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O Wild Mushroom é um dos burgers do menu
© DRO Wild Mushroom é um dos burgers do menu Pause Mito Play Burger

Como os restaurantes estão a tentar dar a volta à crise

Novos serviços, “irmãos mais novos”, restaurantes virtuais e mesmo casas a arriscar e a decidir estrear-se durante uma pandemia. Não falta proactividade ao sector.

Sebastião Almeida
Escrito por
Sebastião Almeida
e
Teresa Castro Viana
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Para grandes males, grandes remédios. Cruzar os braços não tem sido uma opção para os chefs e empresários, que se adaptam a cada dia às novas medidas de combate à pandemia. E bem. Olhemos primeiro para o que está a acontecer no Porto.

Vender comida congelada ou embalada a vácuo, como acontece há vários anos no bbGourmet e, há uns meses, no Almeja em Casa, projecto recente de João Cura e Sofia Amaral Gomes, do Almeja, e no Pausa, do chef João Pupo Lameiras, são algumas das ideias para os restaurantes continuarem a produzir facilitando a vida dos clientes em casa.

Também o Vícios de Mesa, restaurante do Maus Hábitos, se adaptou e permite agora que as suas pizzas artesanais sejam feitas em casa, num kit disponível para take-away ou entregas, e o Mito, do chef Pedro Braga, deixou em stand by o projecto original lançando o Pause Mito Play Burger, com hambúrgueres e sobremesas decadentes que fazem sucesso desde o primeiro dia.

Mas, apesar de todas as contrariedades, ainda há restaurantes a abrir portas, novos projectos a saírem da gaveta e tendências claras: restaurantes asiáticos, como os coreanos Ondo Korean Kitchen e Siktak, a Taberna Asiática Shiko do chef Ruy Leão e, mais recentemente, o Yakuza nos Aliados; fermentados – o café Cultura, a tap room d’Aquela Kombucha e a Loja da Laurinda, com pickles caseiros – e lojas gastronómicas. Nesta lista entram a Vai-me à Loja, na Picaria, a Tempura-me, projecto de Isabel Canhola, dona do Tapabento, e a Comfort Goods, uma plataforma online com pão, café, especiarias e outras coisas boas para encher a despensa.

O Emotivo, um restaurante em Cedofeita cujo menu explora as várias regiões do país, e o Bonifácio, novo italiano em Leça da Palmeira, também fazem parte da lista de novidades, ambas bem acolhidas nas cidades. Para breve, está também prevista a inauguração do terceiro espaço da Casa Guedes no Porto.

A virar o bico ao prego

Em Lisboa, quem olha para as ruas e as relembra repletas de turistas a calcorrear a calçada, encontra agora um panorama muito diferente. As ruas estão mais despidas, ficaram os de cá. Por arrasto, os restaurantes também estão mais vazios, mas a palavra de ordem do sector é resistir. Mais do que de chef, quem está por detrás dos restaurantes e cafés da cidade assume o papel de empreendedor, sempre à procura de dar a volta à situação.

Restaurantes de fine dining reinventaram a sua cozinha, como o Plano de Vítor Adão, que aos fins-de-semana faz entregas ao domicílio com um receituário tradicional, com o cozido ou o cabrito assado a ganhar destaque. Por sua vez, Pedro Pena Bastos abriu o Cura, no Ritz Lisboa, depois de desaparecer do radar quando encerrou o aclamado Ceia.

Noutro universo, Pedro Abril, chef do Chapitô à Mesa, reavivou o Shogun, o seu projecto de entregas de comida asiática, que pode ir desde os ramens a arroz frito. Todas as semanas anuncia um menu no Instagram e entrega às quartas-feiras. E se as restrições criadas para o combate à pandemia obrigam os restaurantes a fecharem ao público mais cedo, alguns espaços da cidade têm tido a ousadia de alterar a lógica dos horários fortes em matéria de serviços e a adesão tem sido significativa. Falamos então da Fábrica da Musa, em Marvila, que nos dois últimos domingos organizou o Pequeno Grande Almoço, um pequeno-almoço que foi almoço, lanche e jantar. Ou da Comida Independente, que em parceria com a Junta de Freguesia da Misericórdia, organiza o Mercado dos Produtores na Praça de São Paulo, em que a cada fim-de-semana se celebra um legume diferente e se convida um cozinheiro para elaborar “uma preparação em estilo de street food sobre esse legume”. A padaria Terra Pão, no Mercado de Arroios, resolveu experimentar assar um robalo dentro de um pão sourdough e um cabrito com arroz de miúdos.

