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O Pátio das Antigas: Noite & Dia, o “self-service” e “snack bar” que mexeu com Lisboa há 60 anos

Inaugurado em Outubro de 1965 na Avenida Duque de Loulé e projectado por Victor Palla e Bento de Almeida, o Noite & Dia foi o primeiro estabelecimento a juntar o “self-service” e o “snack-bar”, e causou sensação em Lisboa. Encerrou nos anos 80.

Escrito por
Eurico de Barros
Noite & Dia
DR | Noite & Dia
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Este artigo foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 673 — Primavera 2025

“Parece que estamos na América!”, dizia, de tabuleiro na mão, à reportagem da televisão, um cliente do Noite & Dia, o self-service e snack-bar que tinha acabado de abrir na Avenida Duque de Loulé, nesse distante dia de Outubro de 1965, e que era a mais recente sensação de Lisboa em termos de lugares onde se podia ir comer.

Projectado pela célebre dupla de arquitectos Victor Palla e Bento de Almeida (também responsáveis, na capital, pelo Galeto, pelo Pique-Nique ou pelo Pam-Pam, dos quais apenas o primeiro existe ainda), o Noite & Dia era o segundo self-service a abrir em Lisboa (o pioneiro foi o Solar de Aviz, um pouco mais abaixo, na Avenida da Liberdade), mas foi o primeiro a juntar a componente “self” e a “snack”, e depressa se tornou mais popular do que este. O self-service funcionava ao nível da rua, enquanto que o snack estava localizado na cave. 

O Noite & Dia teve também, naturalmente, os seus detractores, que viam com desagrado esta forma de se comer “à americana”, em que as pessoas tinham que fazer fila para escolher a comida em vez de serem servidas por um empregado, e depois andarem de tabuleiro na mão à procura de mesa para se sentarem. Um sacrilégio, no país dos almoços e jantares longos, bem saboreados, com muita conversa pelo meio, rematados com café, cigarros e um digestivo. Mas o Noite & Dia era um sinal (mais um, de muitos na década de 60) de que os hábitos, o ritmo e o estilo de vida dos portugueses, em especial dos que viviam e trabalhavam nas grandes cidades, estavam a mudar, e pediam um novo e prático tipo de oferta na área da restauração.

Como referiu na altura ao Diário de Lisboa um dos responsáveis pelo Noite & Dia, citado no blogue Restos de Colecção: “A vida é outra, exige mais rapidez em tudo. O cliente já não tem paciência para estar meia-hora à espera que o sirvam. Chega – e quer comer. Quer ficar ainda com tempo para dar uma volta pela cidade (…) uma outra geração, a nova, justifica a existência e a inauguração constante de snack-bars. O snack-bar está dentro do futuro”.

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No seu auge, o Noite e Dia servia 1700 refeições por dia, self-service e snack-bar somados, sob a supervisão do chef Pierre Ramalho. O preço médio de uma refeição era de 25 escudos. Tinha especialidades próprias, como a Lagosta à Infante Sagres, os Filetes de Linguado Elizabeth ou a Fantasia Noite & Dia, um enorme gelado decorado com chantilly e vários tipos de fruta, que muitos iam lá comer de propósito e era gabado como o melhor de Lisboa. Também se podia comprar comida para levar para casa numa embalagem de plástico, outra ideia que ajudou à popularidade do estabelecimento.

O Noite & Dia fechou alguns anos depois do 25 de Abril, na década de 80. No seu lugar estiveram, a seguir, várias casas de diversões nocturnas e restaurantes, como A Casa da Simone ou o Apolo Norte. Hoje, no espaço do self-service e do snack-bar que mexeu com Lisboa há 60 anos encontra-se um night club com restaurante e striptease. 

Até o Tio Sam foi mobilizado para publicitar a Loja da América, inaugurada na Baixa, na Rua do Ouro, em 1872. Com efeito, num anúncio de jornal de 1900, reproduzido no blogue Restos de Colecção, a figura que personifica os EUA surge a publicitar uma “Exposição de Rouparia para senhoras, homens e crianças (…), com “Modelos das primeiras casas de Paris, Berne e Valência”, feitos expressamente para a LOJA DA AMÉRICA”. Sem faltar os “enxovaes completos para noivas e baptisados”.

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Hoje quase totalmente esquecida, a Loja da América foi uma das mais célebres e bem afreguesadas da Baixa. Vendia tudo o que fosse “roupa branca”, quer de uso pessoal, quer doméstico, com um acervo que ia das camisas, lenços, camisolas interiores e dos referidos “enxovaes”, aos panos de linho, algodão e americanos, guardanapos, lençóis, colchas e “robes-chambres”, tudo em “modelos exclusivos” e do mais “elegante e chic”. O proprietário da Loja da América tinha também a Camisaria Americana, situada uns números mais abaixo, especializada em camisas, e que a complementava neste tipo de artigos de vestuário masculino. A Camisaria Americana foi a primeira a fechar, no final da I Guerra Mundial. A Loja da América encerrou no início dos anos 50, não resistindo à concorrência das lojas mais recentes e modernas.

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