Tiago Rodrigues
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Filipe Ferreira

Tiago Rodrigues: “Os nossos rivais são os centros comerciais”

O director artístico do Teatro Nacional D. Maria II teve um 2019 excepcional. Tanto que é um dos lisboetas do ano para a Time Out.

Hugo Torres
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Actor, dramaturgo, encenador e o mais novo director artístico de sempre do Teatro Nacional, Tiago Rodrigues está a ter um ano intenso: distinguido em França com o grau de Cavaleiro de Artes e Letras, convidado a encenar na Royal Shakespeare Company, em Inglaterra, e vencedor do Prémio Pessoa em Portugal. É o resultado de um trabalho feito nos vários níveis da criação teatral, da promoção de novos dramaturgos à comunicação, e que a Time Out também reconheceu esta semana, nomeando-o um dos lisboeta do ano (saiba mais na edição que está nas bancas). Quando quisemos falar com ele, encontrava-se em Londres a ensaiar Blindness and Seeing, espectáculo que criou a partir de José Saramago. As perguntas seguiram então por e-mail. As respostas são as que aqui se publicam na íntegra.

Sob a sua direção, o Nacional tem se aberto das mais diversas formas ao público – visitas aos bastidores, programação de entrada livre, a extensão para o Rossio, co-produções que levam as peças do D. Maria II para outros palcos do país e do mundo… É essa a marca que quer deixar?
Não penso muito na marca que eu possa ou não vir a deixar. Outra coisa mais importante é a marca que o Teatro Nacional D. Maria II possa deixar na sociedade portuguesa. O que me ocupa é o serviço público que estamos a prestar e como é que ele pode tornar-se cada vez mais acessível a um maior número e a uma maior diversidade de pessoas. Para isso acontecer, é preciso uma programação de qualidade, com propostas estéticas distintas e desafiantes, bem como um teatro fácil de visitar pelas pessoas e também capaz de ir visitar as pessoas às suas comunidades. Se isso for conseguido de forma consistente e durante muito tempo, de modo a entrar no quotidiano das pessoas, então, sim, talvez deixe alguma marca.

A relação do TNDM II com a cidade tem evoluído? Com o público, os outros teatros, os artistas… O podcast que criaram resulta dessa evolução?
Tanto o teatro como a cidade estão em constante evolução. A relação entre o teatro e a cidade só pode ser forte se reconhecer essa contínua mudança. O modo como comunicamos reflecte isso. Se há três ou quatro anos estávamos muito interessados em trazer para o D. Maria II muito público de outras áreas, agora estamos sobretudo dedicados a tentar comunicar com as muitas pessoas que nem sequer se entendem a si próprias como potencial público de teatro. Tanto o podcast TEATRA como outras ideias que temos vindo a desenvolver correspondem a isso mesmo. Não estamos a competir com outros teatros ou propostas culturais. Os nossos rivais são os estádios de futebol ou os centro comerciais.

Como é que faz a gestão entre a necessidade de seduzir público e a obrigação de programar a um nível elevado?
Essa pergunta parece pressupor que o público não se deixa seduzir por teatro de qualidade, o que não é verdade. Os últimos cinco anos que trabalhei no D. Maria II dizem-me que a qualidade atrai público enormemente. Temos visto crescer os números de público de ano para ano e penso que isso se deve a um reconhecimento de qualidade, de abertura, de diversidade na programação. A gestão que é necessária é a de oferecer o máximo de liberdade artística às equipas que constroem os espectáculos e, depois, ser capaz de traduzir isso para serviço público, fazendo a ponte entre a criação e a sociedade, dando a ver, a questionar, a descobrir. E é muito importante que esse serviço público não seja pensado apenas para as pessoas que já consideram o teatro importante, mas também para todas aquelas que não tiveram a oportunidade, por um motivo ou por outro, de imaginar que o teatro pode significar alguma coisa nas suas vidas. 

E também estão à procura de novos criadores, através do Prémio Revelação Ageas. Como surgiu essa ideia?
O apoio aos jovens artistas e companhias faz parte da missão do Teatro Nacional D. Maria II. Temos desenvolvido esse trabalho de diversas formas: programando estreias e reposições de muitas companhias emergentes, desenvolvendo laboratórios de escrita, publicando textos, fazendo leituras encenadas, contratando todos os anos seis recém-licenciados da Escola Superior de Teatro e Cinema para integrar a equipa do teatro, entre várias outras iniciativas. O Prémio Revelação Ageas Teatro Nacional D. Maria II surge para colmatar um vazio que existe no teatro português quanto ao reconhecimento público de novos talentos nesta área. Com o Grupo Ageas Portugal, o D. Maria II voltou a ter um mecenas ao fim de 20 anos. E temos muitas ideias e valores em comum, como a vontade de apoiar novos artistas. Daí à criação do Prémio Revelação, foi um caminho evidente. No próximo dia 27 de Março, Dia Mundial do Teatro, anunciaremos o primeiro vencedor deste prémio, que será escolhido ou escolhida por um júri de 15 artistas. É muito importante para nós que a escolha seja feita por um júri de pares alargado, no qual nem a Ageas nem o D. Maria II têm voto, por uma questão de rigor e transparência.

Levar pela primeira vez um espetáculo de stand-up ao TNDM II foi um risco? Ou não vê as coisas nesses termos?
A verdade é que nunca entendi a programação do espetáculo de stand-up comedy Depois do Medo, do Bruno Nogueira, como um risco. Talvez tenha sido uma afirmação, isso sim. De algum modo, estávamos a dizer que o stand-up é um género teatral legítimo, com raízes noutros géneros de comédia da História do Teatro e que, na sua melhor forma, deve ter um lugar no palco de um teatro nacional. Só se entende que tenha demorado tanto por causa de preconceitos que, por vezes, tentam diminuir a relevância artística da comédia. Escolhemos este espectáculo para ser a estreia deste género no palco do D. Maria II porque o Bruno Nogueira é um exímio autor e intérprete de stand-up, além do trabalho notável que também já lhe conhecemos como actor e autor noutras áreas do teatro e da ficção televisiva.

Os planos para 2020 incluem uma encenação de Saramago na Royal Shakespeare Company. Como é que essa oportunidade surgiu e quais são as suas expectativas? Já sabe se o espetáculo será depois apresentado em Portugal? Seria no Nacional?
Os meus próximos espectáculos são Catarina e a beleza de matar fascistas, que escreverei e dirigirei no Teatro Nacional D. Maria II, com apresentações em Lisboa no mês de Junho, e Blindness and Seeing, a partir de dois romances de José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira e Ensaio sobre a Lucidez, que irei adaptar e encenar para a Royal Shakespeare Company, em Stratford-upon-Avon, em Agosto. O convite surgiu da Royal Shakespeare Company, porque tinham já visto espetáculos meus noutros países europeus, e procuravam trabalhar com artistas de outras zonas da Europa, abrindo a companhia a novas estéticas, numa altura em que o Reino Unido parece estar a fechar-se politicamente sobre si mesmo. Farei todos os possíveis para que o espetáculo seja apresentado em Portugal, mas ainda estamos a trabalhar nisso.

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