Ainda que se esteja a viver uma conjuntura dramática, há quem resolva arriscar e lançar para a rua novos projectos. É o caso do Bla Bla Glu Glu, irmão mais novo da Taberna do Calhau, aberto em Agosto pela mão de Leopoldo Calhau, onde o foco é servir vinhos, queijos, enchidos e comidas virados para outras culturas. Actualmente, o Bla Bla Glu Glu alberga uma outra marca, o restaurante pop up Sem (anterior Pego Pop Up), de Lara Espírito Santo e de George Mcleod. Em Oeiras, nasceu a mercearia e cafetaria Comvida. Trata-se de um espaço aberto a todos, em que os produtos são todos locais, sazonais e tudo é preparado in loco. Voltando-nos para o mais tradicional, o Lés-a-Lés, no Campo Pequeno, abriu em Setembro e procura proporcionar uma viagem gastronómica pelo receituário nacional. Virando-nos para os grandes, o grupo Non Basta abriu o Provincia, um espaço com estreita ligação à horta biológica própria, querendo trazer para a cidade o melhor do que se produz no campo.

O povo unido

Além dos próprios restaurantes, também clientes e algumas entidades públicas se estão a mexer. Como? Fazendo grupos organizados de divulgação de projectos como o Take-Aways no grande Porto, no Facebook, criado no início de Março e que já conta com 24.700 membros e mais de mil estabelecimentos inscritos. O objectivo continua a ser “ajudar os restaurantes a divulgar outro canal que não o atendimento em sala e a promoverem os serviços de take-away e/ou entregas ao domicílio”, explica Marcos Allen, um dos fundadores do grupo.

Já em Matosinhos, foi a autarquia que lançou um modelo gratuito de entregas ao domicílio que funcionou, à data de fecho desta edição, durante os dois primeiros fins-de-semana de Novembro de recolher obrigatório a partir das 13.00.

Em Lisboa, sejam startups, órgãos do poder local ou cidadãos preocupados, a mudança faz-se com pequenos gestos. Aqui ficam três projectos que estão a tentar salvar os restaurantes e o comércio local na cidade.

Leva no Pacote

Três amigos que trabalham em publicidade juntaram-se para criar um movimento de apoio aos restaurantes. A ideia surgiu do facto de todos eles sentirem que estes espaços da cidade estavam ao abandono. A campanha, pensada para os dois fins-de-semana de recolher obrigatório, ganhou uma grande expressão na internet, com pessoas de todos os quadrantes a partilharem os posts nas suas páginas de Instagram. A mensagem é simples: levar no pacote para ajudar os restaurantes a atravessar este período conturbado. O nome, esse, surgiu com o propósito de tornar a expressão ‘levar no pacote’ mais positiva.

Junta de Freguesia da Estrela

O objectivo é ligar comércio local e alunos das escolas situadas nesta freguesia lisboeta. Para isso, a Junta vai distribuir um cheque-oferta de 20€ a todos os que frequentam o jardim de infância e os primeiro e segundo ciclos naquela freguesia. Ao todo serão 1400 alunos abrangidos pela iniciativa, num investimento de 30 mil euros por parte da autarquia. Os vales poderão ser gastos entre 11 e 25 de Dezembro nos estabelecimentos que tiverem aderido à iniciativa.

Kitch Tech

É da autoria da startup Kitch, de Rui Bento e de Nuno Rodrigues, que tem agora uma nova funcionalidade no serviço de entregas lançado em Maio. Agora, os restaurantes aderentes podem ter uma loja própria com um serviço de entregas e de take-away próprio. A empresa fica responsável por fazer a ligação aos estafetas, o que não impede os restaurantes de continuarem ligados a plataformas de entregas externas ao mesmo tempo que têm o seu próprio sistema. Isto, segundo os fundadores, permite estreitar os laços com os clientes, apesar da distância envolvida no processo.

