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JP Simões
© Tiago Fezas VitalJP Simões

JP Simões: “Não creio que toda a gente se reveja nas canções de protesto que nasceram circa 1974”

JP Simões canta José Mário Branco a 24 de Abril, no ciclo Sons de Liberdade, do Teatro Tivoli BBVA. Falámos com os três convidados deste programa sobre música e protesto.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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Noutro Abril, há cinco anos, JP Simões (1970) foi convidado a reinterpretar ao vivo as músicas de José Mário Branco. Não era a primeira vez que fazia seus os temas do cantor e compositor que nos abandonaria pouco depois, a 19 de Novembro de 2019, mas nunca lhes tinha dedicado tanto tempo. Desde então, deu por ele a voltar várias vezes àquele repertório. Até que decidiu gravá-lo. JP Sim​õ​es Canta José M​á​rio Branco, o resultado dessas gravações, foi editado em Fevereiro pela Omnichord e é apresentado esta quarta-feira, 24, no Teatro Tivoli BBVA, integrado no ciclo Sons da Liberdade.

A organização convidou três artistas – seguem-se Gisela João, a 25, e B Fachada, a 26 – para revisitarem canções de protesto e outras de autores que associamos à revolução de 25 de Abril. A Time Out desafiou-os a responderem exactamente às mesmas perguntas sobre este repertório, os seus significados e peso. E a umas poucas questões mais específicas sobre estes concertos.

Cinquenta anos depois do fim da ditadura, as pessoas continuam a rever-se nas canções de protesto da época. Porquê?
Não creio que toda a gente, as pessoas como dizes, se reveja nas canções de protesto que nasceram circa 1974. Aliás, como estas últimas eleições o demonstraram, outras estéticas e protestos são também de vasto alcance e estão na ordem do dia. Acontece, creio, que em Abril elas renascem com as comemorações da revolução, porque foram, por um lado e de certo modo, a banda sonora que testemunhou a passagem entre dois modos de vida muito diversos, a ditadura e a democracia; e por outro, por representarem um pedaço muito significativo da melhor música popular que se produziu em Portugal na década de 1970, e que, para muitos, continua a ser bela e apelativa, ultrapassando por isso a circunstância em que foi gerada.

O que achas apelativo nelas?
As letras e a música; a produção e os arranjos; os cantores, poetas e músicos que as criaram.  

Porque é que voltamos sempre a essas canções, mas nunca recordamos a música de protesto de décadas posteriores?
Não creio que tenha havido nos últimos 50 anos uma mudança social e política tão significativa para a história do nosso país, gerada por concidadãos nossos e apoiada por uma tão unânime e considerável fatia da população, como o 25 de Abril de 1974. Música de protesto sempre houve e haverá: e a cada um, a música que melhor acompanhe as suas revoluções pessoais.

A entronização das canções de protesto da década 70, e a nostalgia por elas, acaba por ser entrave à actualização deste repertório?
A nostalgia remete para algo que se encontre despojado já de vida ou de sentido, e que se queira, por força de convicção, forçar a ressuscitar, de modo a com isso reviver emocionalmente uma época que se crê ter sido mais amável ou significativa. No que toca ao repertório aqui focado, imagino que se pode comparar à nostalgia que se possa experimentar, por exemplo, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos: foi elaborada há mais tempo, em 1948, mas para muitas pessoas o seu sentido continua a ser muito importante e mais do que meramente actual. Daí a legitimidade de alguma entronização, como dizes. No que toca a canções, creio que essa época gerou em Portugal material artístico que ainda hoje influencia os modos de produzir, até porque, dando apenas Zeca Afonso como exemplo, ela foi também exploratória e revolucionária esteticamente: e isso não constitui certamente um entrave à actualização mas, muito pelo contrário, uma motivação para o impulso criativo e inovador de quem veio a seguir.

