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De um lado, a Rua da Escola Politécnica e o Príncipe Real. Do outro, a Rua do Salitre e a descida para a Avenida da Liberdade. Depois da aventura em Cascais (a Lota da Esquina continua fechada e em redefinição de conceito), Vítor Sobral tem uma nova morada no coração de Lisboa. É uma casa de grelhados, feitos a lenha e sobretudo a carvão, com um nome clássico: Carvoaria. E tem a particularidade de estar aberta todo o dia. No menu, o chef quer ser “o mais genuíno possível”, retirando o melhor da simplicidade de cada produto através da técnica. “Com a preocupação de não haver desperdícios”, sublinha.
“Como cozinheiro, tenho uma mentalidade de aproveitamento que aos 20 anos não tinha”, diz. Na Carvoaria, não há foie gras, caviar ou trufas. Vítor Sobral já não se deslumbra com essas fugas ao receituário e aos produtos que estão na tradição portuguesa (embora não tenha deixado cair as influências de outros países lusófonos, em particular da gastronomia do Brasil e de Angola). Se pudesse, se os clientes pedissem, o chef gostaria de levar esse seu posicionamento até ao limite. Servir de tudo. Dá-nos um exemplo: cabeça de peixe. “É o melhor. De peixes grandes – cherne, robalo, dourada, corvina… – o melhor é a cabeça. As golas, a bochecha, a parte do cachaço. Até do atum. A parte que vos servi do atum é a parte mais fibrosa, mas é a que tem mais gordura. E supostamente é menos nobre…”
Outro exemplo: os bovinos. “Um animal bovino tem entre 450 quilos de carne a 650 quilos. Tem duas vazias e dois lombos. E o resto, o que é que é feito? Acham que vai fora?” Antes aproveitava-se tudo, respondemos. “Mas agora também! Só que a malta come picado e misturado. Eu próprio faço hambúrgueres de bovino para as escolas e pico o fígado e misturo. Faço feijoada para os meninos e pico os pés e as orelhas de porco, e misturo. Eles têm de comer colagénio. E as mulheres têm de comer fígado. Devia ser obrigatório. Hoje, muitas têm problemas sérios de anemia [devido a uma alimentação deficiente]. Uma mulher devia comer 300 gramas de fígado por semana.” Mas quem é que tem esse hábito?

A preocupação de Vítor Sobral com a falta de diversidade do que comemos, e com o consumo de produtos industrializados, não é nova – e mantém-se intacta. No entanto, já não está disposto a arriscar o negócio por ela. “Eu já dei para esse peditório. O pescador tem subsídio para não pescar. O agricultor também. O tipo da restauração, não. Não, não tenho de ensinar ninguém. Tenho que ir ao encontro daquilo que o consumidor quer. Se querem coisas diferentes, tenho que ter essa capacidade. Mas tenho que dar a resposta ao padrão.” Contudo, nada disso pode implicar mandar comida para o lixo. Se ninguém quer a cabeça do peixe, ela vai parar a um arroz de peixe. Com a carne, igual: se ninguém pede certas partes do animal, estas têm de ser a base de pratos em que percam o protagonismo.
Vítor Sobral vai mais longe: a floresta. Se a queremos organizada, tem de haver uma economia que a sustente. O chef recorda o tempo em que havia pessoas cujo trabalho era exclusivamente guardar a lenha que existisse num terreno. Era um bem precioso. Agora, em campos e mais campos de todo o país, é deixada como algo sem valor. “Se queremos as florestas limpas, temos de gastar a lenha”, diz. Na Carvoaria, faz a sua parte. “Temos aqui fornos, temos também fogão, temos tudo. Mas eu diria que 70% daquilo que nós fazemos é na grelha.” Até o pão de fermentação natural, que chega à mesa como parte do couvert, é grelhado. Até o pão? Até nas sobremesas “há algumas coisas grelhadas”.

Comecemos, então, a comer. Com o pão, quentinho, vem manteiga com flor de sal, azeitonas marinadas e tomate, também grelhado com vinagre de figo (6€ tudo). Para as entradas, Vítor Sobral prepara uma salada de pimentos assados, com creme romesco, lascas de queijo ilha e pistácio (12,5€). Segue-se o prato do dia, peixe grelhado (no caso, pregado e dourada) com arroz de tomate, servido em barro de Molelos (região do Dão), de onde é natural Abel Matos, há muitos anos sócio de Vítor Sobral. A acompanhar, salada de legumes no carvão (5,50€). Depois é a vez de uma das estrelas da casa, o entrecosto de borrego grelhado com “temperos alentejanos” (17€), a acompanhar com uma salada de tomate (4€) – tal como os pimentos, o fruto vem descascado para não ser indigesto.
Na carta, o entrecosto está na secção de entradas. Mas é óptimo para uma refeição partilhada (a Carvoaria é um restaurante espaçoso, senta 45 pessoas), na qual podem constar moelas de galinha grelhadas e geleia picante de maçã e limão (9,50€), pica-pau de plumas de porco preto, limão e coentros (15,50€), línguas de bacalhau e molho pil-pil (16,50€), lulas laminadas com legumes no carvão e cebola marinada (18€), ou cogumelos grelhados, com tomate seco, cebola roxa e farofa de amêndoas (9€). Nos pratos principais, encontra bacalhau lascado à lagareiro no carvão (22€), galinha bio na púcara (19,50€), tachinho de borrego alentejano, grão, enchidos e hortelã (23€), franguinho grelhado ao piri-piri e batata frita (18€), espetada do pojadouro (18,50€) e T-bone de borrego (26€).

Não é tudo. Existe uma secção da ementa só para pratos de grelha pura e dura, onde constam opções como pernas de coelho (16,50€), peito de frango bio (19,50€), plumas de porco preto (22€), tomahawk Angus (102€/kg), vazia Angus (28€), acém maturado (29€) ou picanha (27,50€). E peixe do dia. Para cumprir a matriz portuguesa da Carvoaria, também não faltam queijos nem enchidos – estes vão da cacholeira (7,50€) e do bucho de porco (9,50€) à abrangente tábua mista de enchidos grelhados (18,50€). Certamente a torcer o nariz a tudo isto, os vegetarianos não deixam de ser bem recebidos por aqui. Têm dois pratos à escolha: legumes grelhados, arroz de forno e tomate do carvão (17€) e bife de couve-flor grelhada, creme de beterraba e vinagrete de cogumelos e avelã (20€).
As sobremesas também podem ir ao lume, como é o caso do ananás grelhado com gelado (4€). Há ainda mil folhas de maçã (8€) ou arroz doce (5€) e baba de camelo (4,50€), para não fugir à tradição. A propósito, nos vinhos, a carta é quase exclusivamente nacional (as excepções são dois champanhes franceses). As referências vão do Minho aos Açores, variando entre os 19€ e os 99€ (mas com muitas opções na faixa dos 20-30€). Fora do menu habitual está o menu do dia, apenas disponível durante os dias de semana, ao almoço. Por 21€, inclui uma entrada, prato principal e bebida.
Rua Nova de São Mamede, 23 (Príncipe Real). Seg-Sáb 12.00-23.00. 92 760 8582
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