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Ziggy Stardust: A Celebration of David Bowie’s Life
Ziggy Stardust: A Celebration of David Bowie’s Life

Oito videoclips que fizeram história

Nenhuma banda, por ignota e modesta que seja, lança um disco sem o anunciar através de um videoclip – mas nem sempre foi assim.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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A ideia de criar um filme breve para promover uma canção através da televisão é antiga e não tem um momento inicial identificável – ainda que Tony Bennett reclame ter sido o primeiro a fazê-lo com “Stranger in Paradise”, de 1956. Os Beatles não foram certamente os primeiros, mas estiveram na vanguarda na produção de videoclips em moldes similares aos actuais e a ter apreciável difusão. Claro que os videoclips pioneiros – mesmo os das bandas mais afamadas e com maiores orçamentos – têm hoje um ar ingénuo e amador e só com a MTV, nos anos 80, emergiu uma nova cultura visual e o videoclip ganhou a sofisticação que hoje conhecemos. Até lá houve um longo percurso de aprendizagem.

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Oito videoclips que fizeram história

“Subterranean Homesick Blues”, de Bob Dylan

Ano: 1965
Realizador: D.A. Pennebaker
Disco: single do álbum Bringing It All Back Home (1965)

Bob Dylan não só foi um dos pioneiros do videoclip como inaugurou o género do “lyrics video”, em que a letra da canção vai sendo exibida em folhas ou cartazes. Possuindo Dylan um espírito iconoclasta e petulante, era inevitável que o momento inaugural do “lyrics video” fosse pouco ortodoxo: as folhas que Dylan passa (e que foram preparadas pelo próprio, com a ajuda do poeta beat Allen Ginsberg) estão deliberadamente infestadas de erros ortográficos, trocadilhos e piadas.

O trecho que forma o videoclip e que foi filmado numa rua de Londres, viria a constituir a abertura de Don’t Look Back (1965), o documentário sobre Dylan realizado por D.A. Pennebaker.

“Strawberry Fields Forever”, dos Beatles

Ano: 1967
Realizador: Peter Goldmann
Disco: single do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967)

Por volta de 1966, os Beatles estavam a ficar enfadados de duas coisas: tournées e aparições na TV para promover novos discos. Puseram um ponto final nos concertos ao vivo com a actuação no Candlestick Park, em São Francisco, a 29 de Agosto de 1966; e passaram a usar, sempre que possível, “filmes promocionais” para substituir a ida aos estúdios de televisão de cada vez que lançavam um single.

Assim, quando saiu o single “Strawberry Fields Forever”/“Penny Lane” (com a particularidade de ter dois lados A), preferiram filmar um videoclip para cada uma das canções, como já tinham feito em 1966 para o single “Paperback Writer”. Na verdade, os Beatles tinham vindo a fazer uma forte investimento na componente visual também na longa-metragem, com A Hard Day’s Night, (1964) e Help! (1965). Seguir-se-iam Magical Mystery Tour (1967), Yellow Submarine (1968) e Let It Be, surgido em 1970, já depois da dissolução da banda.

Consta que Paul McCartney terá augurado, quando o single foi lançado, que “no futuro todos os discos terão não só som como imagem. Daqui a 20 anos, as pessoas espantar-se-ão por ter havido gente que apenas ouvia os discos”. Falhou apenas por alguns anos.

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“We Love You”, dos Rolling Stones

Ano: 1967
Realizador: Peter Whitehead
Disco: single

Os rivais dos Beatles não ficaram atrás destes no uso da imagem aliada à música: tinham-se estreado na modalidade em 1966 com os videoclips “Have You Seen Your Mother, Baby, Standing in the Shadow?”, “Lady Jane” e “Let´s Spend the Night Together”, todos dirigidos por Peter Whitehead, e em 1967 lançaram mais três com o mesmo realizador.

“We Love You” partilha da atmosfera psicadélica e das orquestrações elaboradas e orientalizantes do álbum Their Satanic Majesties Request (1967), mas não faz parte do seu alinhamento, só tendo surgido como single. A canção, de mensagem libertária e anti-sistema (“Nunca nos submeterão/ Os vossos uniformes não nos servem”), pode ser vista como uma réplica dos Rolling Stones a “All You Need Is Love” dos Beatles e, tal como Jagger e Richards participaram nos coros da canção dos Beatles, também Lennon e McCartney emprestaram as suas vozes a “We Love You”.

O pendor anti-sistema da canção não é meramente abstracto: em 1967, Jagger e Richards tinham visto os crescentes atritos com as autoridades envolvendo a posse e consumo de estupefacientes culminar numa condenação em tribunal a penas relativamente pesadas. “We Love You” foi gravada enquanto Jagger e Richards aguardavam decisão do recurso que tinham interposto (e que acabou por atenuar as penas) e tinha a dupla função de manifesto e de agradecimento a quem tinha apoiado a banda naqueles momentos difíceis. O videoclip alude ao processo judicial através da encenação de um julgamento em que Jagger e Richards surgem como réus (e onde aparece também Marianne Faithfull, namorada de Jagger à data), sendo esta “narrativa” intercalada com imagens da banda a tocar – dando alguns planos a ver Brian Jones com ar visivelmente pedrado.