Nas décadas de 60 e 70, os músicos acreditavam que estas canções podiam forçar uma mudança de regime. Algum músico acredita nisso hoje?
Quem se dedica à música, experimenta a vertigem e o entusiasmo de acreditar que o mundo todo acabou de mudar no momento em que uma canção nasce e lhe devolve toda a esperança de beleza e liberdade que depositou na sua construção. Aconteceu que, nas décadas em questão, as canções tenham tido um papel significativo enquanto porta-estandarte de palavras de ordem para os muitos movimentos sociais importantes que aconteceram no ocidente, nomeadamente o Maio de 68 em França ou os movimentos pacifistas nos Estados Unidos da América, em redor da Guerra do Vietname e dos conflitos raciais endémicos. Hoje, para dar só um exemplo, muitos festivais de música que abarcam a diversidade etnográfica do planeta, e as novas formas de produção electrónica, trazem, para lá do lado saudavelmente lúdico da liberdade de fruir música, sugestões de novos modos de encarar a comunidade humana como um todo funcional, inventado ferramentas práticas de sustentabilidade e uso racional dos meios de subsistência e promovendo formas de solidariedade e partilha de experiências e conhecimento. Por outro lado, não creio que os músicos da época acreditassem de forma tão simplória que esta ou aquela canção abririam rombos em paredes de edifícios negros: muitos acreditavam, isso sim, como hoje acreditam, que a música polariza e dissemina ideias sempre revolucionárias como o amor e o respeito mútuo, a liberdade de ser e fazer, e o caminho para o fim do peçonhento fosso que persiste entre quem tem tudo e quem não tem nada.

Essa descrença é um reflexo da derrota e da desesperança das pessoas de esquerda?
Se por esquerda se entende um determinado número de indivíduos que acreditam ser possível existir harmonia entre a mais abrangente e pacífica liberdade individual e uma redistribuição mais dignificante dos ganhos produzidos com o trabalho e os recursos da sua comunidade, não creio que tenha passado um único dia desde há 50 anos em que esses valores não tenham estado na ordem do dia. Lutar contra o egoísmo intrínseco à condição humana está sempre votado à derrota e à desesperança: é por isso que é a única luta cujo interesse e fascínio nunca cessam. 

Pode o crescimento da reacção e de um partido como o Chega revigorar a canção de protesto contemporânea e engajar mais os artistas?
Pode.

O disco JP Simões canta José Mário Branco tem apenas oito canções. O que te levou a escolher estas e não outras?
A escolha destes temas partiu de um critério muito simples: foram os que me soaram melhor de todas as versões que fizemos de José Mário Branco. Ficaram oito, número que simboliza o infinito.

Houve algumas canções com que te identificas mais, ou que achas melhores do que estas, mas que preferiste não interpretar? Porquê?
Não. Há muitas e muitas canções de José Mário Branco pelas quais tenho muito apreço e com as quais me identifico, mas um disco como este também é feito de uma série de processos que concorrem para o seu resultado final. Há cerca de cinco anos que tenho vindo a fazer concertos à volta da sua obra e já interpretei cerca de vinte temas do compositor, assim como também já editei uma versão de “Inquietação” num disco em 2006: a escolha aqui foi feita pela positiva, ou seja, não preteri nenhum tema que já tivesse interpretado, antes preferi os que achei mais bem conseguidos, mais próximos do original e, ao mesmo tempo, que me soassem mais naturais cantados pela minha voz e sustentados por arranjos que fossem uma boa tradução dos originais.

No Teatro Tivoli BBVA vais apenas cantar as canções do disco, ou vais juntar-lhes outras? Quais?
No Tivoli vou conseguir ter finalmente em palco todos os instrumentos que foram utilizados para produzir este disco. Ou seja, vamos interpretar o disco o mais próximo possível da sua expressão e juntar-lhe mais alguns temas de José Mário Branco, um de Zeca Afonso e um de Fausto: estes, com todo o respeito, prefiro manter em segredo para haja alguma surpresa dedicada a quem nos honrar com a sua presença no teatro. 

Depois do Tivoli, vais dar alguns concertos no norte com repertório de outros cantores de protesto. O que podemos esperar deles?
Vão ser três concertos com a Orquestra de Jazz de Espinho, que muito amavelmente me convidou – a mim e à Marta Ren – para cantar nos seus concertos de comemoração dos 50 anos do 25 de Abril. Não creio que todas as músicas do concerto encaixem no epíteto de canções de protesto, mas o certo é que, para cada uma delas, houve um compositor convidado para produzir os arranjos para a orquestra e, portanto, haverá muita diversidade e liberdade nas abordagens musicais. Os concertos serão no Auditório de Espinho, a 26 e 30, e no dia 28 no Coliseu do Porto.

Teatro Tivoli BBVA. 24 Abr (Qua). 21.00. 15€-25€

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