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Miss Suzie
Fotografia: Francisco Romão PereiraSuzie Peterson (Miss Suzie)

Miss Suzie na “via da esquisitice”: “Gosto muito de fazer cenas estranhas”

Suzie Peterson, mais conhecida como Miss Suzie, é figurinista de teatro e cinema, actriz e cantora. E este sábado apresenta o primeiro disco da banda que formou em 2019: o cabaret sonoro de Suzie and The Boys está na rua.

Renata Lima Lobo
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Renata Lima Lobo
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Miss Suzie. Há quem a conheça como a fundadora do atelier de roupa mais criativo da cidade, como figurinista de séries, filmes ou peças de teatro, como a corista de bandas como Ena Pá 2000 ou como a voz principal de Suzie and The Boys. Esta banda, aliás, está a lançar o seu primeiro álbum, a desculpa perfeita para conhecermos melhor a mulher para quem a vida é um cabaret. O disco que recria as sonoridades ouvidas nos cabarets lisboetas entre os anos 30 e 60 do século passado é apresentado este sábado, 23 de Março, no Tokyo. Os bilhetes estão à venda e as músicas também.

No número seis da Rua Santo António da Glória esconde-se um mundo onde os sonhos se podem tornar realidade. É esta a morada do atelier Miss Suzie, decorado a fantasias, figurinos e adereços que servem os mais diversos fins, de aluguer de fantasias a produções de teatro, cinema e televisão. No atelier onde tudo acontece, e numas cadeiras que serviram de adereço para um telefilme de Contado por Mulheres, sentámo-nos a conversar com Suzie Peterson que, após décadas a cumprir sonhos de quem recorre ao seu talento, cumpriu o seu.

Miss Suzie
©Alfredo Faya - Ukbar FilmesMaria D´Aires e Miss Suzie numa cena do telefilme Há-de Haver Uma Lei (Contado Por Mulheres)

Um "cabaret sonoro"

“EP com o sabor exótico de outros tempos e que exorciza os blues e dramas de todos os dias com personagens e histórias que habitam este muito seu e único cabaret sonoro. Não é jazz mas tem swing, não é blues mas tem drama, não é soul mas tem alma, não é funk mas tem groove… não é fado mas tem faca na liga!” É assim a descrição oficial do disco de estreia Suzie and The Boys, banda fundada por Suzie Peterson que se faz acompanhar por um talentoso grupo de boémios oriundos de outros projectos musicais como Cool Hipnoise, Terrakota, Irmãos Catita, Ena Pá 2000, X-Wife, Fausto, Tora Tora Big Band, entre outros. São eles os “boys” que alinharam num projecto que, nos sons e em palco, recupera o glamour de outros tempos, numa espécie de espectáculo de variedades musical. Um “cabaret sonoro” com uma grande parafernália de estilos. “Tem o swing, tem o rhythm and blues, tem o mambo, tem o rock and roll. E a ligação disso tudo é a atitude”, explica Suzie, referindo-se ao espírito que todos encarnam em palco. Ou não fossem os músicos “escolhidinhos a dedo, com o perfil certo, boémios por natureza”, sublinha a multifacetada artista que consigo traz anos de experiência em palco e de uma vida condimentada pela boémia, em particular “aquelas caves onde se encontravam os intelectuais, os artistas, os actores, os músicos, tudo em grandes noitadas”, de onde, conta, “saíram grandes projectos”. De referir ainda que este EP é uma edição de autor, que teve o apoio da Fundação GDA e cuja edição física é lançada exclusivamente em formato vinil.

Suzie and The Boys
©DRSuzie and The Boys

A estreia de Suzie and The Boys em palco aconteceu em 2019, na Festa do Avante. “Nessa altura, estávamos preparadíssimos, tínhamos concertos agendados, estávamos todos contentes, porque embora seja um projecto novo, são tudo dinossauros, não é propriamente a banda da garagem, é tudo gente com 30 anos de percurso”, recorda. Mas pouco tempo depois, a pandemia meteu-se no caminho. “Foi uma grande chatice, porque todo o trabalho que nós estávamos a fazer para seguirmos um percurso normal ficou parado. Ainda fizemos alguns concertos pelo caminho, mas pronto, quando as coisas começaram a estabilizar, foi quase começar outra vez do zero. Mas a boémia não pára, não desiste, vai para a rua e conseguimos”, diz entusiasmada. Mas esta ligação à música em geral e à boémia e particular é um amor antigo.

