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"Ah don lan na di airport. Usay you dey?" O som da língua materna dos meus pais de Serra Leoa, o Krio, não era algo que eu esperava ouvir em Copenhaga – uma cidade onde apenas cerca de 3% da população é africana – mas lá estava ele. Saiu da boca de uma mulher de meia-idade visivelmente irritada: “Já estou no aeroporto, onde estás tu?”.
O que parecia uma coincidência curiosa tornou-se um fio condutor da viagem: pequenos bolsos de diversidade a fazer-se notar da forma mais genuína e encantadora.
Estou na capital dinamarquesa com um único objectivo: comer. Ao longo dos próximos dias, vou seguir os passos de Carmy e Marcus, personagens da série The Bear, o fenómeno sobre um grupo de chefs a tentar ressuscitar um restaurante em Chicago, que regressa agora com a quarta temporada na Disney+.
Embora a série se passe, na sua maioria, nos Estados Unidos, a cultura gastronómica de excelência de Copenhaga tem uma presença marcante em The Bear. O restaurante Noma, de três estrelas Michelin e símbolo da gastronomia nórdica contemporânea, foi onde Carmy (interpretado por Jeremy Allen White) começou o seu percurso na alta cozinha, e os restaurantes e cozinhas desta cidade surgem em vários momentos da série.
Broens Street Food: comida de rua com curadoria de especialistas de fine dining
A primeira paragem é o Broens Street Food. Ao contrário das típicas bancas de comida de rua, este mercado é curado pelo Noma – e a selecção, como seria de esperar, é de fazer crescer água na boca. Há pastelaria francesa da Crêpes à la Cart com morangos frescos e chocolate de leite; sanduíches de carne grelhada na perfeição do Fuego; e a Pasta La Pasta, especializada… em massa, claro.
Depois de rodar a cabeça em todas as direcções como que num exorcismo culinário, escolho a Kejser Sausage – uma salsicha dinamarquesa autêntica, com alho selvagem, acompanhada de uma cremosa salada de batata.

É deliciosa, mas quero perceber o que mais Copenhaga tem para oferecer para lá do fine dining e dos sabores tradicionais. Por isso, sigo para Nørrebro – o bairro mais cool da cidade – conhecido pela diversidade cultural, lojas de roupa vintage e artistas de rua.
Sasaa: o primeiro restaurante pan-africano da Dinamarca
A palavra “autêntico” é usada de forma leviana hoje em dia, mas o Sasaa, primeiro restaurante pan-africano da Dinamarca, faz jus ao termo. Desde os tons vibrantes das pinturas do artista nigeriano Gbonjubola Obatuyi às gargalhadas do chef Amadou vindas da cozinha, sente-se a alma do continente.
"Somos o único restaurante pan-africano em Copenhaga. O Sasaa é mais do que um restaurante – é uma instituição cultural", diz Mahmed Abdi, o proprietário. "Queremos ser uma introdução à África para quem nunca teve o prazer de a visitar."

Por sugestão do meu simpático empregado somali, provo o Bariis lyo Hilib – arroz aromático com borrego tenro, malagueta picante e uma banana ao lado (vai ter mesmo de provar antes de julgar).
Hart Bakery: o lar da lendária pastelaria de Copenhaga
Em vez de escrever “comida saborosa em Copenhaga” no Google e ver o que aparece, o plano para o segundo dia é seguir os passos de Marcus Brooks, o jovem e ambicioso pasteleiro de The Bear.
Na série, Marcus é enviado para Copenhaga para dominar três sobremesas. Ao entrar na Hart Bakery, percebe-se porquê – este é o local ideal para a sua formação. Lionel Boyce, o actor que o interpreta, passou duas semanas no Hart, em 2022, a mergulhar no universo da massa e da fermentação.
A mesma intensidade e obsessão pelo ofício que vemos em Marcus na série sente-se claramente na Hart. Desde a concentração dos pasteleiros a dobrar a massa dos croissants até ao ritmo com que os pães acabados de cozer saem do forno, todo o espaço funciona com uma precisão silenciosa. Não chego a provar o gelado que Marcus preparou no episódio – o que talvez seja pelo melhor, já que são 9.00 da manhã –, mas não faltam outras tentações da doçaria dinamarquesa para me perder.

“As tartes de morango são quase uma religião na Dinamarca”, brinca Talia Richard-Carvajal, directora criativa e pasteleira da Hart Bakery, durante uma demonstração.
Provo (leia-se: encho a cara com) as clássicas tartes de morango com chantilly fresco, croissants com cardamomo e umas viciantes bolachas de sésamo preto.
Noma Projects: experiências laboratoriais do lendário Noma
Nada me preparou para o que ia sentir no Noma Projects. Esqueçam começar com o salgado e acabar no doce – aqui os sabores vão de um extremo ao outro.
Aberto em 2022, este projecto paralelo do Noma mistura a criatividade da fábrica de chocolate do Willy Wonka com a consciência ecológica de um documentário de David Attenborough. Tudo é colhido localmente ou fermentado no laboratório. Entre as maravilhas que provo estão o garum de cogumelos, o molho picante de milho e yuzu, e o paeso de sabugueiro. Tudo tão bom que saio de lá com uma garrafa de cada.

