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Música, Fado, Gisela João
©Rodolfo MagalhãesGisela João

Natal português: discos de 2021 à medida de qualquer sapatinho

Nove álbuns portugueses que podem ajudar a resolver a lista de Natal.

Escrito por
João Pedro Oliveira
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Oferecer discos caiu em desuso. É pena. Não é apenas partilhar aquela música que se descobriu no Spotify – para isso basta enviar um link: é partilhar uma obra, uma ideia, um objecto que conta uma história, que se guarda, cultiva e redescobre a cada passagem, e que é muito mais do que a soma das peças. Isto, claro, partindo do princípio de que são bons discos. É o caso deste nove, todos de produção nacional, que foram editados ao longo deste ano e que merecem ficar de lembrança para o próximo. Nunca se sabe, pode bem estar aqui a solução simples para aquele presente que está difícil de resolver.

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AuRora – Gisela, João, Universal
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AuRora – Gisela, João, Universal

Numa longa entrevista à Time Out a propósito de AuRora, Gisela João defendia que “em nada é menos alguém ser só intérprete. Um intérprete prova que a arte pode viver no tempo: posso pegar numa coisa mais velha que eu e fazer com que ela faça sentido nos dias de hoje.” É uma ideia bonita sublinhada por uma intérprete excepcional. Dá-se o caso, no entanto, de Gisela se estrear aqui a cantar as suas próprias palavras e composições, e a dar até uma mãozinha na produção, apoiada num grupo de gente improvável. O produtor foi o norte-americano Michael League, dos Snarky Puppy, a banda onde milita também Justin Staton, companheiro de Gisela e outro dos participantes neste projecto que arrisca pontes entre fado e música electrónica. E arrisca bem. Por tudo isso, reconhece ela, este seu terceiro álbum em nome próprio – depois de Gisela João (2013) e Nua (2016) – talvez seja o primeiro plenamente livre e totalmente seu. É um dos discos do ano para a Time Out.

Horas Vazias – Camané, Warner
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Horas Vazias – Camané, Warner

Camané chamou-lhe Horas Vazias, mas ficamos com a sensação de que não cabe ali mais nada. Ausências, memórias e novos encontros preenchem mais de uma hora de música com uma densidade notável. Este é o seu nono álbum de estúdio, o primeiro onde José Mário Branco não participa, mas onde Camané jura que ele habita (pode reler a grande entrevista à Time Out aqui). Talvez porque a produção irrepreensível de Pedro Moreira revela o mesmo cuidado absoluto que José Mário sempre cultivou pelo espaço da voz e da palavra, o mesmo respeito pela sobriedade do cânone sem nunca cair no clichê. Sete anos volvidos sobre o seu último disco de originais – com uma homenagem a Alfredo Marceneiro e um dueto com Mário Laginha de permeio – Camané regressa em plena forma, rodeado de uma dúzia de gente a escrever e a compor novos originais, de Abrunhosa a Sérgio Godinho, passando por Amélia Muge, Carminho, Vitorino ou Jorge Palma. Outro dos discos do ano para a Time Out.

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Las Californias – L.U.M.E., Clean Feed
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Las Californias – L.U.M.E., Clean Feed

O L.U.M.E. é uma big band peculiar. O acrónimo condensa o nome Lisbon Underground Musical Ensemble e serve de toldo para um colectivo de 15 músicos, que há 15 anos se dedica a seguir caminhos mais ou menos inesperados e a provocar episódios de indisciplina entre o jazz e a música erudita. O disco de estreia, homónimo, saiu pela JACC Records (2010), depois pela editora belga Buzz (2013), e foi ovacionado pela crítica (na Time Out levou todas as estrelinhas que tínhamos para dar e ficou guardado numa lista de discos essenciais do jazz português, sabiamente compilada por José Carlos Fernandes). Três anos mais tarde, já pela Clean Feed, sai Xabregas 10, registo captado ao vivo no festival Jazz em Agosto de 2014. E agora, com o mesmo selo, depois de alguma espera e muita estrada, eis Las Californias, o terceiro capítulo de um livro de pautas rigoroso, mas sempre escancarado à improvisação, onde se conta uma história cheia de inspiração, virtuosismo instrumental samples e manipulações electrónicas que ajudam a desestruturar todas as expectativas que possamos ter sobre aquilo a que uma big band é suposto soar. Se tem um melómano que quer surpreender este Natal, tem aqui uma excelente escolha.

Voz e Violão – António Zambujo, Universal
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Voz e Violão – António Zambujo, Universal

É o décimo álbum da carreira do músico que diz de si mesmo ser uma galdéria, que gosta de cantar e fazer música com meio mundo, mas que no fim escolhe sempre regressar ao essencial, numa solidão de seis cordas (espreite a entrevista à Time Out aqui). António aproveitou a boleia do confinamento e recolheu à intimidade. Mudou-se para Porto Covo, transformou a sala de estar num estúdio improvisado, e ali foi gravando esta colecção de 13 canções sozinho à viola. Depois do magnífico Do Avesso (2018), um disco com três produtores diferentes, a Orquestra Sinfonietta de Lisboa e mais uma chusma de boa gente, o homem queria sossego. Voz e Violão divide-se em dois blocos, ainda que entrelaçados num todo coeso. No primeiro temos as canções originais, no segundo temos seis versões de outras, que traçam um mapa das influências assumidas, do Alentejo à América Latina, do fado tradicional a Nat King Cole – que o inspira numa estreia a cantar em inglês

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BPM – Salvador Sobral, Warner
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BPM – Salvador Sobral, Warner

