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Música, Clássica, Antonio Vivaldi
©DRAntonio Vivaldi

Sete árias de Vivaldi que precisa de ouvir

Se está com muito tempo livre, é uma boa oportunidade para descobrir que Vivaldi não é só o autor de 'As Quatro Estações'

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Antonio Vivaldi (1678-1741) foi um dos mais inspirados e prolíficos compositores de sempre e as suas obras foram tocadas e impressas um pouco por toda a Europa, influenciando compositores como Bach, que adaptou vários dos seus concertos, mas esta celebridade não o poupou nem a ter morrido na miséria em Viena nem a ter caído no esquecimento durante séculos.

O seu “regresso à superfície” foi lento: começou em meados do século XX com os concertos para violino As Quatro Estações, que foram, durante muito tempo, a única obra sua que era programada e gravada com regularidade. Na década de 1980, os especialistas começaram a desenterrar os outros 300 concertos – a maior parte deles tão inspirados como As Quatro Estações – e algumas peças da sua vasta produção de música sacra começaram a ser “arejadas”. Mas foi preciso a mezzo-soprano Cecilia Bartoli ter lançado, em 1999, The Vivaldi Album (Decca) para que o mundo tomasse consciência do génio operático de Vivaldi e para que as editoras arriscassem gravar na íntegra dezenas de óperas que permaneciam, quase todas, inéditas em disco ou que não tinham sequer voltado a ser cantadas desde a morte de Vivaldi. Entre essas gravações há que destacar a monumental Vivaldi Edition empreendida pela Naïve, em colaboração com vários musicólogos, que se propõe gravar as 450 obras do compositor que constam do acervo da Biblioteca Nacional de Turim e que tem vindo a revelar uma notável sucessão de óperas e de árias soltas. Vivaldi gabava-se de ter composto 80 óperas, número que hoje não pode ser confirmado, pois parte do que compôs se perdeu, mas chegaram aos nossos dias, em forma integral ou incompleta, 46 óperas. Eis algumas sugestões para começar a explorar esse fabuloso universo.

Recomendado: Os concertos de música clássica não param e são para ver na sua sala

Sete árias de Vivaldi que precisa de ouvir

“Se il Cor Guerriero”, de Tito Manlio

Estreia: Teatro Arquiducal, Mântua, 1719
Libreto: Matteo Noris
Personagem: Tito Manlio, cônsul romano

O libreto inspira-se nos conflitos entre romanos e latinos nos primórdios da República Romana, antes de esta ter conquistado a hegemonia na Península Itálica, e adiciona-lhe uma enredada intriga amorosa com amores cruzados, entre gente que está em lados opostos do campo de batalha. O cônsul romano Tito Mânlio Torquato (Titus Manlius Torquatus), que foi chamado a chefiar os destinos de Roma, confia o comando das tropas ao seu filho Manlio com a ária “Se il Cor Guerriero”, em que o adverte para não se deixar levar pelas emoções e conduzir o combate de cabeça fria: “Se o coração guerreiro/ Te incita ao combate/ Pensa na lei/ E no teu dever// Evita a prova/ Da batalha/ E não te deixes seduzir/ Pelo vão prazer”.

A recomendação cairá em saco roto, o que terá funestas consequências para Manlio.

[Por Sergio Foresti (barítono) e o ensemble Modo Antiquo, em instrumentos de época, dirigido por Federico Maria Sardelli (Naïve/Opus 111)]

“Mi Vuoi Tradir, lo Sò”, de La Verità in Cimento

Estreia: Teatro San Angelo, Veneza, 1720
Libreto: Giovanni Palazzi
Personagem: Melindo, filho do sultão Mamud

O enredo gira em torno da designação do sucessor do sultão Mamud. Os dois candidatos são Melindo, que é quem tem mais fortes possibilidades, pois é (supostamente) filho da sultana Rustena, e Zelim, (supostamente) filho de Damira, a concubina favorita de Mamud. Se as questões sucessórias na corte do sultão já eram, por si, um assunto espinhoso, neste caso tudo se torna mais complicado porque Mamud trocou, secretamente, as duas crianças à nascença.

Quando é anunciado o casamento de Melindo com a princesa Rosana, Melindo suspeita que esta se prepara para traí-lo e cair nos braços de Zelim e dá largas ao seu ciúme na ária “Mi Vuoi Tradir, lo Sò”: “Queres trair-me, bem sei/ Cruel/ Coração ingrato/ E banir do teu peito/ A fidelidade// Não pode fazer-se fé/ Num coração/ Enganador/ Que cobre o amor/ Com o manto da piedade”.

