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Paris em Abril (1952)
©DRParis em Abril de David Butler

Teremos sempre Paris: dez versões clássicas de “April in Paris”

As circunstâncias interditam viagens a Paris (ou a qualquer outro lugar), mas pode sempre ir até lá em espírito

Escrito por
José Carlos Fernandes
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“April in Paris” foi composta por Vernon Duke (música) e E.Y. Harburg (letra) para o musical Walk a Little Faster, com textos de S.J. Perelman e Robert McGunigle, que se estreou na Broadway a 7 de Dezembro de 1932 e teve um sucesso modesto, ficando-se pelas 119 representações. “April in Paris” não teve, de início, bom acolhimento pela crítica nova-iorquina, pois na noite da estreia, Evelyn Hoey, a quem coube cantar a canção, estava com laringite, mas acabou por ganhar o apreço do público, da crítica e dos músicos de jazz.

Para a difusão da canção no início da década de 1950 contribuiu o filme April in Paris, estreado em 1952, e que contava com uma mão-cheia de composições de Vernon Duke, incluindo, claro, a canção homónima. O filme, com realização de David Butler, tinha Doris Day e Ray Bolger nos papéis principais, ele no papel de um burocrata menor do Departamento de Estado dos EUA e ela no de uma ignota corista da Broadway que, por engano, recebe um convite, endereçado a uma actriz famosa, para representar o teatro americano num evento cultural em Paris.

Apesar da ideia de luz e renascimento associada à Primavera, “April in Paris” tem uma aura melancólica. Os dias primaveris em Paris foram inebriantes e mudaram o curso da vida: “Nunca conheci o encanto da Primavera/ Nunca o encontrei cara a cara/ Nunca soube que o meu coração era capaz de cantar/ Nunca senti a falta de um abraço envolvente/ Até aquele Abril em Paris/ Com os castanheiros em flor”. Porém, o episódio romântico parisiense ficou para trás e agora é só uma recordação agridoce: “Abril em Paris, é um sentimento/ Que ninguém será capaz de resgatar”.

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Teremos sempre Paris: dez versões clássicas de “April in Paris”

1. Coleman Hawkins

Ano: 1945
Álbum: Classics in Jazz (Capitol)

A sessão, sob a liderança do saxofonista tenor Coleman Hawkins, que produziu este “April in Paris” (e mais três faixas) foi registada a 23 de Fevereiro de 1945, em Hollywood, e contou com Howard McGhee (trompete), Alan Reuss (guitarra), Charles Thompson (piano), Oscar Pettiford (contrabaixo) e Denzil Best (bateria). Em 1952 as quatro faixas foram acopladas a mais quatro registadas, quinze dias depois, por equipa similar, e editadas como o LP de 10’’ Classics in Jazz. Como o título indica, tem por programa composições clássicas e é uma peça essencial na discografia de Hawkins.

2. Thelonious Monk

Ano: 1947
Álbum: Genius of Modern Music vol. 1 (Blue Note)

O título Genius of Modern Music pode parecer pretensioso, mas não destoa no tipo de marketing então em voga na indústria musical e, por outro lado, não comporta exagero algum: Thelonious Monk era mesmo um génio, como comprova esta versão que se afasta nitidamente do romantismo lânguido até então associado a “April in Paris”.

Genius of Modern Music é um disco com uma história confusa, pois reúne três sessões com diferentes formações realizadas em 1947 e as várias edições que teve – LP de 10’’ em 1951, LP de 12’’ em 1956, CD em 1989 – têm diferentes conteúdos. “April in Paris”, gravado a 24 de Outubro de 1947 com Gene Ramney (contrabaixo) e Art Blakey (bateria), não figurava no LP de 10’’ de 1951.

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3. Stan Kenton

Ano: 1953
Álbum: Portraits on Standards (Capitol)

Ao longo da década de 1940, Stan Kenton dirigiu várias formações orquestrais que acolhiam nas suas fileiras músicos de primeiro plano e obtiveram apreciável sucesso de público e crítica, em parte graças aos inovadores arranjos e composições de Pete Rugolo, que Kenton recrutara em 1945. As dificuldades financeiras vividas pelas big bands na viragem das décadas de 1940-50 levaram a que Kenton dissolvesse e refundasse a sua orquestra várias vezes e a que, após gravar os audaciosos Innovations in Modern Music (1950) e New Concepts of Artistry in Rhythm (1952), tivesse de fazer concessões comerciais com álbuns como Portraits on Standards, Sketches on Standards e Popular Favorites by Stan Kenton (todos gravados em 1953), com programa preenchido por standards bem conhecidos e arranjos com algum pendor para serem estridentes e enfáticos. Em Portraits on Standards são todos da autoria de Bill Russo, outro dos colaboradores regulares de Kenton.