Até hoje, Salvador Sobral pouco tinha revelado da sua veia compositora. Neste novo disco, explica, quis expor toda a artéria aorta e colocou a sua assinatura nesta belíssima colecção de 13 canções. O terceiro álbum de estúdio é o primeiro totalmente autoral, composto em parceria com Leo Aldrey, venezuelano radicado em Barcelona e amigo de longa data, que também assina a produção. Salvador chamou-lhe bpm, acrónimo de batidas por minuto, uma unidade de medida que tanto serve para anotar o ritmo da música como do coração. O disco começou como uma alegoria: num velho teatro, prestes a ser demolido, vamos escutando em cada canção a história de personagens diferentes. No fim, porém, acabou por ir resvalando para uma peça autobiográfica, como o próprio explicou em entrevista à Time Out. É um registo notável, gravado em ambiente de banda e com alma jazz, em que Salvador vai vadiando entre diferentes idiomas (português, inglês, francês, espanhol) consoante lhe dá na gana.

Lado Bom – Rita Redshoes, Universal
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Lado Bom – Rita Redshoes, Universal

Foi escrito e gravado entre 2018 e 2019, já tinha sido anunciado em 2020, mas a pandemia empurrou-o para 2021 e agora é uma das nossas sugestões de presente às portas de 2022. Lado Bom é o quinto álbum de estúdio de Rita Redshoes e o primeiro totalmente cantado em português (o anterior Her já contava três temas na sua língua nativa, mas era ainda dominado pelo Inglês), e no entanto parece que nunca a ouvimos de outra forma. É descrito pela própria como o seu disco mais pessoal, pois tudo o que aqui está é uma espécie de diário de bordo da sua maternidade, escrito durante o tempo de gravidez e pós-parto – mesmo que o tema não seja explícito. Uma colecção de pop delicada que conta 12 temas, incluindo uma participação especial de Camané, em “Contigo é Pra Perder”.

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Private Reasons – Bruno Pernadas, Sony
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Private Reasons – Bruno Pernadas, Sony

Num texto em que o incluía na lista dos melhores álbuns deste ano, a revista norte-americana Spin escrevia que “o quarto álbum de Bruno Pernadas é quase desorientador na sua ambição, alternando entre estilos como um comprador indeciso a experimentar sapatos”. Por isso, aconselhava: “Não se assustem com o facto de ter 75 minutos e não se deixem intimidar pela sua diversidade”. Ora, nós, que não gostamos muito que os camones nos venham cá mandar bitaites sobre as nossas coisas, temos de admitir que a descrição acertou mais ou menos na mouche. Private Reasons é um objecto pop estranho, denso e intrincado, e que pede para ser descoberto com tempo e paciência como já não se usa. Vadia entre géneros e latitudes – chega ao cúmulo de nos fazer achar perfeitamente normal escutar uma letra em coreano – está cheio de boas ideias musicais e é um tratado de arranjos. A cada vez que se escuta lá se descobre alguma coisa de novo, e esse é um dos maiores prazeres que um disco pode oferecer.

Badiu – Dino d’Santiago, Sony
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Badiu – Dino d’Santiago, Sony

Santiago, a ilha de Dino, é historicamente aquela que recebeu maior número de pessoas escravizadas, oriundas dos territórios que hoje correspondem ao Senegal e à Gâmbia. Alguma dessa gente ia conseguindo fugir do cativeiro na Cidade Velha, entreposto maior de escravos, e refugiava-se nas montanhas do interior da ilha. Eram os Badius e este disco recupera essa designação que, se no início era pejorativa, com o tempo ganhou força de palavra de resistência. Como nos seus anteriores trabalhos, Dino d’Santiago volta a cantar Cabo Verde e a sua imensa diáspora, de que ele é também actor, e em redor das suas origens constrói um disco luminoso e de um sentido telúrico contagiante. A cultura afro-portuguesa que hoje floresce e se afirma a partir de Lisboa, sempre em diálogo com o hip-hop e a electrónica, continua na base musical de todo o seu trabalho. Foi o disco do ano para a Time Out.

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Certain Rivers – Old Jerusalem, ed autor/ distr. Sony
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Certain Rivers – Old Jerusalem, ed autor/ distr. Sony

Gravado em tempo de pandemia, o oitavo álbum de Francisco Silva é todo ele atravessado por um ambiente acústico, pausado e meditativo. É tudo palavra e melodia, voz e guitarra, com aquele espírito indie folk meio rarefeito que o músico do Porto cultiva há 20 anos. Certain Rivers é uma colecção depurada de canções, que apelam ao recolhimento e à contemplação sem se tornarem chatas e soporíferas (não é fácil) e que fazem uma reflexão sobre a passagem do tempo num tempo em fomos obrigados a parar. “Trabalhar neste disco foi, conscientemente, uma forma de focar a mente num propósito concreto e criativo que ajudasse a tornar este período de grandes limitações em alguma coisa um pouco mais produtiva”, reconhece o próprio em entrevista à Time Out. Nesta lista, é o mais próximo de oferecer um livrinho de poemas – escrito em inglês, como sempre.

Música no sapatinho

A esperança, a hipocrisia e a paródia em 25 canções de Natal
  • Música

Há boas canções de Natal? Haver, há, no entanto uma linha muito estreita separa a qualidade da lamechice e o cliché. Há canções que não se podem mesmo evitar. Outras que, quando surgiram, foram uma surpresa. Algumas são porventura uma paródia, uma provocação, vá lá, que é Natal. E as que são capazes de abalar um coração? Dessas, também há umas quantas. A esperança, porém, está presente em quase todas, assim como uma certa e determinada dose de hipocrisia. Afinal é Natal. Eis 25 canções de Natal para ouvir em loop ao longo da quadra.

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