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Viagem ao fundo da rua
Gabriell Vieira

Viagem ao fundo da rua

Descobrir os negócios mais próximos de casa é uma obrigação e um gosto. Quatro lisboetas contam-nos como têm navegado o confinamento.

Escrito por
Editores da Time Out Lisboa
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Ao contrário do que possa parecer para quem não domine a língua, a expressão portuguesa “vou ali e já volto” é perfeitamente indefinida. Até mesmo as variações que concretizam uma ou ambas as proposições – vou a tal sítio, volto dentro de tantas meias horas. O destino pode esconder outros, o tempo é uma estimativa benévola para não nos chatearem à partida, só à chegada, depois de o mal estar feito. O único significado que comporta é este: vou sair e eventualmente, como em princípio é inevitável, voltarei. Pois bem: a pandemia e os seus deveres de confinamento dinamitaram esta parte do contrato social. Agora, não há alternativa. Manda a lei que as saídas sejam rápidas, cirúrgicas. Mas isto de estarmos circunscritos às imediações da habitação trouxe, no entanto, inesperadas vantagens. Além do contributo para a saúde pública, obrigou-nos a descobrir ou a frequentar mais os negócios das nossas ruas, aos quais nem sempre demos o merecido carinho. A Equipa da Time Out falou com chefs, artistas, programadores e empresários para saber o que de bom têm descoberto nos passeios higiénicos e sobre os seus novos hábitos. Como ir ali e voltar já – mas mesmo.

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Madalena Almeida
©Pedro Sadio

Madalena Almeida

Actriz


É jovem, pouco mais de duas décadas de vida, mas trabalho não lhe falta, nem mesmo neste período particularmente difícil para o sector da cultura. No primeiro confinamento, Madalena Almeida estava a trabalhar numa telenovela e a ter ensaios para o próximo filme de João Canijo, que já está a rodar na vila de Fão há um mês. “Agora, estou longe de casa, num hotel em Ofir, mesmo ao lado da praia e do pinhal. O ano passado estive dois meses, pela primeira vez desde há muito, sem nada para fazer”, recorda a actriz, que faz de Rita Paixão na mais recente aposta de ficção nacional, Até que a vida nos separe, para ver na RTP todas as quartas-feiras.

Nessa longínqua quarentena caseira, em São Domingos de Rana, Madalena saiu o pouco possível, mas descobriu algumas pérolas. “Acabámos por passear mais que o habitual por causa da Smu, a nossa cadela. À frente do Aeródromo de Tires, há imenso relvado e até fizeram um passadiço para as pessoas irem correr e andar de bicicleta”, partilha. “Começámos também a ir muito mais à lavandaria ao pé de casa. Quando ainda estavam abertos, no Verão, aos cafés. E voltei a visitar um clube de vídeo, aonde costumava ir com a minha mãe em criança.”

No Norte, as maiores aventuras acontecem quando vai ao hipermercado, brinca Madalena. “Costumávamos ir beber café perto da praia, mas agora está tudo fechado”, lamenta. “Uns colegas meus descobriram um sítio muito bonito, onde queremos muito ir assim que for possível. É o Parque Fluvial de Felinhos, que é assim tipo bosque encantado.” Melhor só voltar a jantar fora e ir ao teatro ou ao cinema. “Tenho muita vontade de ir ao Green Affair, em Lisboa.”

As Principais Descobertas:

Associação São Francisco de Assis Cais
Estrada Principal do Zambujeiro, 432, Alcabideche, Cascais
“Adoptámos uma cadela. Foi o melhor da nossa quarentena.”

Parque Urbano do Penedo
São Domingos de Rana, Cascais
“É enorme e tem uma horta comunitária.”

Boulan Tea Room and Gourmet Corner
Avenida do Lago, 4, Estoril, Cascais
“Tem uma esplanada muito agradável, scones óptimos e o melhor sumo de maçã e beterraba.”

Por Raquel Dias da Silva

Mónica Albuquerque
©Duarte Drago

Mónica Albuquerque

Proprietária da Maria do Mar


Nascida e criada em Alvalade, conhece bem os cantos ao bairro, onde também trabalha. É a fundadora da Maria do Mar, loja de crianças que já teve três portas abertas em Alvalade, mas que em 2020 acabou por ficar concentrada no espaço maior, o Maria do Mar Warehouse. As encomendas vão-se fazendo online, para onde Mónica converteu toda a equipa da loja. “Nasceu com a pandemia uma necessidade gigante dos pais de entreterem os filhos. À distância, ajudaram clientes a redecorar salas, escritórios, quartos e até a criar zonas de estudo para os pequenos do agregado. E na Páscoa passada batemos recordes de vendas online.”

