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Duke Ellington
©DRDuke Ellington

Dez versões de “Samba de Uma Nota Só”

Uma nota só é quanto basta para construir uma canção que dá margem para ser reformulada de mil maneiras pelos músicos de jazz.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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“Samba de Uma Nota Só” tem em comum com “Desafinado” não só a dupla de autores – Antônio Carlos Jobim (música) e Newton Mendonça (letra) – como o facto de a letra aludir à própria natureza da canção. Enquanto “Desafinado” assumia que a bossa nova era “desafinada” – isto é, que as suas harmonias não respeitavam as regras da canção popular ortodoxa – “Samba de Uma Nota Só” proclama o seu minimalismo: “Eis aqui este sambinha/ Feito numa nota só/ Outras notas vão entrar/ Mas a base é uma só”. E tal como “Desafinado” fazia um paralelo entre a harmonia musical e a harmonia nas relações humanas, também “Samba de Uma Nota Só” conclui: “Quanta gente existe por aí/ Que fala, fala e não diz nada/ Ou quase nada/ Já me utilizei de toda escala/ E no final não sobrou nada/ Não deu em nada// E voltei p’ra minha nota/ Como eu volto para você/ Vou dizer em uma nota como eu gosto de você/ E quem quer todas as notas/ Ré-mi-fá-sol-lá-si-dó/ Fica sempre sem nenhuma/ Fique numa nota só”. É um verdadeiro prodígio de simplicidade, ironia e despretensão e é, com efeito, mais eloquente do que muitas letras que “falam, falam e não dizem nada”.

Como aconteceu com outras canções de Jobim, foi o cantor Jon Hendricks que preparou a versão em língua inglesa, “One Note Samba”.

Recomendado: Dez encontros felizes entre jazz e bossa nova

Dez versões de “Samba de Uma Nota Só”

João Gilberto

Ano de gravação: 1960
Álbum: O Amor, o Sorriso e a Flor (Odeon) Ninguém melhor para estrear esta singela canção do que João Gilberto, com a sua voz discreta e comedida e o seu tom de leve ironia e distanciamento – nesta versão, no 2.º álbum de Gilberto, a canção é despachada, com exemplar concisão, em 1’44.

Stan Getz & Charlie Byrd

Ano de gravação: 1962
Álbum: Jazz Samba (Verve)

“Samba de Uma Nota Só” foi uma das duas canções de Jobim/Mendonça – a outra foi “Desafinado” – no alinhamento do álbum que lançou a febre da bossa nova (ver Dez versões de “Desafinado”). O programa inclui duas canções de Ary Barroso (“Bahia” e “É Luxo Só”), uma de Baden Powell (“Samba Triste”) e outra de Jayme Sylva/Neuza Teixeira (“O Pato”), bem como uma composição com sabor a bossa nova do guitarrista Charlie Byrd (“Samba Dees Days”).

Na gravação participaram Gene Byrd (guitarra e contrabaixo), Keter Betts (contrabaixo) e Buddy Deppenschmidt e Bill Reichenbach (bateria e percussão).

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Quincy Jones

Ano de gravação: 1962
Álbum: Big Band Bossa Nova (Mercury) No início do Verão de 1962, as vendas de Jazz Samba já tinham tornado óbvio que a bossa nova seria “the flavor of the year”. Um dos primeiros a agarrar a oportunidade foi Quincy Jones que a 15 de Junho (e a 8 de Setembro) entrou em estúdio com a sua orquestra para registar um repertório dominado por bossa nova.

Dizzy Gillespie

Ano de gravação: 1962
Álbum: New Wave! (Philips)

Este “Samba de Uma Nota Só” foi captado ao vivo em Juan-les-Pins, França, a 24 de Julho, e foi emparelhado com outras sete faixas – três das quais de bossa nova: “Chega de Saudade”, “Manhã de Carnaval”, “Pergunte ao João” – registadas em Nova Iorque em Maio-Julho, para constituir o álbum New Wave!, cujo título será, possivelmente, uma tentativa de traduzir para inglês o termo “bossa nova”. Em “Samba de Uma Nota Só” tocam Leo Wright (saxofone, flauta), Lalo Schifrin (piano), Elek Bacsik (guitarra), Chris White (contrabaixo), Rudy Collins (bateria) e Pepito Riestra (percussão).

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Stan Getz & Gary McFarland

Ano de gravação: 1962
Álbum: Big Band Bossa Nova (Verve)

Quincy Jones não foi o único a descortinar o potencial de verter a bossa nova para formato big band: em 27 e 28 Agosto, Stan Getz gravou com a orquestra de Gary McFarland um repertório com quatro canções de Jobim, Bonfá e Gilberto e quatro partituras de McFarland com títulos em português e balanço de bossa nova.