Cotonetes e Valquírias

Após um anos a saltitar entre cursos da António Arroio, onde acabou por aprender diferentes técnicas que ainda hoje aplica no atelier, Suzie inscreveu-se na escola de circo do Chapitô, ali em meados dos anos 80, onde aprendia de tudo um pouco, como dança, representação ou música. “Na altura, fui rato de laboratório, porque aquilo foi o curso piloto que deu origem à escola vir a ser uma escola profissional”, recorda. Foi aí que começou a subir aos palcos com o seu grupo de circo, o Cesta d’Artes, já na altura com “personagens que acabavam sempre por roçar ali um bocado a cena cabarética” e onde já se aventurava pela criação das “fatiotas e adereços”. E foi por essa altura que vai parar aos coros dos Afonsinhos do Condado, por intermédio da colega Sofia Cid. “A Sofia era namorada do Gimba, dos Afonsinhos do Condado, e eles precisavam dos coros para fazer a digressão do disco Açúcar. Então formámos as Cotonetes, que limpavam o ouvido musical aos portugueses, e éramos rivais das Valquírias [dos Ena Pá 2000].”

Ena Pá 2000
©DRMiss Suzie e Manuel João Vieira, em formato Ena Pá 2000, a animar um casamento em 2010

“Isto foi mais ou menos em 88. Entretanto, o Gimba disse: ‘Suzy, tens que aparecer lá nos Irmãos Catita – ele era dos Catita nessa altura – porque eu nos ensaios de som cantava sempre Jessica Rabbit. E assim foi. Eu fui lá e o Manuel João [Vieira] convidou-me para fazer o Festival da Canção Internacional. Então fui eu, que era a inglesa, com a Jessica Rabbit, a Marina Albuquerque, que era a francesa, e depois a Regina Paula, coitadinha, muito desafinada, que era a espanhola. Então a ideia era que ganhavam por palmas. Eu ganhei o concurso, não é? Muitas palmas e eles acabaram por me convidar para ir sempre aparecendo. E acabei por começar a fazer parte da banda assim. Por isso é que eu hoje continuo a dizer que sou eterna convidada, passados 30 anos”, conta Suzie. Tanto dos Irmãos Catita, como dos Ena Pá 2000, talvez o projecto musical mais popular de Manuel João Vieira. Mas quando é que lhe começam a chamar Miss Suzie? “É nos Irmãos Catita que o Manuel me chama montes de nomes. Susaninha, Crepe Suzette, eh pá, sei lá, montes deles. Mas começa a aparecer muitas vezes a Miss Suzie, que fica bem naquela personagem e aquilo foi ficando. Algumas pessoas até me chamavam isso e eu quando abro o atelier penso assim: “Foda-se, vou pôr Miss Suzie. Há muita gente que me conhece por Miss Suzie, o nome é fixe e assim ficou. E, hoje em dia, acho que eu praticamente nem uso o Suzie Peterson.”

