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Descobrimos o segredo para pôr os miúdos a comer hortaliças! E havemos de escrever com ele o próximo best-seller internacional, que fará de nós o filho jamais imaginado do pediatra e autor Berry Brazelton e da escritora motivacional Rhonda Byrne. Enquanto não pomos esse projecto em marcha, podemos deixar aqui o resumo: pizza de espinafres e limão. Há o problema de nos faltar a receita, alguns dos exactos ingredientes e a prática. Mas nada que sucessivas visitas a Alcântara não ajudem a resolver. É lá que fica a Rico Pizza, que abriu portas no final do ano passado e cujos donos, Enrico Donaruma e Carolina Carvalhal, são, na verdade, os autores deste ovo de Colombo comido às fatias. Talvez esse seja outro problema: a ideia não nos pertence. Mas tudo se resolve. Entre uma pizza e um copo de vinho, quando o tiramisù chegar à mesa teremos certamente encontrado uma solução milagrosa para os direitos de autor.
A Espinafres e Limão (15,50€) é uma das três pizzas brancas no menu, de um total de dez. É a mais heterodoxa também – o que não quer dizer difícil. Leva mozarela, espinafres salteados em manteiga, alho confitado, sumo e raspas de limão, queijo pecorino, azeite extra virgem e pimenta preta. A base é feita com massa-mãe e a farinha usada, Paulino Horta, é moída em mó de pedra. A fermentação dura dia e meio, num processo natural e sem atalhos. “Estamos sempre de um lado para o outro, a tocar na massa, a ver se está pronta. Será que está? E agora, estará pronta? O objectivo é uma fermentação com cerca de 36 horas. Às vezes são 30, outras 48. Mas aprendemos a aproveitar ao máximo o potencial e o sabor da massa”, diz-nos Enrico, norte-americano de ascendência italiana que sonhava em abrir uma pizzaria desde 2015, quando ainda morava em Nova Iorque.
Em 2020, atravessou o Atlântico, trazendo a ideia consigo. Embora não fosse esse o propósito da mudança para Lisboa. Vinha apenas mudar de ares e continuar o seu trabalho como pintor. Já instalado, conheceu a luso-brasileira Carolina Carvalhal, artista tal como ele. Começaram por criar uma família e um estúdio. Depois, a ideia da pizzaria começou ela própria a fermentar, até que decidiram pôr o plano em marcha. Ao longo de um ano foram vendo espaços, sem sucesso. Até pararem diante de um restaurante fechado há década e meia, mesmo ao dobrar da esquina do estúdio. Compraram-no e Rico reabilitou-o com as próprias mãos, com a ajuda de mais dois construtores civis. “Nós os três fizemos tudo. Usámos o meu Mini Cooper como carrinha. Pus literalmente uma tonelada métrica de cimento dentro do meu Mini Cooper”, conta. Em simultâneo, ia continuando os testes para as pizzas que viriam a compor o menu. E Carolina ia gizando a marca – e escolhendo a cerveja (ficou a Musa) e os vinhos (ficaram só portugueses, incluindo naturais Chinado).

A Rico abriu em Novembro de 2024, na Rua da Indústria, a meio caminho entre o Calvário e o Instituto Superior de Agronomia. Para quem não frequente esta zona de Alcântara, o Google Maps pode ajudar – mas garantimos que vai poder largar o telefone várias dezenas de metros antes de chegar ao destino. A certa altura, basta seguir o nariz. O perfume das pizzas não engana. Foi o que fizemos – e fomos lá dar direitinhos. Como já sabíamos ao que íamos (pizzas à moda de Nova Iorque), íamos a assobiar “Empire State of Mind”, Jay-Z e Alicia Keys num hino à cidade que nunca dorme: “In New York/ Concrete jungle/ where dreams are made of/ There's nothin’ you can't do/ Now you're in New York”. Uma vez lá dentro, descobriríamos que não estávamos deslocados na banda sonora. Vamos à música.
“Psycho Killer”. As azeitonas marinadas (4,50€), sicilianas, carnudas, e o pão de alho (6,50€), estaladiço, com queijo pecorino e alho a sério, já foram. Com os Talking Heads chega a estrela da casa, a bendita pizza de Espinafres e Limão, rodela do citrino por cima, para quem quiser carregar na acidez, e molho ranch à parte (2,80€), para os gulosos. A elegância (da pizza e de David Byrne) dão depois lugar a dois clássicos: “The Killing Moon”, de Echo & The Bunnymen, e Vodka e Pancetta (15,50€), em que a bebida destilada é usada na confecção do molho de tomate, com natas, tal como se faz em Nova Iorque. Leva a pancetta do nome, mozarela, chalotas, queijo pecorino e orégãos. As fatias, finas mas consistentes, bolhas na borda ligeiramente tostada, no ponto, para lhe dar o sabor fumado. A gordura da pizza – parafraseando o slogan publicitário – escorre na boca e não nas mãos.

