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Antônio Carlos Jobim
©DRAntônio Carlos Jobim

Dez versões de “Garota de Ipanema”

Uma adolescente carioca inspirou uma das canções mais populares de sempre, de que se apresenta aqui uma selecção de versões memoráveis.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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A garota de Ipanema não é uma abstracção. É real e chama-se Heloísa Pinheiro. Em 1962, tinha 17 anos, era muito atraente e, nas suas rotinas – que incluíam a ida à praia –, passava amiúde pelo bar Veloso, no bairro chique de Ipanema, que também era frequentado por Antônio Carlos Jobim. Como o resto da clientela masculina, Jobim reparara nela e quando Vinicius de Moraes passou pelo Veloso, fez questão de chamar a atenção do amigo para a deslumbrante adolescente. Foi assim que a dupla compôs “Garota de Ipanema”, embora não in situ, num guardanapo, como rezam algumas lendas, mas nas respectivas casas.

Sem o saber, Heloísa Pinto inspirou uma das mais populares canções de sempre, só superada em número de versões por “Yesterday” (por azar, uma das mais dengosas canções dos Beatles). Muitas dessas versões não foram cantadas na forma original, mas na versão em língua inglesa, da autoria de Norman Gimbel – “The Girl from Ipanema” – e a maior parte é medíocre, para não dizer pior. A canção foi maltratada por gente tão variada quanto Madonna, Amy Winehouse, a banda de metal brasileira Sepultura e estrelas da K-pop.

Heloísa Pinto fez carreira como modelo (nomeadamente com aparições na Playboy brasileira), actriz de telenovela e apresentadora de programas televisivos de grande audiência e em 2009 lançou a sua própria marca de roupa. Antes, em 1996, já fundara a cadeia de boutiques Garota de Ipanema, o que lhe valeu um processo judicial pelos herdeiros de Jobim e Moraes, alegando que ter sido fonte de inspiração para a canção não lhe conferia o direito a usar o seu título. O tribunal decidiu em favor de Pinto, reconhecendo formalmente que era ela a “coisa mais linda/ Mais cheia de graça/ [...] Que vem e que passa/ No doce balanço, a caminho do mar”.

Recomendado: Dez encontros felizes entre jazz e bossa nova

Dez versões de “Garota de Ipanema”

Pery Ribeiro

Ano de gravação: 1962
Álbum: Pery É Todo Bossa (Odeon)

Como muitas vezes acontece com canções que se tornam grandes êxitos, a primeira gravação passou despercebida: Foi realizada em 1962 pelo cantor de bossa nova e jazz Pery Ribeiro (1937-2012) e foi incluída no seu 2.º álbum, Pery É Todo Bossa, lançado em Janeiro de 1963.

Stan Getz & João Gilberto

Ano de gravação: 1963
Álbum: Getz/Gilberto (Verve)

A versão que projectou a canção para o estrelato foi a que foi registada em Nova Iorque em 18-19 de Março de 1963, por Stan Getz e João Gilberto (ver Dez versões de “Desafinado”), sessões de que também fizeram parte Tom Jobim (piano), Sebastião Neto (contrabaixo) e Milton Banana (bateria). Inicialmente, a ideia era que a canção fosse cantada por João Gilberto, mas surgiu a ideia de fazer uma versão bilingue. A pífia versão inglesa foi atamancada por Norman Gimbel, que pretendia remover a menção a Ipanema, por entender que nada significava para o público americano, e Jobim teve de pugnar para que fosse mantida. Como Gilberto não sabia inglês, foi sugerido que a sua mulher, Astrud, se encarregasse da metade em inglês, embora ela não tivesse qualquer experiência profissional como cantora e o seu inglês fosse pouco seguro. O resultado poderia ter sido um desastre, mas é precisamente o desconhecimento das técnicas (e maneirismos!) dos cantores com formação e experiência e a aproximativa pronúncia inglês de Astrud Gilberto que conferem à sua interpretação uma candura, despretensão e genuinidade que fazem o seu encanto.

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Oscar Peterson

Ano de gravação: 1964
Álbum: We Get Requests (Verve)

Com We Get Requests chegou ao término o prolífico vínculo de 14 anos do trio do pianista canadiano Oscar Peterson à Verve, que gerou largas dezenas de álbuns em nome próprio ou no papel de “banda da casa”. O álbum contou com Ray Brown (contrabaixo) e Ed Thigpen (bateria). O álbum contem duas canções de Jobim – “Corcovado e “Garota de Ipanema” – e termina, apropriadamente, com “Goodbye”, da autoria de Peterson.

