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Rolo Mecânico
©DRO rolo perfurado de um piano mecânico

Oito peças para instrumentos mecânicos

Uma versão para piano a quatro mãos de uma peça de Mozart destinada ao órgão mecânico serve para recordar a obscura história da música composta para geringonças.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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A automação e a inteligência artificial estão hoje na ordem do dia e a música não tem sido poupada à “invasão dos robots”: todos os dias surgem anúncios de progressos neste domínio, desde programas capazes de compor canções pop de acordo com receitas de sucesso garantido, ou de simular na perfeição o estilo dos velhos mestres ou de completar obras que estes deixaram inacabadas, até robots capazes de tocar trompete (o Toyota Partner) ou piano (Don Cuco El Guapo). Porém, os instrumentos mecânicos – e o deslumbramento das massas com as suas proezas – têm uma história já com alguns séculos: o mais antigo de que há registo terá sido um órgão mecânico que foi construído, c.1569-72, nos jardins da Villa d’Este, em Tivoli, Itália, por Lucha Clericho – era accionado por uma cascata e era capaz de reproduzir três peças musicais “programadas”, para lá de poder ser operado manualmente através de um teclado.

Mozart por Maria João Pires & Lilit Grigoryan

Fundação Gulbenkian. Qua (13 de Novembro) 20.00. 24-48€.

Oito peças para instrumentos mecânicos

1. Adagio & Allegro K.594, de Mozart

Ano: 1790
Instrumento: órgão mecânico

Foi encomendado, tal como a Fantasia K.608 e o Andante K.616, pelo Conde Joseph Deym von Stritetz, uma bizarra figura que, após ter fugido de Viena na sequência de um duelo, regressara à cidade, a coberto do pseudónimo Joseph Müller, e abrira um Kunstkabinett, uma mescla de museu de figuras de cera, colecção de órgãos mecânicos e galeria de arte. O K.594 destinava-se a servir de música fúnebre para o recentemente falecido Marechal Ernst Gideon Freiherr von Laudon (1717-1790), comandante-chefe das forças armadas austríacas e que em 1789 lograra conquistar Belgrado aos turcos.

[O Marechal Ernst Gideon Freiherr von Laudon, num retrato anónimo c.1780]

A figura de cera de Laudon podia ser vista no museu, num ataúde de vidro, junto ao qual um órgão accionado por um mecanismo de relojoaria tocava, de hora a hora, o K.594. Mozart encarou a encomenda numa perspectiva estritamente “alimentar”, abominou o instrumento a que se destinava, queixando-se de que “os seus tubos eram estridentes e pueris”, e confessou à esposa tê-la composto com tremendo enfado.

Após a morte de Mozart, no ano seguinte, o espólio do Kunstkabinett Müller foi enriquecido com a máscara de cera do compositor – e é lícito imaginar que esta faria uma careta de desagrado de cada vez que o órgão mecânico reproduzia o K.594.

[O K.594 tocado num órgão “a sério” por Gunther Hassellmann]

2. Peças para relógio musical Hob.XIX:1-32, de Haydn

Ano: 1788-93
Instrumento: Órgão mecânico

Os instrumentos mecânicos estavam em voga na Viena da viragem dos séculos XVIII/XIX e também Haydn foi solicitado a compor para eles. O catálogo das suas obras inclui 32 peças muito breves destinadas ao “Flötenuhr”, um relógio mecânico que a cada hora fazia soar uma melodia num pequeno órgão de tubos, que terá sido desenvolvido por Joseph Primitivus Niemecz, um monge e inventor que era responsável pela biblioteca e pela colecção de relógios e artefactos mecânicos reunida por Nikolaus I Esterházy, o “patrão” de Haydn, e que também tocou vários instrumentos na orquestra da corte. Terá sido Niemecz a encomendar as peças a Haydn.

[Peças n.º 1, 2, 5, 10, 11 e 12, numa execução num órgão “a sério”, por Bruno Vlahek]

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3. Vitória de Wellington op.91, de Beethoven

Ano: 1813
Instrumento: Panharmonicon

O inventor alemão Johann Nepomuk Mälzel (1772-1838) é conhecido sobretudo como inventor do metrónomo, mas o seu fascínio por dispositivos mecânicos levou-o a construir vários autómatos musicais, o mais ambicioso dos quais foi o Panharmonicon, desenvolvido em 1805 e que reproduzia partituras orquestrais a partir de rolos perfurados.

A vitória do Duque de Wellington sobre as forças napoleónicas na batalha de Vitoria, no País Basco, a 21 de Junho de 1813, deu a Mälzel a ideia de solicitar a Beethoven uma peça alusiva ao evento que pudesse ser reproduzida pela sua maquineta.