O molho de tomate é posto por cima. Salvo a Vodka e Pancetta, leva apenas tomate e sal. Não é cozinhado antes de ir ao forno com a pizza. “Pomos o molho por cima do queijo, que é como se faz em muitas das pizzas tradicionais de Nova Iorque, feitas num forno a carvão”, explica Rico. “A razão é que o molho carameliza por cima do queijo. E depois eles como que se misturam, criando um sabor um pouco diferente. E permite-nos não ter de pré-cozinhar o molho, o que significa que não ficamos com algo azedo. Assim, não adicionamos açúcar nem aditivos. Utilizamos os ingredientes de forma mais simples. Em muitos sítios prepara-se o molho, o que faz com que seja preciso adicionar açúcar, senão fica ácido. Por isso é que fazemos da forma oposta. Não precisamos de acrescentar nada.” Intervenção mínima. “Quero uma pizza que seja segura para os meus filhos comerem”, completa Carolina.
Estamos de volta da pancetta e Dolores O’Riordan, dos Cranberries, vai cantando sobre um amor adolescente: “You know I'm such a fool for you/ You got me wrapped around your finger”. Encharca-se mais uma fatia em mel picante (2,50€) e “Linger” dá lugar a “Do I Wanna Know?”, Arctic Monkeys. Uma das pessoas de outra mesa levanta-se e dirige-se à zona do forno, onde Enrico, de boné na cabeça a dizer “Pizza Nerd”, vai dirigindo dois pizzaiolos. O cliente pára ao balcão e começa a desfiar elogios à comida e promessas de regresso. Não é caso único: online, abundam os encómios. Quando Kim Carnes entra, com a sua voz sedutora mas feroz, a cantar “Bette Davis Eyes”, aí está um dos grandes motivos de tantos louvores: a Pepperoni (15€), com mozarela, pepperoni, queijo pecorino e orégãos (o mel picante continua a valer). “Era importante que o pepperoni fosse da qualidade certa, com as características que pretendíamos. Ele tem que encarquilhar e ficar estaladiço”, observa Enrico. É como fica, de facto. “É porque tem um invólucro natural e não sintético.”

Ir à Rico Pizza sozinho é um erro. Por aqui, não se vendem pizzas à fatia. São servidas inteiras, com 30 centímetros de diâmetro cada uma. E, além das três que provámos, ainda há a Regular (13€), a Tomato e Burrata (14,50€), a Cogumelos (15,50€), a Spianata Picante (15,50€), a Curgete (15,50€), a Alcachofra Pancetta (15,50€) e a Vegan Regular (14,50€). Muito o que provar.
Mais: se quiser adicionar ingredientes a alguma delas, ou construir a sua própria pizza, também pode. Partilhar é, por isso, o melhor método. Até porque é quase obrigatório reservar espaço para as sobremesas, quando, como no nosso caso, chegar dos Rolling Stones (“Miss You”) aos Pretenders (“Back On The Chain Gang”). Desde logo para o muitíssimo suave tiramisù da casa (6,50€). “O objectivo era fazer um que fosse super fofo e saboroso, mas não muito doce. E, de novo, tentar destacar os outros ingredientes para além do açúcar: o mascarpone, os biscoitos, o cacau, o licor de café, até o bocadinho de rum”, adianta Enrico.

A outra sobremesa é uma cookie americana (4,50€). No entanto, ao contrário do que é habitual (e das pizzas), é servida às fatias. A ideia foi de Carolina: fazer uma cookie grande, do tamanho da pizza e depois cortá-la. Está a ganhar adeptos. Há até quem encomende uma inteira para levar.
Outro plano de sedução que a dupla tem em marcha é o acompanhamento da pizza. Em Portugal, costuma ser cerveja – e está tudo bem com isso. Mas na Rico Pizza acredita-se que é com vinho que ela vai melhor. Para isso, vão até organizar uma prova de vinhos (“com preços interessantes”, promete Carolina) ao almoço e ao jantar, de 10 a 14 de Setembro, depois das férias. Os vinhos virão da Região dos Vinhos Verdes, mais exactamente da Quinta de Curvos, em Esposende. Terão um Pet Nat, casta Loureiro, um Alvarinho e um Avesso. Vinhos com que Nova Iorque só pode sonhar.
Rua da indústria, 50A (Alcântara). Qua, Qui e Dom 12.50-15.00, 19.00-22.00; Sex e Sáb 12.00-15.00, 17.00-23.00. 934 883 362 (fechado para férias de 4 a 29 de Agosto)
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