O Noma já foi o auge da alta gastronomia, líder em rankings e referência da cozinha nórdica. Mas também era conhecido por uma cultura de trabalho exigente e intensa – algo que também vemos em The Bear, onde Carmy traz esse perfeccionismo e desgaste emocional para a sua própria cozinha caótica em Chicago.
Essa cultura, no entanto, está a mudar. Numa decisão arrojada, o Noma anunciou a sua transformação num laboratório de inovação e cozinha de testes – a chamada “Noma 3.0”. O restaurante, outrora sinónimo de menus experimentais, foca-se agora em investigação e desenvolvimento.
“A ideia era levar os sabores do Noma até às cozinhas de casa”, explica Annika de las Heras, directora-geral. “Queríamos partilhar experiências, não guardá-las só para nós.” Para mim, que nunca tive a possibilidade de visitar restaurantes de fine dining antes de adulto, isto soa a música para os meus ouvidos.

Tive a oportunidade de entrar no laboratório e fazer o meu próprio piso de sabugueiro para usar em molhos. Em vez de soja, usamos ervilhas amarelas, mais comuns na Escandinávia, e óleo de sabugueiro para dar notas florais. Infelizmente não o posso levar já para casa – demora três meses a fermentar numa sala a 29 °C – mas os bons samaritanos do Noma prometeram enviá-lo por correio. Levo, no entanto, uma folha fina de SCOBY marinada em sumo de mirtilo e bebo kombucha feita com mel das colmeias no local. Depois de uma manhã de pastelaria quente, a acidez viva da fermentação é como um balde de água fria: desperta instantaneamente os meus sentidos.
Poulette: um minúsculo takeaway com sabor gigante
Se é daqueles que fica paralisado com demasiadas opções, o Poulette é para si. Só servem dois pratos: sanduíche de frango e sanduíche de mapo tofu. Fundado em 2020 pelos chefs Martin Ho e Jesper Norrie, tornou-se uma paragem obrigatória em Copenhaga – já recebeu Dua Lipa e, claro, aparece em The Bear.
O realizador Ramy Youssef, que dirigiu o episódio "Honeydew", filmado em Copenhaga, descobriu o Poulette durante as gravações e gostou tanto que o incluiu no guião. Marcus aparece a devorar a sanduíche de frango – sem deixar uma migalha para trás.

A sanduíche de frango é tão boa que a equipa fez de tudo para manter a receita em segredo, depois de vários clientes tentarem descobri-la. Fiel ao lema Spicy By Default, convém ter uma bebida bem fresca por perto.
Mas, se perguntarem a Martin, nem sequer é essa a melhor sanduíche da casa. De ascendência taiwanesa, cresceu a comer tofu e acredita que este ingrediente é injustamente desvalorizado no Ocidente. “A sanduíche de mapo tofu é que é”, diz com orgulho. “O tofu tem fama de insosso e aborrecido, mas isso é só o resultado de má cozinha.”
Sanchez: sabores mexicanos contemporâneos em pleno Vesterbro
A comida mexicana nunca teve de lutar contra o rótulo de “sem graça” – e a chef Rosio Sanchez, que aparece na terceira temporada de The Bear, é uma das grandes responsáveis por trazê-la para a Dinamarca, através do restaurante Sanchez, no colorido bairro de Vesterbro.
Um dos meus pratos preferidos do menu é a tostada de atum picante com gafanhotos, uma iguaria mexicana. Pode soar a desafio de programa de televisão para ocidentais, mas basta provar para perceber. O crocante dos gafanhotos complementa na perfeição a textura macia do atum e o estaladiço da tortilha. O menu, cheio de inspiração, inclui ainda ingredientes como habanero, abacate e feijão preto.

É absolutamente imperdível – mas, se não conseguir mesa, há pequenas bancas Hija De Sanchez espalhadas pela cidade, onde se servem petiscos mexicanos rápidos como tacos e churros.
Rosio, que trabalhou durante cinco anos como pasteleira no Noma, continua a personificar essa escola de pensamento. “Adorava tudo o que o Noma representava – preservar e dar continuidade à herança culinária dinamarquesa – e quis fazer o mesmo com a comida mexicana”, conta. “Houve quem duvidasse de que a cozinha mexicana pudesse vingar nesta parte do mundo, mas eu estava disposta a lutar por isso.”
É esse orgulho e essa missão de usar a comida como veículo para preservar a cultura que fazem de The Bear uma série de culto tão forte. E foi isso também que tornou esta viagem tão especial. Desde ouvir a língua dos meus pais no aeroporto até provar pratos dos quatro cantos do mundo, a diversidade da cidade pode nem sempre ser visível – mas sente-se em cada garfada.
Whelan Barzey visitou Copenhaga com o apoio da Disney+
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