  • Restaurantes

É indiferente o que se pensa sobre as medidas de combate à pandemia, se são ou não adequadas; as indecisões, os ziguezagues. É indiferente porque o mal está feito e é anterior a qualquer resolução do Conselho de Ministros: a pandemia está a ser implacável com a restauração, desde logo porque o sector estava a crescer alavancado em particular pelos inebriantes números do turismo em Portugal – e o turismo há meses que está em suspenso. O pouco que dele se viu no Verão foi insuficiente, mesmo se para algumas casas o mês de Agosto foi melhor este ano do que no anterior. Estávamos fartos de estar em casa. Desconfinámos, fomos, gastámos. Mas nada que salve este ano da desgraça. Bastou os novos casos de Covid-19 aumentarem para a clientela se retrair. O Governo chegou a promover as idas dos portugueses aos restaurantes, e houve até quem encarasse esse encargo como uma obrigação moral, tendo em vista a sobrevivência destes negócios. Dever ou não, tal como Bartleby, há uma maioria silenciosa que prefere não o fazer. Resguarda-se. O teletrabalho não ajuda, deixando as salas de almoço para as moscas. As ajudas públicas em vigor, diz o sector, não são suficientes. Talvez mais grave do que isso seja a impossibilidade de se planear para além do curtíssimo prazo. Como será o Natal e a passagem de ano? Boa pergunta.

“O panorama neste momento está negro. Falando em restauração clássica, os restaurantes estão sem clientes. Não estamos só a falar de uma questão de normas ou directrizes governamentais, mas estamos a falar da população que deixou de ir a restaurantes. E sem clientes o propósito do nosso trabalho fica vazio”, diz Sérgio Cambas, o empresário por detrás d’O Paparico e das cervejarias Brasão, no Porto. O vizinho Rui Paula, chef da Casa de Chá da Boa Nova (duas estrelas Michelin), do DOP e do DOC, corrobora: “Está um terror. Para ter uma noção em percentagem, posso-lhe dizer que está com quebras de facturação de 75% nos restaurantes. É um problema grave. Há um dia em que se trabalha e dois dias em que não se faz nada. Já houve dias de zero clientes, tanto ao almoço como ao jantar. É uma desgraça.” 

Em Lisboa, Marlene Vieira abriu em contracorrente o seu Zunzum Gastrobar, em Julho. “O panorama era negro e tivemos a casa cheia, dentro dos 50% permitidos, e foi óptimo. Tínhamos a perspectiva de que nem estava a correr assim tão mal. Já vínhamos com perdas grandes, mas quando abrimos a esperança renasceu. E não estávamos atentos ao que acontecia à nossa volta. Isso não era o que estava a acontecer em alguns espaços. O cenário era negro em muitos outros sítios. Agora, com as novas medidas de fechar ao fim-de-semana e com o fim do Verão, as coisas mudaram um bocadinho”, nota. “Neste momento, os restaurantes que estão fora das zonas residenciais sofrem muito. E os restaurantes nas zonas de bairro estão a beneficiar muito. As pessoas estão mais concentradas num sítio, portanto não dá para todos.”

“A fase que estamos a atravessar é complicada”, acrescenta José Paulo Rocha, d’O Velho Eurico. “Não tem sido muito fácil, principalmente a fechar aos fins-de-semana e a ter de fechar às 22.30 durante a semana. Tornou a facturação da noite quase nula. A facturação baixou para metade, vá.” O Velho Eurico é, apesar do nome, novo. O Solar dos Presuntos é uma instituição, estando de portas abertas desde 1974. O proprietário, Pedro Cardoso, garante que sem a “folga financeira” amealhada ao longo de todos estes anos, estariam perdidos. “Se não fosse isso, estaríamos sem saber o que fazer.”

A falta que o turismo faz

“Estamos no centro nevrálgico de Lisboa, onde a população que circula é turista. Estamos a passar um momento bastante difícil”, sublinha Pedro Cardoso. Para muitos restaurantes, tirar-lhes o turismo é puxar-lhes o tapete. “Estamos com quebras na ordem dos 55%, mas sou um homem feliz, porque continuo com o restaurante composto ao almoço e ao jantar e para mim é uma vitória tremenda.” O Solar dos Presuntos fica numa paralela à Avenida da Liberdade, O Velho Eurico na Mouraria, a caminho do Castelo. Também sentiu esse impacto. “Uma coisa que notámos bastante depois do primeiro confinamento foi que ganhámos bastantes clientes locais. Algo que não tínhamos antes”, revela José Paulo Rocha. “Baixámos os preços, aumentámos as doses, e baixámos o preço da cerveja, que foi muito importante.”

