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Matuta: sai um cafezim, um bolim e um pão de queijo recheado

Após cinco anos a vender bolos por encomenda nas redes sociais, Eduarda Meireles abriu um espaço na Penha de França. As tradições e as memórias que trouxe de Minas Gerais, no Brasil, estão na decoração e nas receitas que herdou da família.

Escrito por
Andreia Costa
Matuta
RITACHANTRE
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Quando, pouco antes das 09.00, o aroma se espalha pela rua, os clientes começam a aparecer. Está na hora da primeira fornada de pão de queijo do Matuta, na Penha de França – ritual que se repete pelo menos mais duas vezes durante o dia.

A 11 de Julho, Eduarda Meireles abriu simplesmente as portas "para a vizinhança", sem contar a ninguém. "Queria perceber como seria o movimento, os horários e a procura, apesar de estarmos num mês em que está muita gente fora", conta à Time Out. Vive a dez minutos dali, nos Anjos, para onde se mudou há pouco mais de um ano. Nessa altura começou a frequentar as feiras da zona, na Avenida Paiva Couceiro, e conheceu alguns funcionários da Junta de Freguesia. "Em conversa com o Filipe Bernardes, da junta, surgiu o projeto Penha Empreende, que é voltado para o empreendedorismo das pessoas do bairro. Eles identificam os negócios, os espaços, e eu perguntei se sabiam de alguma coisa nesta zona."

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RITACHANTREPão de queijo com linguiça, do Matuta
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RITACHANTREPão de queijo recheado com doce de leite, do Matuta

Depois de cinco anos a desenvolver o negócio exclusivamente através das redes sociais, Eduarda sabia que estava na hora de evoluir. "Foi muito bom reconstruir um plano de negócios, porque desde 2020 muita coisa mudou. Eu mudei, o mercado e o público também." Aos bolos que tornaram a brasileira de Minas Gerais conhecida (e que agora vende à fatia), junta-se o pão de queijo, a estrela do novo espaço. E aqui, conselho de Eduarda, é para comer recheado. Com pernil, linguiça, frango ou cogumelos (5€), com doce de leite ou goiabada (4,50€) – ou simples (2€), vá, uma opção sempre segura para quem não gosta de arriscar. Os cogumelos são comprados num mercado local e a carne vem de um talho da vizinhança.

Os ingredientes escolhidos são acrescentados na hora, para comer ali mesmo ou levar. Dentro do Matuta há três mesas, além de três bancos ao balcão. Do lado de fora, um pequeno banco corrido de madeira inclui um mandamento: "aqui fofoca-se", lê-se no tampo. 

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O número 15B da Rua Actor Vale estava fechado há três anos. Depois de terem tido uns inquilinos pouco cuidadosos, os proprietários perderam a vontade de avançar para um novo arrendamento. "Eu sabia que ia ter muito trabalho, mas quando olhei para este balcão amarelo, para os espelhos e as prateleiras, o meu coração disparou." O trespasse avançou, mas quase por milagre. Depois de quatro bancos lhe negarem um crédito, foi a mãe de Eduarda que avançou com o financiamento. "Eu estava pronta para fazer as malas e voltar para casa. Tinha trabalhado demasiado, achava que se calhar era um sinal para parar, mas, na hora certa, a minha mãe ajudou."

Durante três meses limpou, arrumou, pintou e decorou. Não contou a quase ninguém, nem aos amigos próximos. Porquê? "Foi uma tentativa de gerir expectativas. Não as minhas, mas dos amigos e clientes que já há muito tempo me incentivavam." As peças que preenchem as prateleiras – balanças, bibelots, flores – estão a ser guardadas há cerca de dois anos, sempre com o objetivo de um dia morarem num espaço como este. "Muitas coisas vieram da casa da minha avó, outras da casa da minha mãe. Comprei coisas na Feira da Ladra e em lojas de velharias. Tenho também presentes de amigos e clientes." 

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Logo à entrada do Matuta, do lado esquerdo, está uma espécie de altar. Santos e artigos de várias religiões estão "a olhar para a porta, para afastar o mau olhado". Ao lado, mais acima, está Louro José, um papagaio amarelo e verde que se tornou mascote na televisão brasileira. "Sempre fui fã da Ana Maria Braga [era no programa dela que o boneco aparecia] e lembro-me de anotar todas as receitas dela. O Louro José é uma representação daquilo que é a televisão brasileira." Foi a mãe que o trouxe do Brasil e lho entregou na Suíça, onde as duas passaram o Natal. Até chegar à Penha de França, o papagaio fez sucesso no percurso. "Em Zurique fui parada por causa dele. No Porto, uma polícia reconheceu-o e fez imensas perguntas, foi muito engraçado."