“Arnold Layne”, dos Pink Floyd

Ano: 1967
Realizador: Derek Nice
Disco: single

É difícil reconhecer, do ponto de vista da música, da letra, das imagens e do imaginário, os Pink Floyd no videoclip do seu single de estreia. Por esta altura, a banda era completamente comandada pelas fantasias lisérgicas, surrealistas e pueris de Syd Barrett, vocalista, guitarrista e principal compositor da banda. Porém, uns meses depois, Barrett começaria a dar sinais de crescente desequilíbrio psíquico, David Gilmour acabaria por tomar o seu lugar e os Pink Floyd tornar-se-iam, pouco a pouco, numa banda ponderosa, grandiloquente e enfadonha.

“Arnold Layne”, sobre uma bizarra personagem cujo hobby é roubar roupa feminina dos estendais e vestir-se com ela, não granjeou muito sucesso à data e, como não foi incluída no primeiro álbum de originais da banda, The Piper at the Gates of Dawn (1967), acabou por apenas ressurgir na compilação Relics (1983), embora seja indubitavelmente uma das melhores canções da banda.

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“Life on Mars?”, de David Bowie

Ano: 1973
Realizador: Mick Rock
Disco: single do álbum Hunky Dory (1971)

Embora David Bowie tenha sido porventura quem mais contribuiu para dar relevância à componente visual do pop-rock, não aderiu de imediato ao videoclip como meio de promoção da música. Isto gerou alguns desfasamentos de imagem, pois quando filmou alguns videoclips já encarnara uma persona diversa daquela que gravara a canção. É o caso de “Life on Mars?”, incluído no álbum Hunky Dory, de 1971, que só teve direito a single e ao respectivo videoclip em 1973.

O fotógrafo Mick Rock, que se diria ter o destino inscrito no apelido, fizera as fotos de Syd Barrett para The Madcap Laughs (1970) e de Lou Reed para Transformer (1972) e associou-se a Bowie em 1972, tornando-se responsável por boa parte do registo fotográfico da fase Ziggy Stardust e dirigindo três videoclips em 1973 (contando com este “Life on Mars?”). No curriculum de Rock, que se estende até aos nossos dias, figuram nomes como Iggy Pop, Ramones, Jane’s Addiction ou Queens of the Stone Age.

“Video Killed the Radio Star”, dos Bugles

Ano: 1979
Realizador: Russell Mulcahy
Disco: single do álbum The Age of Plastic (1980)

A componente musical é olvidável – uma reformulação de Kraftwerk em plástico barato e de cores garridas – e a componente visual, já de si pouco brilhante, envelheceu mal, mas é impossível fazer uma história do videoclip sem mencionar “Video Killed the Radio Star”. Por um lado, porque o próprio título e letra da canção falam do fim do mundo das “estrelas da rádio”, destronadas pela televisão nos anos 50-60. Por outro porque, por ironia do acaso ou presciência, esta canção sobre o começo do primado da imagem foi o primeiro videoclip transmitido por uma nova cadeia de televisão chamada... MTV. A MTV seria, nos anos 80 e 90, a mais poderosa força a moldar o pop-rock e, por inerência, a cultura juvenil, levando mesmo a que se aplique o termo Geração MTV como sinónimo de Geração X. As modas emanadas da esfera do pop-rock anglo-saxónico há muito que se infiltravam na cultura juvenil do Ocidente, mas a sua influência exercia-se de forma amortecida e retardada; porém, com a MTV a repercussão tornou-se directa, imediata e global, criando, pela primeira vez na história, uma comunidade juvenil homogeneizada à escala planetária.

The Buggles – o vocalista, baixista e produtor Trevor Horn e o teclista Geoff Downes – tiveram com o single de estreia “Video Killed the Radio Star” um êxito estrondoso, que não seria repetido pelo álbum. Após um bizarro interregno em que se fundiram com uma versão amputada dos Yes e um segundo álbum que foi um fiasco, o grupo dissolveu-se sem deixar grandes saudades.

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“Ashes to Ashes”, de David Bowie

Ano: 1980
Realizador: David Bowie & David Mallet
Álbum: single do álbum Ashes to Ashes (1980)

Sendo Bowie figura central na concepção do pop-rock como “obra de arte total”, é natural que tenha direito a uma segunda entrada nesta selecção. O videoclip de “Ashes to Ashes” marca a ascensão a um novo patamar de sofisticação, envolvendo filmagens em diferentes locais e cenários elaborados, o que o tornou no mais caro videoclip do seu tempo – o seu custo de 250.000 libras só seria ultrapassado em 1983, com o gongórico “Thriller” que John Landis realizou para Michael Jackson, que custou 900.000 dólares.

“Once in a Lifetime”, dos Talking Heads

Ano: 1981
Realizador: Toni Basil & David Byrne
Álbum: Remain in Light

A relevância e excelência dos videoclips não se afere pelo seu orçamento e se fosse necessária prova disso bastaria apresentar o videoclip de “Once in a Lifetime”, que David Byrne co-realizou com a coreógrafa, realizadora, actriz e cantora Toni Basil. Os recursos são mínimos e tudo assenta nas capacidades performativas de David Byrne, que se entrega a uma desarticulada e extravagante gesticulação, numa paródia aos pregadores evangélicos televisivos, tendo por pano de fundo imagens de arquivo de cerimónias religiosas em vários pontos do globo – o que se coaduna com a componente vocal da canção, em que Byrne perora enfaticamente, como um pregador, e recebe respostas de um coro. “Once in a Lifetime” não só é uma das mais efervescentes canções de sempre, como o seu videoclip pouco envelheceu em 38 anos.

O investimento de Byrne na componente visual da música teria, pouco depois, outra concretização notável, quando em 1984 surgiu Stop Making Sense, um filme-concerto com os Talking Heads como protagonistas e Johnatan Demme como realizador, que se tornaria numa referência do género.

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