Não houve antecipação aos problemas. Não podemos pôr gasolina em cima do Estado. Tivemos a nossa quota-parte de culpa. Não é com o take-away que um restaurante se vai salvar, nem é ao fim-de-semana.
Pedro Cardoso, empresário

“O turismo faz falta à cidade num todo”, avalia Sérgio Cambas, a partir do Porto. “Sou um defensor do turismo: torna a cidade mais divertida, estimula o investimento e a diversificação de projectos.” Rui Paula acrescenta que “todas as empresas começaram a gravitar à volta do turismo. Os investimentos que fizeram, as remodelações, o aumento de equipas. As equipas são redimensionadas para a dimensão do turismo”. O chef vai ao encontro de Pedro Cardoso, que identifica como o maior dos desafios a manutenção dos postos de trabalho. “Temos de manter as pessoas que sempre nos acompanharam. Temos que honrar os nossos compromissos”, afirma. “Mantenho a minha equipa na íntegra e estou a renovar contratos de trabalho que terminavam nesta altura. Tenho um funcionário que teve uma criança há dois meses e não me sinto moralmente com capacidade para não renovar o contrato a um funcionário nessa situação. Tenho outro que a mulher foi despedida e que ele está sozinho a trabalhar para a casa. Eu nesta altura não posso olhar só para o meu umbigo, tenho de ajudar as pessoas que estão comigo.”

As grandes despesas

“É nas rendas e no staff [nos salários] que isto tem que ser mexido. Resta é saber como”, indica Rui Paula. “Eu sei que isto é difícil para toda a gente mas também sei que, se vem dinheiro da Europa, é preciso que seja bem aplicado. Têm que estudar isso bem estudado mas é preciso fazê-lo para ontem.” O chef dá valores e oferece soluções: “No DOP pago praticamente 5000€ de renda. Diga-me como pago isso. Tem que haver um compromisso entre o Governo, o empresário e o senhorio e a partir daí distribui-se uma percentagem. No Canadá, por exemplo, são 50% governo, 25% empresário e 25% senhorio. Consegui uma baixa na Casa de Chá da Boa Nova porque o senhorio tem sensibilidade. Quando os senhorios não têm sensibilidade têm que ser chamados à atenção pelo Governo.” Mas é nos ordenados que está a fatia de leão para os projectos de Rui Paula. “Os ordenados passam os 100 mil euros. Embora o ano esteja perdido, aguentei isto tudo e não despedi. Mas outra vaga destas ninguém aguenta. Impossível. Ou há ajudas ou temos que despedir. Entre salvar o negócio e não despedir ninguém, nós temos que escolher”. “Tenho dias em que não pago um funcionário por estar aberto. E depois há rendas, água, luz, IVA, TSU.” Em poucos meses, Marlene Vieira já começou a dispensar trabalhadores: “Quando há uma quebra de 60% é impossível. Um avião com o motor a 40% o que faz? Vai largando peso.”

Se calhar o IVA não baixa porque há um desequilíbrio muito grande, há uns que pagam e outros que não. Na restauração há pouca fiscalização. São falhas burocráticas que não vêm de hoje. E torna tudo pior agora.
Marlene Vieira, chef e proprietária

Os senhorios, infere Sérgio Cambas, estão à espera de que seja o Governo a dar o primeiro passo. “Estão um pouco inflexíveis nesta fase porque estão na expectativa de terem algum apoio. O peso das rendas é importante, principalmente na Baixa [do Porto], que teve um período de inflação um pouco descabido. E acredito que em algum momento esses valores terão que ser normalizados até haver uma retoma.” Pedro Cardoso vê nessa espera um impasse – porque acredita que “o Governo não recebe feedback dos problemas que se passam na restauração”. O empresário aponta o dedo à AHRESP, que diz não estar a fazer o trabalho que lhe cabe. “Não temos nenhuma organização que represente o nosso sector. As pessoas atacam o Ljubomir [Stanisic, chef do 100 Maneiras, que tem sido um dos rostos da contestação no sector], mas ele não pode ser atacado. Só pode ser atacado pela forma como se expressa. A essência do discurso e o seu conteúdo estão lá. Ele sente que está a lutar completamente sozinho e que não tem o apoio que deveria ter da maior associação empresarial de turismo do país. O Governo recebe que informação dessa associação? Quando forem para as mesas de negociação olham para eles e nem os conhecem tão pouco. Esse é que é o grande problema até hoje.”