Na parede oposta estão uma foto da mãe e outra do casamento dos avós. Foi com Celica, avó materna, que aprendeu a cozinhar. "Eu sou oito anos mais nova do que o meu irmão e passei muito tempo com a minha avó e as minhas tias avós. Na cozinha fazia-se a rotina do dia-a-dia, mas como a família era muito grande, esperava-se sempre a visita de um tio ou de um primo. Portanto, tínhamos de estar preparados, havia sempre biscoitos, bolos ou sequilhos."

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A comida e os afetos sempre andaram de mãos dadas na vida de Eduarda, assim como as memórias de infância em espaços como o que agora abriu em Lisboa. Pelas paredes estão pintadas frases como "Fiado foi ontem", "pode chegar freguesia boa" e "já pode beber ou tá cedo?". "São clichê, mas vemo-las em qualquer restaurante brasileiro", explica.

O pão de queijo do tio Sesostres sempre foi o mais cobiçado da família por ter os "ingredientes maravilhosos da fazenda, como os ovos com uma gema tão amarela que era quase laranja, o leite fresco e o queijo feito lá." Para conseguir uma receita que lhe chegasse aos calcanhares, Eduarda demorou muito tempo e experimentou diferentes versões. "Só há três anos é que fiquei satisfeita com o resultado. A massa leva uma mistura de queijo branco e queijo curado. Em Minas Gerais, o pão de queijo é muito comum e comemo-lo com qualquer coisa. Foi por isso que resolvi trazê-los recheados."

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Já na vitrine dos bolos à fatia (3€ cada) nunca falta o de cenoura com brigadeiro. As outras opções podem variar, mas os mais pedidos são o de milho, o de requeijão com goiabada e o de pistácio com chocolate. Foi exactamente com estes bolos que Eduarda deu início à Matuta. Quando a pandemia fechou toda a gente em casa, o restaurante onde era confeiteira deixou de funcionar. Para ter um rendimento extra no final do mês começou a fazer bolos para os amigos, mas o que era para ser um complemento depressa passou a ordenado principal.

"Comecei a fazer bolos por encomenda em Setembro [de 2020] e, pouco mais de dois meses depois, chegou o Natal. Posso dizer que foi o melhor Natal da minha vida. Lembro-me de, no dia 23 de Dezembro, ter mais de 30 bolos em cima da mesa. Para quem tinha acabado de começar, foi incrível", recorda.

Quando inaugurou o espaço na Penha de França, encomendou 100 litros de cerveja. Na semana seguinte, achou que tinha de ser mais ponderada e pediu metade – só que o stock acabou três dias depois. Percebeu então que, pelo menos durante o Verão, uma cerveja gelada também agrada aos clientes. Quem preferir algo mais forte e tradicional, pode provar "água que passarinho não bebe". Ou seja: cachaça. Esta é temperada com cravo, canela e gengibre e vende-se ao copo (2€). No balcão está um filtro de barro com água. "Trouxe-o na bagagem de mão porque é das mulheres de Jequitinhonha, que é no norte de Minas Gerais, um bairro muito pobre onde elas trabalham e vivem de vender o barro."

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Aos 33 anos, a menina "de Patrocínio, bem lá do interior de Minas Gerais" sente-se realizada. Foi em Portugal, onde está desde os 25, que percebeu qual era realmente o seu caminho, depois de ter andado perdida numa carreira que nada tinha a ver com ela. "Sou publicitária de formação, ainda exerci no Brasil e, quando vim para Lisboa, foi para fazer um mestrado em Marketing na Universidade Lusófona. A meio do curso, pensei: 'Mas o que é que estou a fazer, se já não era isto que queria?'” Inscreveu-se então na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa para se especializar em confeitaria e, apesar de o plano inicial ser continuar a formação em França, foi tendo demasiados motivos para ficar em Portugal. "A Matuta é a menina dos meus olhos e foi esse raminho que me fez ter a certeza de que ficaria aqui."

O nome, também o trouxe de Minas Gerais. "Matuta, ou matuto, é uma pessoa que vem do interior do país, mais especificamente do meio rural." Quanto a "quitandeira mineira", que acompanha a descrição do espaço, remete para "as mulheres que iam para a rua vender as quitandas, que são doces de corte, de tabuleiro, ou biscoitinhos. É isso que eu faço e é isso que eu sou, no final de contas."

Rua Actor Vale, 15B (Penha de França). Ter-Sáb 09.00-18.00

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