Suzie patroa, Suzie costureira

A música é um dos braços de Suzie. No outro, está a criação de figurinos. A base de tudo é o atelier Miss Suzie, uma das muitas expressões "deste mundo estranho de fantasia" que foi construindo. O primeiro espaço abriu portas na Rua do Século, mas não estava à altura das suas criações. "Abri o atelier porque já estava com a casa cheia de tralha e de trapos, andávamos aos pontapés aos caixotes. [...] Eu fiz as fatiotas dos travestis no filme A Outra Margem [2007] e ontem esteve aqui o Fernando [Santos], a Débora Cristal, e ainda nos rimos. Porque quando foi a última prova, quando ele mete os saltos e põe o vestido, quando eu queria pôr a cabeça já não cabia lá dentro. Tivemos que acabar a prova na rua, porque não tinha altura, era muito baixinho. Mas pronto, foi onde tudo começou. E eu, um bocadinho, sem saber, acabei por criar, acho eu, uma via da esquisitice, das coisas que não são muito óbvias, e acabei por ter a clientela que procura estes objectos de formatos estranhos, ou porque são fatiotas mais fora, ou porque são adereços muito grandes, ou porque são os bonecos." Actualmente, estão em cena as suas criações para os figurinos da peça de teatro imersivo A Morte do Corvo.

Miss Suzie
Fotografia: Francisco Romão PereiraSuzie Peterson (Miss Suzie), no atelier

Mas também é recrutada para criações mais realistas e uma até lhe valeu uma nomeação para os Prémios Sophia, na categoria Guarda-Roupa, que criou para o filme Terra Nova (2020), de Artur Ribeiro. “As pessoas às vezes nem imaginam, isso foi tudo construído aqui à porta, tenho fotografias disso, com os manequins todos aqui. As tintas todas e eu a pintar aquilo tudo, porque era impossível arranjar oleados dos anos 30. Portanto, acabei por ter que arranjar a maneira de os construir para eles parecerem que vinham dessa altura. Gosto muito de fazer o realismo, mas depois gosto muito de fazer os meus bonecos também, são pontos completamente opostos”, descreve.

O seu último trabalho para o audiovisual está na série Matilha (2024), spin-off de Sul que estreou este ano na RTP1. “Sabes que quando fizeram este desafio, a primeira coisa que me disseram foi: isto é contemporâneo. Eu gosto muito de fazer época e cenas estranhas. Chateia-me um bocado a actualidade, que dá um trabalho do caraças. É uma abordagem diferente. Tens um olhar diferente, é outro tipo de pesquisa. [...] A primeira coisa que eu vejo é um supermercado e depois polícias. Mas depois começo a ver ali um monte de personagens, a senhora da funerária, o empregado da funerária, o agente das apostas, que é o Manuel João. Aqueles personagens que se iam juntando, os próprios bandidos… Então eu disse: se vocês me deixarem fazer estes assim, eu faço os supermercados e as polícias da vida. Mas os supermercados, também quero fazer uma farda à maneira, não vamos lá fazer a coisinha do pulloverzinho e da saia. E eles acharam as ideias porreiras e até curti bué fazer isto. Foi um grande desafio”, diz.

Matilha
©Arquipélago FilmesMatilha

Como em Sul, Suzie também faz uma perninha de actriz em Matilha, a “dona da tasca”, e são muitas as participações especiais que tem vindo a fazer ao longo dos anos, mais ou menos longas, em obras de realizadores como Edgar Pêra, João Botelho, Joaquim Sapinho ou, mais recentemente, Bruno de Almeida, em Cabaret Maxime (2018). Mas não há tempo para tudo: “Eu sei que isso vai entrar em choque com tudo o resto. Teres um papel maior exige uma preparação maior, uma dedicação de mais tempo. E depois isso vai interferir com o atelier e com a música, que neste momento são as minhas prioridades. Portanto, eu fico muito feliz quando alguém diz ‘tenho aqui esta ceninha para ti’. Pá, que eu acho que é mesmo fixe”.

Este sábado é possível ver Suzie no papel principal, no concerto de apresentação do EP de Suzie and The Boys (e que tem o mesmo nome). Os bilhetes estão à venda no local e também na app Tokyo/Jamaica e o preço é, como diz Suzie, “completamente bebível, à bom boémio”, acrescentando que “é muito mais divertido comprar o disco físico com os autógrafos da banda, que vai valer uma fortuna daqui a não sei quantos anos.” Além do formato físico, o disco fica também disponível em plataformas como o Spotify, sendo também possível comprar as músicas através do Bandcamp.

Suzie and The Boys. Tokyo. Cais do Gás. Sáb 22.00. 6€

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