[O Panharmonicon, numa gravura publicada em L’Illustration, 1846]

A composição de Beethoven acabou por revelar-se demasiado ambiciosa para as capacidades da máquina, pelo que o compositor acabou por transformá-la numa peça para orquestra real: a Vitória de Wellington (Wellingtons Sieg oder Die Schlacht bei Vittoria), foi estreada a 8 Dezembro de 1813 em Viena, num concerto em que também se ouviram a Sinfonia n.º 7 de Beethoven e um autómato trompetista criado por Mälzel.

Porém, as relações entre Beethoven e Mälzel logo azedaram, pois o segundo pretendia que a peça fora concebida por ele e que Beethoven se limitara a preencher a estrutura que ele delineara, e Beethoven levou a disputa da autoria para os tribunais, onde lhe foi dada razão. A peça ganhou uma popularidade tal que se tornou numa das que mais dinheiro deu a ganhar a Beethoven.

[Parte I (“Batalha”), pela Orquestra Sinfónica de Minneapolis, com direcção de Antal Dorati (Mercury)]

4. Étude pour Pianola, de Stravinsky

Ano: 1917
Instrumento: pianola

Até ao século XX, Beethoven foi o único compositor de renome a compor uma peça expressamente para um dispositivo mecânico, mas a situação foi alterada pelo advento da pianola. O mais antigo protótipo de piano mecânico foi patenteado em 1842 por Claude Seytre, mas seria preciso mais meio século até que, com o modelo desenvolvido em 1895 por Edwin S. Votey, surgisse um piano mecânico operacional, que utilizava um sistema pneumático accionado por pedais como “fonte de energia” e em que a música era registada em rolos de papel perfurado.

A firma pioneira no seu desenvolvimento e comercialização foi a Aeolian Company que, em 1903, já tinha 9000 músicas em rolo e cujo catálogo crescia ao ritmo de 200 por mês. A popularidade deste geringonça poderá hoje parecer difícil de compreender, mas há que atender que o fonógrafo, inventado em 1877, tinha ainda uma qualidade de som roufenha e baça e que, por comparação, a pianola era o “hi-fi” da época.

A Aeolian Company, fundada em Nova Iorque em 1887, começara por fabricar órgãos mecânicos, mas deslocou as prioridade para o piano operado por rolos, nomeadamente através de campanhas publicitárias maciças.

A primeira peça composta expressamente pra pianola terá sido a Introduction & Andante Grazioso, do obscuro organista e compositor americano Homer Newton Bartlett, surgida em 1904, mas a partir de 1917 (e até 1921) a Aeolian fez encomendas de peças a compositores famosos peças para a sua geringonça – um deles foi Igor Stravinsky.

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5. Três Peças para Pianola, de Casella

Ano: 1918
Instrumento: pianola

As encomendas pela Aeolian Company incluíram nomes como os britânicos Eugene Goossens e Herbert Howells e os italianos Gian Francesco Malipiero e Alfredo Casella. Casella, um dos mais notáveis compositores da primeira metade do século XX, hoje muito esquecido, contribuiu com um Prelúdio, Valsa e Ragtime.

6. Tocata para Teclado Mecânico, de Hindemith

Ano: 1926
Instrumento: pianola

Paul Hindemith (1895-1963) foi um dos mais prolíficos compositores do século XX e produziu música em todos os géneros e para todas as circunstâncias, pelo que não é de estranhar que também tenha composto uma peça para piano mecânico. A Toccata für das Mechanische Klavier (Tocata para Teclado Mecânico) surgiu na altura em que a popularidade da pianola começara a sua curva descendente, em resultado do aperfeiçoamento do fonógrafo e do advento da rádio.

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7. Estudo para pianola n.º 21, de Nancarrow

Ano: c.1961
Instrumento: pianola

Foi no compositor americano Conlon Nancarrow (1912-1997) que a música para pianola (“piano player”, na designação anglo-saxónica) atingiu o zénite. As composições para piano de Nancarrow eram de uma complexidade e exigência técnica tal que ele raramente ficava satisfeito com as execuções – quando descobriu que a pianola não enfermava das “limitações” dos pianistas humanos, começou a compor quase exclusivamente para este dispositivo. As peças mais importantes de Nancarrow são os “Studies for Player Piano”, uma série de peças breves e de infernal complexidade rítmica que compôs num período de 40 anos, entre 1948 e 1988.

8. Circus Galop, de Hamelin

Ano: 1994
Instrumento: pianola

Marc-André Hamelin (n.1961) é um pianista com forte afinidade pelo sector mais tecnicamente exigente do repertório para piano, sendo considerado um dos grandes intérpretes de Liszt, Alkan, Medtner, Kapustin e Godowsky. Tem também composto algumas peças para piano nesta linha, bem como três peças para pianola: Solfeggietto (1999, a partir de C.P.E Bach), Pop Music? (1998) e Circus Gallop (1994, para duas pianolas)

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A tradição cristã atribui a autoria do texto do hino Te Deum aos santos Agostinho de Hipona e Ambrósio de Milão, no ano de 387, mas alguns especialistas apontam antes para Aniceto, bispo de Remesiana, que também viveu no século IV.

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