As ajudas públicas

“Não houve antecipação aos problemas. Não podemos pôr gasolina em cima do Estado. Tivemos a nossa quota-parte de culpa. Não é com o take-away que um restaurante se vai salvar. Não é ao fim-de-semana que o restaurante pode salvar-se. Tem de haver uma ajuda do Estado”, continua Pedro Cardoso. Elogiando a opção do Governo em basear pelo menos parte dos apoios no e-fatura, o dono do Solar dos Presuntos sublinha que “tem de haver uniformidade de critérios, tem de haver um valor para ressarcir por igual todos os restaurantes. Desde os mais pequenos aos maiores”. “Tem de se ajudar nos impostos, nos trabalhadores e em ressarcir as perdas. São as grandes áreas em que o Estado tem de intervir, mas tem de haver igualdade de tratamento. As despesas dos que facturam muito são muito maiores do que as dos que facturam pouco. Não é prejudicar os grandes em benefício dos pequenos.” Pedro Cardoso acusa a AHRESP de ignorar a realidade do mercado que representa. “As pessoas que falam com o Governo não sabem minimamente o que se passa no nosso sector. Não percebem minimamente do que estamos a falar. Não falam com ninguém e depois vêem que as leis não são passíveis de serem executadas. Os maiores grupos de restauração de Lisboa não foram ouvidos no processo de reabertura. É de uma prepotência inacreditável. Não posso culpar o Governo, tenho de culpar primeiro quem dizia que nos representa a todos nós, a AHRESP.”

Rui Paula concorda que “as empresas têm que ser ajudadas mediante o que pagam de impostos”. Esse é o centro da questão, refere Marlene Vieira: “As medidas já estão a ser tomadas para aqueles que têm tudo direitinho. Há muitos restaurantes que não cumprem na íntegra a facturação. Se calhar o IVA não baixa porque há um desequilíbrio muito grande, há uns que pagam e outros que não. Na restauração há pouca fiscalização. São falhas burocráticas que não vêm de hoje. E torna tudo pior agora.” Ainda assim, Sérgio Cambas contrapõe com uma prática dos tempos da monarquia, para advogar uma espécie de amnistia fiscal para este período de crise mais aguda. “É preciso alguma honestidade. Isto é, o Governo sabe que estamos sem clientes. Aquilo que peço e acho fundamental é que, já que sabem que não estamos a ter receita nenhuma, pelo menos que o Estado não produza receita sobre os nossos negócios nesta fase. Seja qual for a medida. Mesmo no tempo dos reis, só era imputado um custo de um campo ou de qualquer tipo de negócio quando havia uma receita”, atira o empresário do Porto.

Fugas para a frente

Quando a primeira vaga da pandemia pareceu esboroar-se, entre Maio e Junho, os restaurantes puderam reabrir as portas com inúmeras cautelas e obrigações de desinfecção e higiene. As esplanadas surgiram então como uma panaceia para todos os males relacionados com um coronavírus que convive pior com o ar livre. Mas era uma solução de encher o olho, mais do que os bolsos. “Há uns meses havia as esplanadas e os meus colegas pensaram que o negócio ia ser fantástico mas esqueceram-se que estavam a dois meses do Inverno”, diz Pedro Cardoso. “Há restaurantes com 200 lugares no interior e com esplanadas para 20 pessoas. Têm as esplanadas completamente cheias, mas lá dentro está deserto. Desabituaram as pessoas dos interiores”, observa. “Tudo o que seja modificar o que fizemos de bem anteriormente é um erro crasso que iremos pagar no futuro.” Sérgio Cambas, por seu lado, acredita que as esplanadas “são lugares onde continua a haver aglomerados”. “Sempre achei que, para fazer uma esplanada bonita e como deve ser, isso obriga a um investimento. Mas fazer um investimento e a esplanada ser mais um foco de contágio…”

É preciso alguma honestidade. O Governo sabe que estamos sem clientes. Aquilo que peço e acho fundamental é que, pelo menos, o Estado não produza receita sobre os nossos negócios nesta fase.
Sérgio Cambas, empresário

Antes (e depois) disso, os clientes viraram-se sobretudo para os serviços de entrega. Acreditavam que assim, além de continuarem a usufruir dos seus pratos favoritos, estavam a apoiar os restaurantes. Bom, mais ou menos. Intermediários como a Uber Eats e a Glovo, os maiores operadores nesse segmento, cobram comissões de 30 a 35% e emagrecem significativamente as margens de lucro. “Esse é um dos grandes erros e agora os meus colegas estão revoltados pelas taxas que essas empresas cobram, mas isso foram eles que permitiram. 30%, eu fico maluco quando vejo o desespero de colegas meus a darem 30%”, volta a atacar Pedro Cardoso. “Não é possível. Se desse 30% do valor final da minha factura a uma empresa, qual era a margem que tinha? Estamos a viver o veneno da serpente que andámos a criar. Agora queixam-se, mas o desespero leva muitas vezes a situações em que é complicado voltar atrás.” O Solar dos Presuntos tem o seu próprio serviço de entregas. N’O Velho Eurico, pondera-se fazer o mesmo. “É algo que estamos a pensar fazer. Vamos fazê-lo por nossa conta, acho que as plataformas são mais um entrave. Temos uma equipa de seis pessoas, não será difícil fazer as entregas em casa”, antecipa José Paulo Rocha.