Esta ária teve duas versões, pois Vivaldi, como os restantes compositores barrocos, revia constantemente as suas óperas em função das capacidades dos cantores disponíveis para cada récita. A versão que abaixo se apresenta é a que foi suprimida e que só foi descoberta recentemente, quando as pesquisas para a Vivaldi Edition foram tirando a poeira às partituras da Biblioteca Nacional de Turim.


[Por Sonia Prina (contralto) e a Accademia Bizantina, em instrumentos de época, com direcção de Ottavio Dantone, em Arie Ritrovate (Naïve/Opus 111)]

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“Vedrà Con Mio Diletto”, de Giustino

Estreia: Teatro Capranica, Roma, 1724
Libreto: Antonio Maria Lucini
Personagem: Anastasio, imperador de Bizâncio

O libreto inspira-se remotamente na ascensão ao trono do Império Bizantino de um ignoto camponês que reinou como Justino I entre 518 e 527, mas descarta os factos históricos e ergue uma fantasia rocambolesca em que Giustino salva a princesa Leocasta, irmã do imperador Anastasio (Anastácio I) das garras de um urso e acaba por ser arrastado para o torvelinho das lutas pelo poder em Bizâncio. A ária “Vedrà Con Mio Diletto é cantada por Anastasio antes de se defrontar no campo de batalha com o seu rival Vitaliano, que lhe cobiça o trono e a esposa, Arianna. É nesta – e não no combate iminente – que Anastasio pensa quando canta esta ária.

[Por Philippe Jaroussky (contratenor) e o Ensemble Mattheus, em instrumentos de época, dirigido por Jean-Christophe Spinosi]

“Gelido in Ogni Vena”, de Farnace

Estreia: Teatro San Angelo, Veneza, 1727
Libreto: Antonio Maria Luchini
Personagem: Farnace, rei do Ponto

Na iminência de ver o reino e a família cair nas mãos das tropas romanas, comandadas por Pompeu, o rei Farnace, em desespero, ordena à esposa, Tamiri que mate o filho e se suicide em seguida. Tamiri não cumpre a primeira ordem e é impedida pela sua mãe, Berenice, de cumprir a segunda. Quando Farnace, que anda fugido dos romanos, se cruza, por acaso, Tamiri, censura-a asperamente por continuar viva. Mas acredita nela quando Tamiri lhe diz que matou o filho, o que acaba por desencadear o remorso de Farnace na ária “Gelido in ogni vena”: “Por todas as veias sinto/ Escorrer o sangue gelado/ A sombra do meu filho exangue/ Inunda-me de terror// E para fazer maior a minha pena/ Vejo que fui cruel/ Para com uma alma inocente/ A carne da minha carne”.

Atente-se na sonoridade glacial dos violinos,

[Por Simone Kermes (soprano) e a Orquestra Barroca de Veneza, em instrumentos de época, dirigida por Luca Meles, ao vivo no festival de Schwetzinger, 2010]

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“Nel Profondo Cieco Mondo”, de Orlando Furioso

Estreia: Teatro San Angelo, Veneza, 1727
Libreto: Grazio Braccioli, segundo o poema Orlando Furioso de Ludovico Ariosto
Personagem: Angelica

A ópera barroca assenta quase sempre em amores não correspondidos e Orlando Furioso (de que Vivaldi já compusera uma versão completamente diferente em 1714) não é excepção: Orlando, um cavaleiro destemido mas de estabilidade psicológica periclitante, está perdidamente apaixonado por Angelica, mas esta não está interessada nele, pois ama Medoro. Este é vítima de um naufrágio e é salvo por Angelica, que, a fim de não despertar as suspeitas do hiper-ciumento, Orlando, lhe diz que Medoro é seu irmão. Imediatamente antes deste episódio, Orlando exprime as inquietações que lhe vão na alma na ária “Nel Profondo Cieco Mondo”: “Que neste profundo/ E sombrio mundo/ Se precipitem as sortes/ Contrárias ao meu coração// O amor vencerá/ Tornado mais forte pela coragem”.

Os papéis heróicos da ópera barroca eram quase sempre atribuídos a vozes de mulher – soprano, mezzo-soprano ou, como neste caso, de contralto – ou de castrati, e no verso “Nel profondo cieco mondo”, Vivaldi faz a voz descer a profundezas que requerem uma contralto excepcional.

[Por Marie-Nicole Lemieux (contralto) e o Ensemble Mattheus, em instrumentos de época, dirigido por Jean-Christophe Spinosi (Naïve/Opus 111)]

“Gemo in un Punto i Fremo”, de L’Olimpiade

Estreia: Teatro San Angelo, Veneza, 1734
Libreto: Pietro Metastasio
Personagem: Licida

O libreto tem por pano de fundo os Jogos Olímpicos – os da era Clássica, bem entendido – e o enredo envolve, inevitavelmente, realeza e teias amorosas cruzadas. Para aumentar a confusão, há personagens que se apresentam sob disfarces e nomes falsos.