Herbie Mann

Ano de gravação: 1962
Álbum: Do the Bossa Nova With Herbie Mann (Atlantic)

Quem não poderia ficar fora desta corrida seria o flautista Herbie Mann, pioneiro da mescla entre jazz e músicas do mundo. Após ter gravado em Nova Iorque, com músicos americanos, o álbum Brazil, Bossa Nova & Blues (United Artists), decidiu ir directamente à fonte: assim, de 15 a 19 de Outubro, no Rio de Janeiro, registou, com Antônio Carlos Jobim e uma equipa de músicos brasileiros (que incluiu Zezinho e Sua Escola de Samba), o álbum Do the Bossa Nova With Herbie Mann. A voz e guitarra em “Samba de Uma Nota Só” são de Jobim, mas a versão é a inglesa – Mann fora ao Rio em busca de “autenticidade”, mas não pretendia certamente afastar o seu público, que era americano.

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Coleman Hawkins

Ano de gravação: 1962
Álbum: Desafinado (Impulse!)

Desafinado encerra, nesta lista, a Grande Corrida à Bossa Nova de 1962. O álbum, registado em Novembro, contou com Barry Galbraith ou Howard Collins (guitarra), Major Holley (contrabaixo), Eddie Locke (bateria) e Tommy Flanagan e Willie Rodriguez (percussão) e, além de êxitos da bossa nova como “Desafinado”, “O Pato” e “Um Abraço no Bonfá”, continha duas peças na mesma veia, uma por Hawkins, “Stumpy Bossa Nova”, e outra por Manny Albam, “Samba para Bean” (“Bean” era o cognome de Hawkins), bem como uma revisão em modo jazz samba de uma canção de 1927, “I’m Looking Over a Four Leaf Clover”.

Modern Jazz Quartet & Laurindo Almeida

Ano de gravação: 1964
Álbum: Collaboration (Atlantic) O Modern Jazz Quartet foi dos primeiros grupos de jazz a fazer a aproximação ao universo da música clássica, pelo que não é inesperado que neste álbum em colaboração com o guitarrista brasileiro Laurindo Almeida, também ele com sólida formação clássica e repertório que abrangia Bach, Heitor Villa-Lobos e os mestres da guitarra espanhola, “Samba de Uma Nota Só” tenha ganho uma elaborada introdução em guitarra solo.

O programa do álbum inclui a Fuga BWV 947 de Bach e o Concierto de Aranjuez, de Joaquín Rodrigo e os músicos do Modern Jaz Quartet eram Milt Jackson (vibrafone), John Lewis (piano), Percy Heath (contrabaixo) e Connie Kay (bateria).

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June Christy

Ano de gravação: 1965
Álbum: Something Broadway, Something Latin (Capitol)

June Christy ganhara notoriedade como vocalista da orquestra de Stan Kenton e ficara com o seu nome associado ao “cool jazz”, vínculo que reafirmou no título do seu primeiro disco em nome próprio, Something Cool, lançado em 1954, mas, apesar de o seu estilo vocal estar em sintonia com a bossa nova, não investiu nesta área. Ao contrário do que sugere o título do álbum Something Broadway, Something Latin – o último que gravou – a Broadway prevalece esmagadoramente sobre a faceta latina e a sua única canção de bossa nova, “Samba de Uma Nota Só”, acabou por ser excluída do LP, só vendo a luz do dia décadas depois, quando da reedição em CD. A faixa foi gravada com a orquestra de Bob Cooper e contou com a guitarra do omnipresente Laurindo Almeida e tem a particularidade de usar uma letra inglesa completamente diferente da versão de Jon Hendricks.

Duke Ellington

Ano de gravação: 1969
Álbum: Live and Rare (Bluebird First Editions)

Em Setembro de 1969, também Duke Ellington visitaria “One Note Samba”, numa obscura sessão para as Selecções do Reader’s Digest (!), que foi posteriormente compilada no triplo álbum Live and Rare. É uma sessão heteróclita, com componente tropical (“Manhã de Carnaval”, “Summer Samba”), bandas sonoras de filmes (“Alfie”, “La Dolce Vita”) e standards, que está longe de ser parte indispensável da discografia de Ellington, mas vale a pena conhecer a invulgar leitura da canção de Jobim que nela foi registada.

O melhor da bossa nova (em versões)

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