A polémica estalou há cerca de duas semanas, quando a Deco Proteste acusou as duas plataformas de “abuso de poder”, tendo a Glovo respondido com a oferta de comissões a novos parceiros. A alternativa passa pelos próprios clientes irem buscar comida aos restaurantes, mas também isso não basta. “O negócio de take-away é simplesmente uma forma de adaptação e motivação das equipas porque, em boa verdade, representam 15% da facturação habitual. Se tens uma empresa que está a trabalhar para o 100%, depender pura e simplesmente do take-away é um desajuste tremendo em relação ao investimento. É um acessório, porque só isso não é suficiente para manter uma estrutura que está pensada para trabalhar a outra velocidade”, contemporiza Sérgio Cambas.

O medo dos clientes

A terceira via é, de facto, a original: comer nos restaurantes. Mas os clientes têm medo de entrar. Todos o notam. “O número de casos, os hospitais a abarrotar... tudo isto interfere psicologicamente com as pessoas”, segundo Rui Paula. “Entendo perfeitamente. Porque eu tenho que me pôr no lugar das pessoas que não têm restaurantes. Se eu não tivesse restaurantes também não ia tantas vezes.” José Paulo Rocha anui: “Nesta fase, vejo as pessoas a não quererem entrar. A querer ficar na esplanada. Coisa que há um mês não acontecia. Está a voltar ao que era depois de sairmos do confinamento. Sinto esse medo.” Não é um receio infundado. Mesmo cumprindo todas as regras, os restaurantes continuam a ser espaços fechados ou quase, onde pessoas de diferentes bolhas sociais se encontram durante o tempo de uma refeição, passando a maior parte do tempo sem máscara. Na pior fase desta segunda vaga, Alemanha e França, por exemplo, optaram por encerrar os restaurantes. Um recente artigo da Nature refere este e outros espaços (cafés, ginásios) como “hotspots” de contágio.

Nesta fase, vejo as pessoas a não quererem entrar. A querer ficar na esplanada. Coisa que há um mês não acontecia. Está a voltar ao que era depois de sairmos do confinamento. Sinto esse medo.
José Paulo Rocha, chef e proprietário

Em Portugal, apenas 2% dos contágios estão comprovadamente relacionados com o sector da restauração. O Solar dos Presuntos foi um dos poucos restaurantes com casos identificados (outros foram o Noélia, no Algarve, e o Museu do Arroz e a Ilha do Arroz, ambos na Comporta). Pedro Cardoso fala abertamente sobre isso: “Tivemos 16 casos. Não é nenhuma vergonha apanhar o vírus. [Divulgá-lo] era uma forma de encorajar os meus colegas para resolvermos as questões rapidamente e com bom senso. E perceber que esta é a única forma que temos de viver estes tempos”. “Eu só cumpro leis, mas ninguém vem para a rua ver se essas leis estão a ser cumpridas. Falo do nosso sector. Quem tem estabelecimentos tem de ser responsabilizado financeira e judicialmente.” Marlene Vieira afina pelo mesmo diapasão: falta fiscalização. “Há o pecador e o que não peca paga. Somos todos postos no mesmo saco e isso é que está errado. Falta muita fiscalização, há restaurantes lotados e é aí que as pessoas se estão a infectar.” A chef do Zunzum, que também tem um espaço em nome próprio no Time Out Market, diz que, “se se cumprir as regras, distanciamento das mesas e se houver o cuidado de se usar a máscara em circulação, não acontece. Onde acontece, a probabilidade é muito pequena”.