Em casa, Mónica viveu outro momento assinalável, logo a 31 de Março: foi uma das primeiras grávidas a ter filhos sem o pai da criança poder estar presente. “Acho que o instinto de sobrevivência foi claramente o que mais sobressaiu em mim no início do ano passado”, recorda. Uma vez todos no lar, criaram uma “espécie de bolha”. A Páscoa, os aniversários, o Natal, ou a apresentação do bebé à bisavó de 98 anos foram celebrados com a ajuda do Zoom, mas apesar das distâncias, os laços ficaram fortalecidos. “A hipótese de viver mais e melhor os meus filhos, marido e mãe. Acho que soubemos fazer o melhor com o tempo, com a casa, uns com os outros. Como família, ficámos ainda mais fortes.”

Continuaram a fazer as compras de supermercado online, e a vida de bairro facilitou o resto. Os frescos eram entregues pelo “tio Sadik”, do Mercado de Alvalade Norte. Assim como as carnes do Talho do Júlio ou as farinhas, shampoos sólidos ou aveias da Maria Granel. Dentro de casa, Mónica manteve uma antiga rotina com quase uma década, que é fazer pão, uma moda que rebentou em 2020 e parece ter arrefecido. Outro passatempo tem sido o desenho (vimos um exemplar perfeito), um hábito que recuperou durante este ano, assim como comprar livros, vício alimentado pela Livraria Barata. “E passeamos quilómetros infinitos à volta do bairro.”

As principais descobertas:

Anamorfose – Loja de Belas Artes
Rua Marquesa de Alorna, 31 B
“Foi a loja que mais passei a frequentar, é uma loja de bairro com material de arte. A loja não é nada fashion, mas cumpria a função dela na perfeição.”

Banca do Sr. Sadik, Mercado Alvalade Norte
Avenida Rio de Janeiro
“Ele conhece-me de bebé, aliás conhece a minha avó desde que veio para Portugal. Fazia entrega a alguns clientes só... agora faz à séria!”

Avenida Gago Coutinho
“Acho que uma das coisas que nos fez confusão durante as voltas foi a quantidade de casas incríveis na Avenida Gago Coutinho, vazias.”

Por Renata Lima Lobo

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Pedro Azevedo
©Manuel Manso

Pedro Azevedo

DJ e programador cultural


Nasceu na Madeira há 35 anos, mas é um rapaz de Lisboa “há bué tempo”. Treze anos, acha ele. Tantos como aqueles que passou no Musicbox, onde começou por ser o responsável pela comunicação e hoje é programador e DJ. Quer dizer, era DJ quando se podia sair à noite. Pedro Azevedo tem saudades disso, de vestir a pele de La Flama Blanca (o seu alter ego cumbiero) e incentivar os corpos a roçarem-se numa pista de dança qualquer. “Sonho mesmo muito com o dia em que for jantar fora e sair à noite de seguida”, desabafa. “Acho que vou passar meio ano a sair à noite.”

Mas, por agora, as suas saídas resumem-se ao Alto de São João, onde mora há dois anos. E não se pode queixar – apesar de estar a contar os dias até que reabra a creche da filha. “Os dias até se têm passado bem”, escreve no WhatsApp. “A ser babysitter cada vez mais profissional, cozinhar, arrumar, trabalhar o possível e ainda ouvir alguma música.” O Musicbox pode estar fechado, mas ele tem continuado “a fazer coisas de que ninguém se apercebe”, incluindo planear a reabertura do bar do Cais do Sodré (inshallah) e o futuro da Casa do Capitão. Pelo meio, passeia “higienicamente” pelo bairro.

“Tenho um miradouro ultra-urbano mesmo em frente de casa, cheio de galinhas e uma bela vista para o lado Oriente da cidade, com o Seixal à espreita. Descobri também umas hortas urbanas ao pé dos edifícios Concorde, um jardim relativamente escondido. E o minimercado Lipton tem quase tudo o que preciso. Devia até ser o sítio mais estranho de Lisboa para se encontrar fermento de padeiro. Durante o primeiro lockdown.”

As principais descobertas:

Amazon Golden
Avenida Afonso III, 78 B
“Tem o melhor frango de churrasco da cidade e fica mesmo em frente à minha casa.”