Licida está apaixonado pela princesa Aristea, cuja mão será entregue, pelo seu pai, Clistene, rei de Sicione (Scyon), ao vencedor dos Jogos, mas a princesa Argene, filha do rei de Creta, que chegou a ser noiva de Licida (antes de este romper o noivado), está mesmo apaixonada por ele e está disposta a reconquistá-lo – e é com esse fito que chega a Sicione disfarçada de pastora.

Licida vê-se envolvido em sarilhos tão rocambolescos que requereriam muitas dezenas de linhas para serem explanados e, ao mesmo tempo que enfrenta a fúria da rejeitada Argene, recebe ordem de expulsão do rei Clistene. É neste momento de grande aflição que canta a ária “Gemo in un Punto i Fremo”: “Gemo e tremo/ Sombrio se me afigura o dia/ Cem espectros me rodeiam/ Sinto mil fúrias no peito// Megera, de face ensanguentada,/ Queima-me o coração/ Aleto enche-me todas as veias/ Com o seu frio veneno”.

[Por Sara Mingardo (contralto) e o Concerto Italiano, em instrumentos de época, com direcção de Rinaldo Alessandrini (Naïve/Opus 111)

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“Dopo un’Orrida Procella”, de Griselda

Estreia: Teatro San Samuele, Veneza, 1735
Libreto: Carlo Goldoni, a partir de libreto de Apostolo Zeno, baseado num episódio do Decameron, de Bocaccio
Personagem: Ottone

Mais um enredo que envolve uma personagem de origens humildes que ascende ao trono. Desta vez é a pastora Griselda, que Gualtiero, rei da Tessália, escolhe para ser sua rainha. Porém, o casamento é mal visto pela corte e pelo povo e Gualtiero, embora ame genuinamente Griselda, ao ver-se confrontado com uma rebelião popular, é obrigado a renegá-la e a devolvê-la ao modesto tugúrio de onde viera. O vil cortesão Ottone, que está apaixonado por Griselda, fora quem instigara os tumultos, de forma a forçar o rei a renegá-la. Quando Gualtiero concede a Ottone que se case com a sua ex-esposa, Ottone não cabe em si de contente – e é então que canta esta ária, que nos diz que “Após uma horrenda tempestade/ Brilha claro o céu sereno/ E dissipa no nosso peito/ Os afãs e os receios”. É uma aria di tempesta, um momento típico da ópera barroca, que estabelece uma analogia entre os ventos e ondas de uma tempestade marítima e os tumultos emocionais que agitam as personagens.

[Por Cecilia Bartoli (mezzo-soprano) e Il Giardino Armonico, em instrumentos de época, com direcção de Giovanni Antonini, em The Vivaldi Album (Decca)]

Clássicos da clássica

Oito sonatas para piano de Beethoven que precisa de ouvir
  • Música
  • Clássica e ópera

Em 1792, o Conde Ferdinand von Waldstein, um dos principais mecenas de Beethoven, despediu-se deste, que tinha então 22 anos e deixava a sua cidade natal Bona para ir estudar em Viena, com uma recomendação: “Através de inabalável diligência, recebereis o espírito de Mozart das mãos de Haydn”. Mozart terá sido o modelo de Beethoven na juventude. Já as aulas que teve com Haydn parecem ter sido pouco profícuas. Mas se Beethoven começou por ter Mozart como modelo, em breve desenvolveu uma voz própria.

  • Música
  • Clássica e ópera

Wolfgang Amadeus Mozart legou-nos abundante produção para solista e orquestra, antes de mais para o seu instrumento de eleição, o piano, para o qual compôs 27 concertos, a maior parte destinados a servir de veículo ao seu virtuosismo no instrumento. Mas a criatividade de Mozart foi também posta ao serviço de instrumentos como o violino, o clarinete, a trompa, o oboé ou o fagote, e até mesmo a flauta, um instrumento com o qual embirrava.

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  • Clássica e ópera

Franz Liszt começou a aprender piano aos sete anos, aos nove já se apresentava em concertos públicos e aos 12 publicou a sua primeira obra, numa colecção em que surgia ao lado de Beethoven e Schubert. Tornou-se num dos maiores virtuosos do piano de todos os tempos e percorreu a Europa em frenéticas tournées, suscitando uma idolatria similar à das estrelas rock de hoje e fazendo palpitar muitos corações femininos com as longas melenas e a pose estudada para causar sensação.

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