Os fantasmas do Natal e do Ano Novo

Ainda é muito cedo para falar sobre a quadra festiva do final do ano? No discurso oficial, sim; para a restauração, nem pensar. É tarde. “Andamos a navegar à vista”, reclama Rui Paula. “Se fosse num ano sem pandemia, a esta hora já tinha os restaurantes praticamente cheios para a passagem de ano. Neste momento, não tenho quase ninguém. Temos uma reserva paga a 50% e não sei se vai haver, se vai haver confinamento geral.” José Paulo Rocha nem pensa nisso. “Não dá para programar muito nesta altura do campeonato. Eu falo por mim: prefiro pensar semanalmente e vamos trabalhando ideias a curto prazo. A longo prazo possivelmente vai sair furado”, afirma. “Nós não podemos antever”, suspira Marlene Vieira. “O que vai acontecer obviamente são cabazes de Natal com pratos preparados pelos chefs. Estamos a preparar-nos para isso, para podermos fazer pratos especiais.” É o que vai salvar o Natal? “Poderá fazer a diferença entre mais um posto de trabalho. Não é o que dita o encerramento de uma empresa. Falamos de micro-soluções que podem resultar em despedir menos uma pessoa.”

Sérgio Cambas recusa-se a baixar os braços e está confiante de que estará de portas abertas nessa altura. “Independentemente de haver normas que obriguem ao confinamento ou não, a minha equipa trabalha no sentido de organizar o calendário como se fosse acontecer. O Paparico terá menu de passagem de ano. Não festivo, mas intimista. O Brasão vai funcionar nos mesmos moldes dos anos anteriores, com decorações alusivas e o ambiente preparado para que as pessoas, nesses dias, possam sair com segurança e sintam que algo especial foi feito para elas. Há coisas que não devemos perder.” Pedro Cardoso optou pelo inverso: “Vou fechar, se calhar já na segunda quinzena de Dezembro. A nível de restauração vai ser um desastre. E portanto tenho férias para dar ao pessoal e irei fechar de 15 de Dezembro a 15 de Janeiro. Não consigo ver isto de outra forma. A pior crise irá acontecer nessa altura. Estou convencido que em quatro semanas as coisas ainda vão piorar e depois é que começa a amainar um bocadinho.”

Até quando?

As vacinas estão ao virar da esquina, mas ninguém tem ilusões quanto ao Inverno. Vai ser duro. A Primavera, um pouco menos. O alívio deve chegar com o Verão. Falta meio ano. Mais. “2021 vai ser um ano problemático, mais ou menos como este. Em Junho, Julho vai começar a melhorar, mas precisamos de ajuda agora. Não vai ser um ano para ganhar dinheiro, mas se der para pagar as contas já não é mau”, desabafa Rui Paula, que diz poder aguentar até “Janeiro, Fevereiro”. “A partir daí, já não sei.” Os prazos que estão a ser equacionados por Sérgio Cambas são idênticos. “Eu começo a ver o mercado interno a mexer um pouco mais através da segurança e das perspectivas de vacina a partir de Março, Abril. Começamos uma retoma, juntando o regresso do turismo, no Verão do próximo ano.” O empresário crê que, “se não tivesse poupanças, com certeza que não conseguiria” manter os negócios vivos. “Neste momento continuo a acreditar e por isso vou continuar a investir. Se o meu empreendedorismo estava focado para o crescimento, eu tenho que continuar a investir para a manutenção.” Para Marlene Vieira, “os objectivos são garantir que a empresa se mantém com liquidez. Para cumprir obrigações fiscais. Sem isso, bloqueiam-se muitas soluções. Está prevista uma fase muito difícil até Março de 2021”.

2021 vai ser um ano problemático, mais ou menos como este. Em Junho, Julho vai começar a melhorar, mas precisamos de ajuda agora. Não vai ser um ano para ganhar dinheiro, mas se der para pagar as contas já não é mau.
Rui Paula, chef e proprietário

Valeria a pena fechar portas até essa data? “Acho que sim, mas tínhamos que ter alguma ajuda”, avança Rui Paula. “Há países em que os restaurantes estão fechados e o governo paga 80% do rendimento dos funcionários e a empresa só paga 20%. Aqui não se fecha porque ainda não sabem como é que esse apoio vai ser feito.” Sérgio Cambas desconfia dessa solução: “Não penso fechar nenhum restaurante, só se for obrigado a fazê-lo. Porque acho que os restaurantes, reduzindo a sua energia ao mínimo, devem manter-se próximos das pessoas. Uma marca que desapareça e que feche por um, dois, três meses terá que ter uma reactivação muito grande na hora da retoma.” José Paulo Rocha também não quer fechar. Mais distanciamento do que o necessário, não. Aliás, o jovem chef tem é saudades de ajuntamentos. Sendo O Velho Eurico uma taberna, nem poderia ser de outra maneira.