4. Al Haig

Ano: 1954
Álbum: The Al Haig Trio (Esoteric, reed. Fresh Sound)

O pianista Al Haig (1922-1982) foi um pioneiro do bebop que começou a tocar com Charlie Parker e Dizzy Gillespie em 1945, mas nunca conseguiu alcançar a notoriedade dos seus colegas Thelonious Monk e Bud Powell. Em 1952-54 lançou quatro discos que passaram despercebidos, a que se seguiu longo interregno até 1974. Os dois discos em trio de 1954, um para a Esoteric, outro para a Counterpoint, têm a mesma equipa (o contrabaixista Bill Crow e o baterista Lee Abrahams) e o mesmo anódino título de Al Haig Trio – o mais conhecido e o que contém a versão de “April in Paris” (em piano solo) é o primeiro.

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5. Sarah Vaughan

Ano: 1954
Álbum: Sarah Vaughan (Verve)

A cantora tem vasta e meritória discografia, mas este registo (também conhecido como Sarah Vaughan with Clifford Brown) em que é acompanhada por um sexteto de luxo constituído por Clifford Brown, Herbie Mann, Paul Quinichette, Jimmy Jones, Joe Benjamin e Roy Haynes, está entre os imprescindíveis de qualquer discoteca jazz.

Em “April in Paris” Vaughan modera a sua proverbial exuberância e oferece uma versão lenta, deslizante e intensa mas controlada. À voz de Vaughan seguem-se admiráveis solos de piano (Rowles), saxofone (Quinichette) e trompete (Brown), antes de Vaughan regressar, desta feita acompanhada por comentários de trompete e, depois, de flauta (Mann).

6. Count Basie

Ano: 1955
Álbum: April in Paris (Verve)

É um dos álbuns mais famosos da vasta discografia da orquestra de Basie e marca o início de uma modernização da sua sonoridade, resultante da colaboração regular com o arranjador Neal Hefti. Neste álbum, Hefti reparte a tarefa com mais cinco colegas, sendo “Wild Bill” Davis o responsável por “April in Paris”, que tem a particularidade de ter dois falsos finais. “April in Paris” não só deu título ao álbum como acabou por integrar o repertório da orquestra.

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7. Thad Jones

Ano: 1956
Álbum: The Magnificent Thad Jones (Blue Note)

Nesta época, as editoras não eram avaras em encómios e qualificativos exaltados ao baptizar os discos: se a Blue Note apresentou Monk era um “génio”, a Debut deu ao disco de estreia do trompetista Thad Jones (1923-1986) o título de The Fabulous Thad Jones e, dois anos depois, a Blue Note não hesitou em apelidá-lo de “magnífico”. O adjectivo não é deslocado: trata-se, com efeito, de um dos marcos da carreira do trompetista (irmão do pianista Hank e do baterista Elvin), para o que conta decisivamente a excelência dos seus sidemen: Billy Mitchell (saxofone), Barry Harris (piano), Percy Heath (contrabaixo) e Max Roach (bateria).

8. Ella Fitzgerald & Louis Armstrong

Ano: 1956
Álbum: Ella & Louis (Verve)

Fitzgerald e Armstrong já se tinham cruzado esporadicamente na década de 1940, mas as suas colaborações mais marcantes são os três discos gravados para a Verve em 1956-59, o primeiro dos quais foi este Ella & Louis.

Ella e Louis têm o apoio do quarteto do pianista Oscar Peterson, com Herb Ellis (guitarra), Ray Brown (contrabaixo) e Buddy Rich (bateria), e “April in Paris” fecha o álbum em toada suave e  melancólica pela parte de Ella – a quem por vezes se aponta alguma propensão para injectar excessiva vitalidade em canções sorumbáticas, mas que aqui empresta à canção uma mágoa e um fatalismo muito adequados.

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9. Frank Sinatra

Ano: 1957
Álbum: Come Fly With Me (Capitol)

Após a série de álbuns magistrais registados com a orquestra de Nelson Riddle, em Come Fly With Me Sinatra associou-se a Billy May, que foi certamente um dos grandes arranjadores dos anos 50/60, mas aqui revela alguma falta de subtileza e insufla “April em Paris” com uma grandiloquência (sobretudo na abertura) que pouco tem a ver com o espírito da canção – e Sinatra segue o mesmo caminho.

Tal não impediu que Come Fly With Me (um disco conceptual, em que todas as canções aludem a lugares distantes ou viagens) passasse cinco semanas no top da Billboard.

10. Dinah Shore

Ano: 1960
Álbum: Dinah Sings, Previn Plays (Capitol)

Após ter passado a década de 1950 a gravar para a RCA Victor (e, pontualmente, para a Harmony, uma subsidiária da Columbia), no final de 1959 a cantora Dinah Shore mudou-se para a Capitol. Porém, a transferência coincidiu com o início do declínio da popularidade do jazz vocal em favor do rock’n’roll e, embora Shore tivesse grande notoriedade pública graças aos seus programas televisivos, as vendas dos seus discos foram minguando, o que levou a Capitol a dispensá-la em 1962 – até ao final da vida, Shore apenas registaria mais cinco álbuns.

Em Dinah Sings, Previn Plays Shore é acompanhada apenas pelo piano de André Previn, músico com carreira no mundo da música clássica (também como maestro), do jazz e das bandas sonoras para cinema.

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