Peggy Lee

Ano de gravação: 1964
Álbum: In the Name of Love (Capitol)

A maior parte das cantoras submeteram a “Garota de Ipanema” a uma operação de mudança de sexo – uma das primeiras a fazê-lo foi Peggy Lee, que incluiu “The Boy From Ipanema” no álbum In the Name of Love, que contou com arranjos de Lou Levy, Dave Grusin, Lalo Schifrin e Billy May (tendo sido este último o responsável por “The Boy From Ipanema”).

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Sarah Vaughan

Ano de gravação: 1964
Álbum: ¡Viva! Vaughan (Mercury)

Também Sarah Vaughan não resistiu a gravar “The Boy From Ipanema” – fê-lo em ¡Viva! Vaughan, álbum que, apesar da sugestão “latina” do título, tem os standards do American Songbook em maioria (sete em 13). Das seis canções “latinas”, três são filiadas no “jazz samba”: esta, “Corcovado” e “Jive Samba”, de Nat Adderley. A orquestra foi arranjada e dirigida por Frank Foster.

Ella Fitzgerald

Ano de gravação: 1965
Álbum: Best of the BBC Vaults (Verve)

Esta é uma gravação menos conhecida de “The Boy From Ipanema”, realizada por Fitzgerald com Tommy Flanagan (piano), Keter Betts (contrabaixo) e Gus Johnson (bateria), ao vivo no “Show of the Week”, programa televisivo gravado pela BBC, resgatado aos arquivos e incluído numa compilação (em DVD e CD) editada em 2010 pela Verve.

Claro que Ella não poderia deixar de injectar na canção uma vitalidade e uma joie de vivre que, embora contradizendo a melancolia do original, não ultrapassam os limites da liberdade artística e do decoro. Fitzgerald regressaria a “The Boy From Ipanema”, no fim da carreira, no álbum Ella Abraça Jobim, registado em 1980-81 e inteiramente preenchido com canções de Antônio Carlos Jobim – mas a voz da cantora perdera então parte das suas qualidades e os arranjos, que incluem teclados electrónicos e privilegiam um som musculado e frio, são pouco convidativos.

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Lena Horne

Ano de gravação: 1965
Álbum: Feelin’ Good (United Artists)

O programa de Feelin’ Good dá conta das concessões que o jazz se via forçado a fazer ao gosto popular da época, cada vez mais dominado pela pop: ao lado de “The Boy From Ipanema” surge também “And I Love Him”, uma adaptação feminina do êxito dos Beatles “And I Love Her”, e “Softly As I Leave You”, uma adaptação de “Piano”, uma canção italiana de sucesso. O álbum parte dos álbuns indispensáveis de Horne, mas a versão de “The Boy From Ipanema” está entre as melhores canções do disco. Os arranjos são de Ray Ellis.

Archie Shepp

Ano de gravação: 1965
Álbum: Fire Music (Impulse!)

Esta é uma versão inesperada: o saxofonista Archie Shepp militava no jazz mais ousado, adstringente e combativo de meados da década de 1960 e a sua escolha de uma canção suave e frágil, que já estava a caminho de tornar-se em sinónimo de easy listening, tem, obviamente, intuitos subversivos: esta “Garota” preserva um “doce balanço” de bossa nova, mas tem os dois olhos do mesmo lado do nariz. O grupo de Shepp inclui Ted Curson (trompete), Joseph Orange (trombone), Marion Brown (saxofone alto), Reggie Johnson (contrabaixo) e Joe Chambers (bateria)

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Frank Sinatra & Antônio Carlos Jobim

Ano de gravação: 1967
Álbum: Francis Albert Sinatra & Antônio Carlos Jobim (Reprise)

Eis mais uma versão bilingue, repartida entre o criador da canção e a mais célebre voz masculina do universo do jazz. A limitada voz de Jobim passa razoavelmente bem quando ouvida por si só, mas a justaposição com Sinatra, torna evidentes as suas limitações. Ainda assim, não deixa de ser um dos marcos na interpretação desta canção.

O álbum, que inclui sete canções de Jobim, intercaladas com “Change Partners” (Irving Berlin), “I Concentrate on You” (Cole Porter) e “Baubles, Bangles and Beads”, contou com uma orquestra arranjada e dirigida por Claus Ogerman e, em 1968, esteve à beira de ganhar o Grammy para Álbum do Ano, não fosse um certo Sgt. Pepper Lonely Hearts Club Band.

Antônio Carlos Jobim

Ano de gravação: 1981
Álbum: Em Minas ao Vivo (Biscoito Fino)

Para conferir variedade à selecção, fica aqui a versão só com voz  e piano que Jobim gravou ao vivo, a 15 de Março de 1981, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, num registo que só foi editado 23 anos depois.

O melhor da bossa nova (em versões)

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