  • Coisas para fazer
  • Vida urbana

Em menos de um mês, dois cafés emblemáticos do Porto fecharam por tempo indeterminado. O Guarany, na Avenida dos Aliados, encerrou no dia 15 de Novembro. Mais recentemente, o Majestic, na Rua de Santa Catarina, fechou as portas na tarde do dia 30 de Novembro.

Segundo notícia avançada pelo Jornal de Notícias, o encerramento deve-se aos efeitos da pandemia, às novas regras e restrições, como o teletrabalho e sobretudo a quebra turística, que levaram à diminuição de clientes. "Neste momento, seria gerar despesa e ter prejuízo, não compensa", afirmou o gerente Fernando Barrias.

Ambos os estabelecimentos, pertencentes ao grupo Barrias, deverão reabrir quando estiverem reunidas as condições para tal, mas ainda não existe uma data no horizonte. Outros espaços do grupo, como a cafetaria Marbella, na Rua de Santa Catarina, a Confeitaria Eça, nas Antas, e os hotéis Internacional e Vera Cruz também fecharam, ficando 150 trabalhadores em lay-off. Continuam em actividade as unidades hoteleiras Pão de Açúcar e Aliados. O hotel de quatro estrelas Aliados Plaza continuará a ser construído, uma vez que o contrato foi celebrado antes da pandemia.

O Guarany foi fundado em 1933 e baptizado com o nome das tribos indígenas que predominavam na América Meridional, numa época em que o Brasil era o principal produtor mundial de café. O Majestic foi inaugurado em Dezembro de 1922 e é um dos mais representativos exemplos de Arte Nova na cidade. Ganhou várias distinções pela sua beleza e arquitectura e tornou-se um local de luxo, mas também de tertúlia e de eleição para escritores e artistas. 

+ Restaurantes: a luta pela sobrevivência

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  • Restaurantes
  • Comida

A Casa Guedes, um dos ícones da cidade e uma verdadeira meca gastronómica para portuenses e turistas, vai abrir o terceiro espaço da marca no edifício do histórico Café Progresso, que encerrou em 2018. A inauguração está prevista para o dia 9 de Dezembro, às 10 da manhã.

Na nova Casa Guedes – Progresso, situada na Rua Actor João Guedes, junto à Praça de Carlos Alberto, a ementa será um híbrido das duas casas da Praça dos Poveiros. Pode contar com as famosas sandes de pernil, mas também com francesinhas, sandes de alheira, hambúrgueres e um exclusivo neste novo espaço: os cachorrinhos.

O café mais antigo do Porto não ficará esquecido. Vamos resgatar a origem do Progresso, que é o café de saco, diz Vinícius Fraga, sócio-gerente do novo espaço. “É importante não perder esse lado único de um café tão emblemático na cidade do Porto.” O fornecedor será a Tenco, a mesma marca de café que era usada no Progresso.

Casa Guedes
Fotografia de João SaramagoA famosa sandes de pernil da Casa Guedes

 

Numa altura em que há cafés e restaurantes a fechar as portas, a decisão de abrir agora foi tomada por “um grande motivo”: “garantir os postos de trabalho”. “Como temos muitos funcionários nas duas casas na Praça dos Poveiros, esses 60 funcionários vão agora ser diluídos por três casas. Ou seja, não vamos demitir, mas também não vamos contratar. Quando as coisas voltarem a crescer, a gente volta a contratar, é essa ideia”, explica Vinícius Fraga.

Para já, o novo espaço deverá funcionar a partir das 10.00, “com uma ementa específica para pequeno-almoço”. Eventualmente, o objectivo será abrir até de madrugada, com “uma porta a funcionar só para take-away”, para dar resposta a quem procura comida fora de horas.

Casa Guedes - Progresso
© Casa Guedes - Progresso

 

O Café Progresso foi inaugurado em 1899. Remodelado em 2017 com nova gerência, fechou no Natal de 2018 e foi adquirido pelo grupo José Avillez, que aqui pretendia abrir o Cafeína Downtown. Mas o novo projecto nunca chegou a ser inaugurado. Em meados de Agosto deste ano, o imóvel foi arrendado à sociedade luso-brasileira da Casa Guedes por Vasco Mourão, que em 2020 comprou de volta os restaurantes do grupo Cafeína a Avillez. 

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