e Heinrich Schütz (os dois últimos foram seus alunos em Veneza).
Salvator Noster é uma peça a 15 vozes que celebra o Natal: “O nosso Salvador/ nasceu neste dia dilecto/ Rejubilemos todos/ Que o santo exulte/ Porque o seu triunfo está próximo/ Que exulte o pecador/ Porque é convocado para o perdão/ E que exulte o pagão/ Porque é convocado para a vida”.

Puer Natus in Bethlehem, de Praetorius
Ano: 1619
Michael Praetorius (1571-1621) nasceu na Turíngia, perto de Eisenach, não muito longe, portanto, do local onde pouco mais de um século depois, nasceria Johann Sebastian Bach. Foi dos compositores mais prolíficos de todos os tempos e entre os vários cargos que desempenhou (por vezes em acumulação) esteve o de Kapellmeister da corte de Dresden (a partir de 1613), onde colaborou com outro nome cimeiro da música germânica, Heinrich Schütz. Entre as numerosas colecções de música que publicou estão os nove volumes de Musae Sioniae, publicadas entre 1605 e 1610 e contendo 1200 corais arranjados para duplo coro de 8 a 12 vozes, e a Polyhymnia Caduceatrix et Panegirica (1619), uma colecção de 40 obras que inclui este Puer Natus in Bethlehem. A colecção Polyhymnia tem por subtítulo “Concerto solene de paz e júbilo”, mas quando foi publicada a Alemanha acabara de mergulhar na devastadora Guerra dos Trinta Anos.

História de Natal, de Schütz
Ano: 1660
Heinrich Schütz (1585-1672), o mais importante compositor alemão das gerações anteriores a Johann Sebastian Bach, entrou ao serviço da corte de Dresden em 1615, aos 30 anos, e a ela ficou ligado até à morte, em 1672, aos 87 anos. A sua História do Jubiloso e Abençoado Nascimento de Jesus Cristo , Filho de Deus e Maria (Historia der Freuden- und Gnadenreichen Geburt Gottes und Marien Sohnes Jesu Christi), que costuma ser conhecida, mais sucintamente, como História de Natal (Weihnachthistorie), estreou no Natal de 1660, na corte de Dresden. Foi composta com a provecta idade (para os padrões do século XVII) de 75 anos, mas é uma obra de impressionante frescura e vitalidade, que recorre a um caleidoscópio de combinações de vozes e instrumentos. Schütz designou a obra como “Historia”, termo que já empregara 37 anos antes, na História da Ressurreição (1623), e pode ver-se nela a precursora das oratórias do barroco maduro na Alemanha.

Messe de Minuit, de Charpentier
Ano: c.1690-93
Marc-Antoine Charpentier (1643-1704) tem uma copiosa e inspirada produção de música sacra, entre a qual se contam uma dúzia de missas. A Messe de Minuit H.9 segue a tradição do barroco francês de fazer as Missas de Natal citarem melodias de canções natalícias populares (ou “noëls”) – o Kyrie, por exemplo, recorre à canção “Joseph Est Bien Marié”.

Das Neugeborne Kindelein BuxWV13, de Buxtehude
Ano: desconhecido
O germano-dinamarquês Dietrich Buxtehude (c.1637-1707) foi um dos mais importantes compositores do período entre Schütz e Bach e exerceu forte influência sobre o segundo, que, em 1705 (tinha então 20 anos), se escapuliu do seu posto como organista em Arnstadt e fez 400 quilómetros a pé para ir até Lübeck ouvir o velho mestre, que era um superlativo organista e compositor de música sacra. Buxtehude assumira o cargo de organista da Marienkirche de Lübeck em 1668, sucedendo a Franz Tunder e casando-se com a filha deste, e aí ficaria até ao fim da vida. Espíritos maliciosos sugerem que Handel e Mattheson (e também Bach) terão considerado suceder ao já idoso Buxtehude, mas que o casamento com a filha mais velha deste faria parte das condições contratuais e que a rapariga deveria tanto à beleza que afugentou os candidatos.

Oratória de Natal, de Bach
Ano: 1734-35
A Oratória de Natal (Weinachtsoratorium) BWV 248 foi estreada em 1734-5, em Leipzig, repartida entre as igrejas de S. Tomé (Thomaskirche) e S. Nicolau (Nikolaikirche), com cada uma das suas seis partes a ser apresentada ao longo de seis dias da quadra natalícia: 25, 26 e 27 de Dezembro e 1, 2 e 6 de Janeiro, correspondendo respectivamente a 1) nascimento de Jesus, 2) anunciação aos pastores, 3) adoração dos pastores, 4) circuncisão de Jesus, 5) chegada dos Reis Magos e 6) adoração dos Reis Magos.
A música é brilhante e jubilante, perfeitamente adequada à quadra e confeccionada com a habitual combinação de complexidade e elegância típica de Bach. Do que o público de Leipzig não terá suspeitado é que pouca da música que ouvia era original. Na verdade, as notas que serviam para evocar a anunciação aos pastores e a adoração dos Magos, tinham, em tempos, servido para ilustrar a indecisão de Hércules na encruzilhada entre a virtude e os prazeres, numa cantata profana (BWV213, de 1733) destinada a assinalar o 11º aniversário do Príncipe Frederico Cristiano da Saxónia, ou tinham animado o aniversário de Maria Josefa, Eleitora da Saxónia e rainha da Polónia (BWV 214, de 1733) e o aniversário da coroação de Frederico Augusto II, Eleitor da Saxónia, como Rei da Polónia (BWV215, de 1734). Mas a arte superior de Bach converteu o material destas três cantatas profanas e de uma cantata sacra entretanto perdida e os fragmentos provenientes de outras obras suas num todo coerente e homogéneo.

“Unto Us a Child Is Born”, de Handel
Ano: 1742
Por não possuir personagens nem um enredo propriamente dito, a oratória Messiah é diferente das restantes oratórias de Handel e das oratórias barrocas em geral e tem afinidades com a Oratória de Natal de Bach. Messiah é um comentário sobre o nascimento, paixão, ressurreição e ascensão de Cristo, através das profecias sobre a sua vinda e da reflexão sobre as consequências dessa vinda (ou seja, a anulação da condenação associada ao pecado original). Noutras mãos podia ter resultado num maçudo tratado de teologia, nas mãos de Handel é uma obra arrebatadora.
A Natividade é o assunto das cenas 3 e 4 da Parte I e “Unto Us a Child Is Born” é o coro que conclui a cena 3 e que anuncia o nascimento do Messias, através das palavras do profeta Isaías: “Para nós nasceu uma Criança, um Filho nos foi ofertado, e o governo do mundo recairá sobre os seus ombros; e o seu nome será Magnífico Conselheiro, Deus Todo-Poderoso, pai Eterno, Príncipe da Paz”.

Oratória de Natal, de Telemann
Ano: 1759
A produção musical de Georg Philipp Telemann (1681-1767) desafia a capacidade inventiva e a tenacidade – só na música sacra há a contabilizar 1500 cantatas, uma quarentena de Paixões e uma dezena de oratórias, entre as quais está Die Hirten Bei der Krippe zu Bethlehem (Os pastores junto à manjedoura de Belém) TWV 1: 797, mais conhecida como Oratória de Natal, estreada em 1759 em Hamburgo, cidade de que foi director musical durante 46 anos. Claro que não se trata da única peça de Telemann para esta quadra, pois muitas das suas cantatas também são de temática natalícia.

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