Praça Mesquita
Rua Dom Domingos Jardo, 4 B
“Tem uma bela vista para o lado oriental da cidade e margem sul, tem galinhas nas árvores e tem uma macaca gigante para a canalha.”

Frutaria da D. Irene
Avenida Afonso III, 97 B
“O melhor sítio para tainar uma carcaça, míni fresca, jogar à bisca e pôr a conversa em dia com as senhoras do bairro. É a mercearia-tasca mais fixe.”

Por Luís Filipe Rodrigues

Rita Santos
©Manuel Manso

Rita Santos

Proprietária da Comida Independente


Quando em 2018 abriu a Comida Independente, na Rua do Cais do Tojo, perto da Avenida D. Carlos I, Rita Santos quis criar uma mercearia com produtos com identidade. Três anos e muitas voltas ao negócio depois, uma coisa continua igual: Rita nunca deixou de fazer vida de bairro. Assim sendo, fica o aviso ao leitor – não espere encontrar neste texto alterações substanciais ao modo de vida ou descobertas provocadas pela pandemia. Segue-se o testemunho, o percurso de uma moradora que conhece o seu entorno quase como a palma da mão.

“Organizo a minha vida muito à volta do bairro onde vivo e onde tenho a Comida Independente. Já era assim antes do primeiro confinamento e continua a ser igual. Até é uma piada cá em casa, que eu nunca saio do bairro. Quando tenho de ir à Expo [Parque das Nações], a família diz que tenho de ir de véspera, porque para mim é outra cidade.”

Rita vive na Estrela e faz um percurso a pé até Santos todos os dias, gravitando muito à volta da zona do Cais do Sodré e do Mercado da Ribeira, onde compra o peixe na banca da Rosanamar. “Fiz um exercício mental dos sítios por onde passo todos os dias”, diz entusiasmada. Muito perto de casa, na Rua de Santo Amaro, descobriu recentemente uma padaria, de seu nome Moon. “É uma pequena padaria francesa, muito pequenina, que abriu há pouco tempo, mas que acho que vale a pena.”

A Palavra de Viajante não é propriamente uma descoberta, mas Rita não quer deixar de a mencionar. Trata-se de uma livraria especializada em literatura de viagens, que por cá anda há algum tempo. “Acho que é a única livraria em Lisboa completamente dedicada a literatura de viagem. Muito, muito interessante”, nota. “Super-valioso para quem está em casa e faz as suas sementeiras ou aromáticas” é a Oficina Verde, uma loja de agricultura urbana para todos os amantes de plantas. Da Estrela até São Bento, passando por Santos ou o Cais do Sodré, Rita mostra que é possível encontrar tudo o que é preciso. Isto não quer dizer que, por exemplo, não vá ao Amoreiras e deixe o bairro “se precisar de umas lentes de contacto”, brinca.

As principais descobertas:

Moon Boulangerie
Rua de Santo Amaro, 6 A
“É uma pequena padaria francesa, muito pequenina, que abriu há pouco tempo, mas que acho que vale a pena.”

Palavra de Viajante
Rua de São Bento 34
“Acho que é a única livraria em Lisboa completamente dedicada a literatura de viagem. Muito, muito interessante.”

Oficina Verde
Rua de São Bento, 75/77
“Super-valioso para quem está em casa e faz as suas sementeiras ou aromáticas.”

Por Sebastião Almeida

Outras paragens

  • Coisas para fazer

A Avenida de Igreja é o eixo à volta do qual gira a vida do bairro de Alvalade. Uma pessoa pensa que vai só à Avenida da Igreja, mas acaba por parar em Carcassone (a pastelaria), na Líbia (uma farmácia) ou em Helsínquia (outra pastelaria). Saiba quais são as outras paragens obrigatórias.

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Um passeio por Belém implica uma passagem pelos melhores museus e restaurantes. Deverá ainda tirar uma selfie com um batalhão de turistas como pano de fundo e paragem em alguns pontos de referência, como se andasse a descobrir a cidade pela primeira vez. 

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  • Coisas para fazer

Um convento beneditino fundado em 1572, dedicado a Nossa Senhora da Estrela, está na origem do nome desta nova freguesia, que agrega as antigas Lapa, Santos-o-Velho e Prazeres. Do cartão-de-visita constam os espaços verdes de qualidade, referências culturais e restaurantes típicos, mas também gastronomia de fusão.

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